14/4/2012,
entrevista a Sophie Verney-Caillat, Rue89
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Comentário
da redecastorphoto: Notável a
percepção do pessoal da Vila Vudu quanto a semelhança ideológica entre o grande
brasileiro Leonel de Moura Brizola e o extraordinário intelectual, jornalista e
político francês Jean Jaurés (1859-1914).
Albert Jacquard em casa, em Paris, dia 5/4/2012 |
Albert
Jacquard, o geneticista “indignado”
de 86 anos, está lançando um livro com Stéphane Hessel (“Exija! Desarmamento
nuclear total” [Exigez! Un désarmement nucléaire total] Paris: Stock).
Votará em Mélenchon
e decidiu divulgar seu voto.
“Estou
cada dia mais fraco”, reconhece. Comparado às vezes a um “Abade Pierre” laico,
Jacquard acaba de ser aposentado compulsoriamente da rádio France
Culture
(onde até recentemente mantinha um programa). A voz está muito fraca, e mal se
ouve o que diz, mas ainda tem muito a dizer:
“Tenho
ganas de gritar “nos autodesapropriemos!”. Temos de dizer a todos, no mundo, que
nenhum bem da Terra pertence a alguém”.
Ainda
há pouco tempo, o velho cientista foi visto nas telas de televisão, entre os
manifestantes que exigiam
a desapropriação de
um prédio na Rue du Dragon, para ser
entregue aos sem-teto. E acaba de lançar também um livro de memórias, “Na minha
juventude” [Dans ma jeunesse, Paris:
Stock].
Nesse
livro, explica “como se chega a ser o que se é”. E pela primeira vez escreve
sobre o acidente de carro que o desfigurou, aos 9 anos. Um trem bateu no carro
em que a família viajava. Morreram seus dois avós e um irmão de cinco anos, e o
pai foi ferido. Eis como relata o fato:
“Um
choque de fim do mundo, seguido de um silêncio que parece definitivo. Abro os
olhos e me vejo, eu mesmo, de pé, no meio da estrada; desdobrado, sou ao mesmo
tempo esse menino ferido, externo a ele, fixo como uma fotografia, e eu, que
olha para ele, incapaz, durante um instante, de qualquer movimento ou sensação,
mas obrigado a aceitar o irreparável: num instante, meu universo está
revirado”.
Foi
livro que “muito me custou escrever”, diz ele:
“Não
sabia que escrever me libertaria. Dizer me transformou.”
Vê,
na aliança com Stéphane Hessel,
a ocasião de encontrar novos públicos para suas velhas ideias sobre a energia
nuclear:
“Estamos
suicidando a humanidade, e ninguém reage. É monstruoso”.
Albert
Jacquard estará convertendo a indignação de nonagenário em programa político?
Está disposto a falar, na campanha presidencial? Calma. Até agora, o utopista só
decidiu em quem votará.
Rue89: Se
o senhor fosse candidato, qual seria sua plataforma
política?
Albert
Jacquard:
Seria o candidato das mutações, nunca candidato das crises. Crise não existe.
Por definição, crises são passageiras, uma crise de tosse, uma crise de
lágrimas... São crises, porque sabemos que passam. Hoje, para edulcorar o que
estamos vivendo, fazemos como se fosse uma crise, como se fosse coisa
passageira.
Hoje,
de fato, vivemos uma mutação, um apelo ao renovado. O que foi bom antes, não é
necessariamente bom depois. Vivemos uma ocasião extraordinária, de mudar tudo. É
normal rever o sistema econômico, sanitário... Ora! E ninguém, nessa campanha
eleitoral aproveita a oportunidade para definir as mutações. Os políticos têm
medo da mudança, não acreditam que as coisas mudem.
A
campanha eleitoral pouco fala de utopia. E fala demais em números. É uma
verdadeira doença de números.
Ligo
a televisão e não passam três minutos sem que apareça uma porcentagem de aumento
de alguma coisa, que logo depois diminui, como Sarkozy, dia desses, que
explicava que não sei o que baixaria. Significa que só aumentará... Somos
fascinados pelos números, porque se acredita que os números sejam o caminho pelo
qual se chega à verdade.
Rue89: Mesmo
assim, os números da dívida são uma realidade...
Albert
Jacquard:
Seria ótimo que alguém definisse essa tal “realidade”. Por que, há
dez anos, ninguém falava dela? Para mim, o momento grandioso, quando nos
esquecemos de todos os números, foi a Libertação: suprimiram-se vários critérios
econômicos, como a inflação, e demos um jeito. O Conselho Nacional da
Resistência foi
uma utopia total... realizada.
Rue89: Que
lhe parecem os candidatos?
Albert
Jacquard:
Minha simpatia caminha, naturalmente, para François
Hollande.
O outro [Nicolas Sarkozy] não é homem em quem se possa confiar. É espantoso o
modo como zomba desavergonhadamente de todos. Já disse de tudo, e, depois, o
contrário de tudo.
Encontrei-o
uma vez, pessoalmente, numa cerimônia de entrega de uma [medalha da] Légion d’honneur. Alguém apresentou-me a
ele. Apertou-me a mão, e virou a cara. Poderia ter mostrado algum interesse em
me conhecer, mas não. Não foi sequer cordial. Senti na atitude dele uma espécie
de desprezo. Não mostra qualquer entusiasmo, nenhum.
Rue89: E
Hollande?
Albert
Jacquard:
Também não é homem de grande fôlego. No primeiro turno, votarei em Mélenchon.
Votarei em Mélenchon, apesar de sentir que meu dever seria votar em Hollande,
para evitar a volta de Sarkozy. Mas sou sensível ao vigor de Mélenchon, ao modo
como me faz pensar em Brizola.
Espero
não cometer uma tolice, deixando que Sarkozy saia muito à frente, para o segundo
turno.
Mélenchon
tem cabeça boa, sem dúvida. Mostra uma sinceridade que emociona, exatamente o
contrário de Sarkozy. Se eu estivesse melhor, teria ido ao comício
da Bastilha.
Rue89: A
eleição está muito personalizada...
Albert
Jacquard:
É pena. É visível que todos sentimos necessidade de um grande homem. Mélenchon é
um tribuno, quero dizer, é populista, mas... que mal há nisso? Por que não ouvir
o povo?
Com
Sarkozy, é certo que conheceremos o horror. Com Hollande, claro, as coisas serão
menos grandiosas, mas... sabe-lá!
Rue89: O
senhor continua a pregar um decrescimento com
alegria?
Albert
Jacquard:
Sim. Ninguém perderia nada, se se suprimisse Las Vegas. Na medida em que somos
uma espécie consciente, podemos desenvolver uma reflexão sobre esse tema: “Por
que Las Vegas?” Quando estive pela última vez nos EUA, fiquei assustado: a costa
leste do país permanece iluminada, dia e noite, sem interrupção, de New York a Boston. Para quê? Por quê? Aí está um
desperdício de energia que pode acabar.
É
preciso pensarmos todos juntos: quem é o dono do petróleo? A ideia de que Abu
Dhabi seja dona do petróleo é ridícula. O petróleo pertence aos 7 bilhões de
habitantes do planeta. Os recursos são necessariamente
planetários.
Rue89: Mas,
em 2009, em Copenhague, os
estados não conseguiram chegar a qualquer acordo...
Albert
Jacquard:
Pois tentemos novamente. Os egoísmos nacionais têm de desaparecer. Estamos ainda
longe disso, se se vê a Europa hoje. Seja como for, ou é o fim, com a guerra
nuclear, ou temos de admitir que é hora de repensar
tudo.
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