Publicado em 05/04/2012 por *Urariano Motta
Recife
(PE)
- Durante este ano o Brasil passa pela Comissão da Verdade. Diante disso, o que
dizem as os escritores brasileiros?
A
julgar por suas intervenções públicas, quase nada ou pouco falam. Entenda-se.
Não se exige dos nossos criadores obras de engajamento nas questões de peso da
pátria. Não, e seria abusiva e estúpida tal exigência, porque exterior à escrita
mais pessoal, onde têm vez e voz o mais íntimo de cada um. Mas escritores
escrevem artigos ótimos, crônicas cultas, dão palestras brilhantes, entrevistas
maravilhosas, espetáculos do mais fino humor, e entre uma exposição e outra do
precioso ego, bem podiam dizer, falar, sugerir, recomendar algo como, por
exemplo:
“...
olhem, tem a ver conosco esta Comissão da Verdade. Ela é do interesse de
todos os artistas”.
Mas
tal não se vê, nem mesmo nos lugares de aparência livre de suas colunas. Por
quê? Certo não é covardia. Se apostamos no grau de altura moral dos nossos
irmãos, poderíamos dizer que o assunto urgente dos crimes da ditadura para eles
não vem à tona por uma certa, digamos, acomodação estética. Talvez uma estética
de não ferir a boa vontade do dono, não da sua pessoa, pois nosso escritor é
livre, mas de não ir contra a corrente dominante no meio. Ou de respeitar o
espaço, que não é gratuito por todas as justiças. Ora vá o escritor famoso à
custa do jornal, pelo que o magnânimo editor acha, ora vá o dono da folha cair
na fria de pagar para o que não lhe interessa divulgar. Um
absurdo.
Para
que exista paz nas relações materiais do espírito, lembramos. Se o escritor
nacional se ausenta do debate sobre a memória da ditadura nas aparições onde lhe
pagam, onde o tema poderia causar no público um visível desconforto, e escritor,
para a maioria no auditório, ou é um palhaço, ou um pop star ou um bibelô... De passagem
imaginamos o desagradável que seria lembrar assassinatos, torturas e sua
impunidade numa conversa educada. Imaginem a indelicadeza. Que assunto mais fora
de tema, pois a concepção reinante de literatura se dirige mais para a
excelência do criador que para o valor absoluto da
realidade.
Causa
espanto a capacidade que têm os nossos romancistas, poetas, de se ausentar da
vida brasileira.
A
maioria de todos, digamos maioria assim, para ressalvar as exceções, está metida
na viagem e divulgação da própria criação. Pouco se lhes dá que não só os
séculos, mas o presente histórico, aquele que vai além deste minuto, lhes solte
gargalhadas quanto à maravilha de suas crias. Aquela mesma gargalhada que um dia
Balzac soltou, em um jantar entre os pares, que se achavam ímpares, quando ouviu
de um deles “nós, criadores...”. O magnífico Balzac não se
aguentou:
-
Nós, criadores?!
E
a gargalhada soou da altura de A Comédia Humana.
Ora,
quando mencionamos a falta da história política do Brasil, como se isso fosse
uma qualidade extraliterária, e, acreditem, não o é (perdoem essa construção),
queremos dizer: os nossos escritores se ausentam de tudo que não diga respeito à
sua extraordinária pessoa. Eles não refletem como agentes sociais, como pessoas
que são chamadas à liça, como homens que sentem na própria pele a dor de um
semelhante. Perdão, dor de um longinquamente parecido. Mas se assim é no geral,
no particular exibem uma descrença – ou ignorância – que chega à raia do
absoluto em termos políticos. Aderem fácil, fácil a qualquer onda de descrença
em um governo ou pessoa ou ideias de esquerda. Mas isso, essa derrocada, para
eles tem o nome de ironia, pose de mais altos estudos e vivências pós-muro de
Berlim.
A
esta altura sinto – mas não “sinto muito” – que o título do texto deu lugar a
uma crítica negativa. Em outra oportunidade, espero sobressair mais o lugar do
escritor do Brasil com os exemplos mais eloquentes de Lima Barreto, Joaquim
Nabuco, Drummond, Machado de Assis, Graciliano Ramos... Agora, prefiro constatar
que todos escritores temos uma arma, que anda empoeirada e sem uso: o nosso
talento e sensibilidade para o que os generais e os príncipes jamais possuirão.
Pois jamais os poderosos hão de ter algo que remoto lembre um Dom Quixote, um
Rosa do Povo, um levante de consciências de levar os nazistas à queima de
livros, a ponto de um general de Franco gritar “Morte à Inteligência”.
Por
enquanto, a literatura, a poesia do futuro, vem sendo construída à margem dos
escritores. Logo- logo, esperamos, ela tomará o seu lugar, o lugar dela, que é
seu por todos os direitos.
*Urariano
Motta é natural de Água
Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos
em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à
ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do
Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também
já veicularam seus textos. Autor de
Soledad
no Recife(Boitempo,
2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em
1973, e
Os
corações futuristas
(Recife, Bagaço,
1997).
Enviado
por Direto
da Redação
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