Presidenta Cristina Kirchner |
Publicado
em 19/04/2012 por *Mair Pena
Neto
Os
defensores do mercado usam um argumento recorrente toda vez que um Estado
nacional rompe relações com empresas privadas, seja por que motivo for. O alerta
é de que contratos estão sendo rompidos, o que gera insegurança jurídica e fuga
de investidores. Jamais se ouve desses arautos a defesa do Estado, mesmo que
este tenha sido lesado nos ditos contratos que tanto prezam. A culpa é sempre
dos governos, nacionalistas e jurássicos, que não sabem gerir negócios com a
eficiência privada.
A
cantilena ressurge agora com a decisão da presidente Cristina Kirchner de
expropriar as ações da espanhola Repsol na YPF, petroleira argentina criada nos
anos 1920, em torno de uma idéia de soberania nacional sobre um produto
estratégico, e vendida nos anos 1990, durante a fúria neoliberal, personificada
na Argentina pelo ex-presidente Menem, que iniciou o processo que levaria o país
vizinho a uma das piores recessões da história e a uma crise institucional sem
precedentes num regime democrático.
Sem
entrar no processo de privatização em si, já motivo de questionamentos, a Repsol
teria como compromisso, ao assumir o controle da empresa, ampliar a exploração e
produção de petróleo e gás no país. Mas o que se viu, foi o movimento inverso. A
Repsol reduziu a produção e duplicou suas receitas no último exercício,
privilegiando a maximização de lucros no curto prazo e as remessas ao
exterior.
De 1999
a 2011, o lucro líquido da Repsol-YPF foi de 16,45 bilhões de dólares, e a
empresa distribuiu dividendos de 13,24 bilhões de dólares. Em 2011,
a YPF representou cerca de 35% do Ebitda (lucro antes de
impostos e amortizações) consolidado da Repsol e pagou cerca de 750 milhões de
dólares em dividendos. Ou seja, enquanto a empresa extraía o máximo de
resultados, investia o mínimo na expansão da atividade, essencial para a
Argentina e sua população.
A
Repsol-YPF reduziu em 30% a 35% sua produção de petróleo nos últimos anos e em
mais de 40% a de gás, o que obrigou a Argentina a aumentar em mais de 9 bilhões
de dólares as importações de hidrocarbonetos. Os números do governo argentino
indicam que, entre 2002 e 2011, a produção de petróleo no país
recuou de 43,9 milhões de metros cúbicos para 33 milhões de metros cúbicos(dos
quais 35% são produzidos pela Repsol-YPF).
Antes
do anúncio da expropriação, províncias petrolíferas argentinas já vinham
retirando concessões de exploração da Repsol por falta de investimento. Um
recente documento de dez províncias argentinas produtoras de hidrocarbonetos
indicou quedas de até 18% na produção de petróleo e gás no país nos últimos dez
anos.
Como
observou Cristina Kirchner ao anunciar a expropriação, se “prosseguisse a
política de esvaziamento, de falta de produção e de exploração, nos tornaríamos
um país inviável, por políticas empresariais e não por falta de recursos, já que
somos o terceiro país no mundo, depois da China e dos EUA, em reservas de
gás”.
A
falta de investimento da Repsol levou a Argentina a importar ano passado, pela
primeira vez em 17 anos, gás e petróleo. O país que sempre foi conhecido pelo
excedente de gás, fornecido a países vizinhos, passou a comprar o produto que
dispõe em abundância, e cuja produção poderá se multiplicar com a exploração de
Vaca Morta, um reservatório extraordinário descoberto na Bacia de
Neuquém.
Depois
do desastre neoliberal, a Argentina recuperou, diga-se de passagem nos governos
Kirchner, o crescimento econômico, que reforçou o contraste entre o declínio da
produção de hidrocarbonetos e a expansão do consumo de combustíveis. Entre 2003
e 2010, o consumo de petróleo e gás subiu 38% e 25%, respectivamente, e a
produção caiu 12% e 2,3%. A balança comercial do setor petrolífero foi de um
superávit de cerca de US$ 2 bilhões em 2010 para um déficit de cerca de US$ 3
bilhões em 2011.
Ao
Estado, cabe controlar a produção de seus recursos estratégicos, com vistas ao
futuro e ao bem estar de sua população. Isso pode ser feito em parceria com
empresas privadas, desde que estas cumpram suas obrigações e tenham compromissos
com os países onde operam, o que não parece ter sido o caso da
Repsol.
Como
observou Cristina Kirchner ao anunciar a expropriação, “não temos problemas
com o lucro, mas sim espero que eles sejam reinvestidos no país: tenham a
certeza que se acompanharem o país vamos seguir trabalhando lado a
lado”.
*Mair
Pena Neto é jornalista
carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência
Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de
economia.
Enviado por Direto da
Redação
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.