3/4/2012, John Pilger,
The Statesman, UK
Traduzido
pelo Coletivo de Tradutores da Vila
Vudu
redecastorphoto: “A ilha de Timor-Leste, que
conquistou a liberdade liderada pelos militantes Xanana Gusmão e
José Ramos-Horta, ainda é vista como colônia
por Washington e seus xerifes locais, Austrália e Indonésia, famintos para
roubar seus recursos naturais”.
John Pilger |
A
frase de Milan Kundera, “a luta do homem contra o poder é a luta da memória
contra o esquecimento” descrevia o Timor Leste. Um dia antes de viajar para
filmar lá clandestinamente, em 1993, fui à loja de mapas Stanfords, no Covent
Garden de Londres. “Timor?” repetiu o vendedor, hesitante. Lá ficamos, olhando
para as prateleiras marcadas com “Sul-Leste Asiático”. “Desculpe, mas... Onde
fica, exatamente?”
Depois
de procurar, ele voltou com um velho mapa aeronáutico, com áreas vazias onde
alguém carimbara “Dados Incompletos”. Ninguém jamais lhe pedira mapas do Timor
Leste. Era assim o silêncio que envolvia aquela colônia portuguesa, desde que
foi invadida pela Indonésia em 1975. Mas nem Pol Pot conseguiu matar tantos
cambodianos quanto o ditador Suharto da Indonésia matou, à bala ou de fome, no
Timor Leste.
Timor (Clique na imagem para aumentar) |
Zilhões
de dólares
Em
1993, a
Comissão de Assuntos Estrangeiros do Parlamento australiano registrou, em
relatório, que “pelo menos 200 mil pessoas”, um terço da população do Timor
Leste, desapareceu durante o governo de Suharto. Em boa parte graças a Evans, a
Austrália foi o único país ocidental que reconheceu formalmente a conquista
genocida de Suharto. As mortíferas forças especiais indonésias conhecidas como
Kopassus eram treinadas na Austrália. O prêmio, disse Evans, foi
“zilhões” de dólares.
Diferente
de Saddam Hussein, Suharto morreu confortável e pacificamente em 2008, cercado
pelos melhores médicos que seus bilhões puderam comprar. Jamais foi ameaçado de
processo pela “comunidade internacional”. Margaret Thatcher disse-lhe
pessoalmente: “O senhor é dos nossos melhores e mais valiosos amigos”. O
primeiro-ministro australiano Paul Keating via nele uma figura paternal. Um
grupo de editores de jornais australianos, liderados por Paul Kelly, veterano
auxiliar de Rupert Murdoch, voou até Jakarta, para apresentar suas homenagens ao
ditador; há uma foto em que se veem eles todos, curvados.
Em
1991, Evans descreveu o massacre de mais de 200 civis, por tropas indonésias, no
Cemitério da Santa Cruz em Dili, capital do Timor Leste, como “uma aberração”.
Mas quando manifestantes plantaram centenas de cruzes à frente da Embaixada da
Indonésia em Canberra,
Evans mandou destruí-las.
Dia
17/3/2012, mês passado, o mesmo Evans estava em Melbourne, convidado a falar num
seminário sobre a Primavera Árabe. Hoje dedicado ao rico negócio dos “think
tanks”, lá pontificou sobre estratégia das grandes potências, sobretudo a,
hoje em voga, “responsabilidade de proteger” (que a OTAN usa para atacar ou
ameaçar ditadores hoje caídos em desgraça, sob o falso pretexto de que a OTAN lá
estaria como libertadora dos respectivos povos). Também presente ao mesmo
seminário estava Stephen Zunes, professor de política da University of San Francisco, que lembrou
aos presentes o longo apoio que Evans prestou a Suharto, crucial para a longa
sobrevivência do ditador.
No
final da sessão, Evans, que é homem de pavio curto, saltou sobre Zunes, aos
berros: “Quem é você, porra?!” “Onde, porra, você trabalha?” Contaram a Zunes
que Evans dissera, e Evans confirmou, que aqueles comentários críticos mereciam
“um soco nas fuças”. O episódio não poderia ser mais eloquente. Como que em
celebração ao 10º aniversário de uma independência que Evans sempre negou e
tentou impedir que acontecesse, o Timor Leste vive hoje as dores do processo de
eleger um novo presidente.
Para
muitos timorenses e seus filhos maltrapilhos e malnutridos, a democracia é só
uma ideia. Depois de anos de ocupação sangrenta apoiada por Grã-Bretanha, EUA e
Austrália, os timorenses conheceram campanha incansável movida contra eles pelo
governo australiano, interessado sempre em afastar a pequena nação para bem
longe de seus direitos sobre a renda do petróleo e do gás extraídos do subsolo
de suas águas territoriais. Depois de recusar-se a cumprir a Lei do Mar, a
Austrália simplesmente alterou, unilateralmente, as suas fronteiras
marítimas.
Mortos
pelo xerife
Em
2006, afinal, assinou-se um acordo que atendia, praticamente, a tudo que a
Austrália sempre quis. Pouco depois, o primeiro-ministro do Timor Leste Mari
Alkatiri, nacionalista [e muçulmano], que se opusera a Canberra e a qualquer
interferência estrangeira, foi deposto no que o próprio Alkatiri chamou de
“tentativa de golpe” por “forças estrangeiras”. A Austrália tinha soldados de
tropas de “manutenção da paz” já presentes no Timor Leste, e treinara a oposição
a Alkatiri.
Segundo declarações da Força
Australiana de Defesa a um embaixador europeu, comunicadas aos EUA em telegrama
diplomático vazado por Wikileaks [2] ,
o “primeiro objetivo” da Austrália no Timor Leste sempre foi “abrir e garantir
acesso, para militares australianos”, de modo que possam atuar “para influenciar
a tomada de decisões no Timor Leste”.
Nas eleições no Timor Leste em
2012 concorrem dois candidatos [3],
um dos quais é Taur Matan Ruak, general do exército e homem de Canberra – um dos
cabeças do golpe que, em 2006, derrubou Alkatiri.
O
Timor Leste é um pequeno país independente, farto em recursos naturais
lucrativos e localizado em região altamente estratégica, do ponto de vista dos
interesses dos EUA e de seu “xerife” na região, a Austrália (nomeada como
“xerife com plenos poderes” por George W Bush). Isso ajuda a entender por que o
regime de Suharto sempre recebeu tão empenhada atenção de seus patrocinadores
ocidentais.
Hoje,
a obsessão de Washington na Ásia é a China – que oferece aos países em
desenvolvimento, investimentos, competências e infraestrutura, em troca de
recursos.
Notas dos tradutores
[1] Death
of a Nation: The Timor Conspiracy, 1998, dir. John Pilger,
76’ . Pode
ser visto a seguir:
[2] O telegrama pode ser lido (em inglês) em: “Viewing cable 06LISBON1014, PORTUGUESE VIEWS ON EAST TIMOR AND DEPLOYMENT PLANS”. Sobre repercussões, ler em 5/5/2011, “Australia Incited Timor Unrest: Wikileaks”.
[3] “O primeiro turno das
presidenciais no Timor Leste aconteceu dia 17/3 passado. O segundo turno, está
marcado para 16/4/2012. Concorrem no segundo turno: Francisco Guterres Lu Olo,
candidato apoiado pela Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente
(Fretilin [de Al-Katiri]), e Taur Matan Ruak, ex-chefe das Forças Armadas,
apoiado pelo Conselho Nacional de Reconstrução de Timor-Leste (CNRT), do
primeiro-ministro Xanana Gusmão” (4/4/2012, de Dili, em português, em: “Timor-Leste/Eleições:
Segurança em todo o território nacional é normal –
Polícia”.)
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