25/4/2012, Nick Turse,
TomDispatch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Recentemente, depois que os
guerrilheiros lançaram ataques sincronizados sofisticados no Afeganistão –
dúzias de combatentes metidos em coletes explosivos, foguetes lança-granadas e
armamento leve, além dos carros-bombas –, o Pentágono correu a chamar a atenção
de todos para o que não acontecera.
“Não estou minimizando a gravidade
disso, mas nada tem a ver com a Ofensiva do Tet” – disse George Little,
principal porta-voz do Pentágono. “O que vemos são homens-bomba, foguetes
lança-granadas, fogo de morteiro etc. Não há qualquer ofensiva em larga escala
em Cabul e outras partes do país”.
O secretário da Defesa Leon
Panetta disse praticamente o mesmo. “Não houve ganhos táticos” – insistiu. “Não
passam de ataques isolados, para finalidades simbólicas. E não reconquistaram
território”. Os mesmos sentimentos ecoaram também em muitos jornais, que
repetiram que “os ataques pouco obtiveram” ou que foram “mal-sucedidos”.
Por mais que os ataques tenham de
ser noticiados como fracassos, a reação oficial dos EUA aos ataques coordenados
dos guerrilheiros em Kabul, capital do Afeganistão; na base aérea de Jalalabad;
e nas províncias Paktika e Logar mostra incompreensão básica do que seja uma
guerra de guerrilhas e, especialmente, do tipo de guerrilha que a rede Haqqani
(grupo criminoso que a guerra converteu em grupo guerrilheiro insurgente) está
fazendo.
Todos os jornais dos EUA deveriam
ter publicado a seguinte chamada: “Mais de 40 anos depois da Ofensiva do Tet, na
Guerra do Vietnã; com mais de uma década de guerra no Afeganistão; depois, até,
de terem ressuscitado a doutrina da Contraguerrilha (e mesmo que, em seguida, a
tal doutrina COIN [orig. Counterinsurgency] já tenha sido reduzida a cacos), os
militares dos EUA simplesmente ainda não entenderam a guerra de guerrilhas.
Analisem esse fenômeno como um
inegável recorde mundial de “fracasso de entendimento” que se estende dos anos
1960s a 2012, e que avançará adiante, sem dúvida alguma.
As lições do Tet
Quando as forças revolucionárias
do Vietnã lançaram a Ofensiva do Tet em 1968, atacando Saigon, capital do Vietnã
do Sul, além de quatro outras grandes cidades, 35 das 44 capitais de províncias,
64 sedes de distrito e 50 outros pontos estrategicamente importantes em todo o
país, tinham a esperança de despertar um levante de toda a população.
Conseguiram, em vez disso, mostrar ao mundo que meses de discursos otimistas dos
comandantes dos EUA, sobre incríveis conquistas estratégicas e a vitória já
próxima, nunca haviam passado de farsa, extrema e vastíssima farsa.
A Ofensiva do Tet lançou infâmia
imorredoura sobre o comandante das forças dos EUA, general William Westmoreland,
porque dissera, poucos meses antes, que a vitória dos EUA nunca estivera tão
próxima. E quando apareceu frente às câmeras de TV, no pátio da Embaixada dos
EUA, em Saigon, já praticamente em ruínas – depois que um pequeno grupo de
sapadores vietcongs abriu uma entrada num dos muros e apanhou desprevenido o
exército dos EUA –, para dizer que a Ofensiva do Tet dera em nada, foi afinal
visto, pelos norte-americanos que assistiam àquilo como ou desligado da
realidade, ou doido delirante.
Desde aquele momento, deveria ter
ficado claro que, na guerra de guerrilhas, o sucesso tático, e até o sucesso em
sentido corriqueiro, nunca é tudo ou nada. Guerrilheiros em todo o mundo
entenderam o que houve no Vietnã. Recolheram as lições no fundo da alma e as
levaram um passo adiante. Entenderam, por exemplo, que não é preciso perder 58
mil combatentes, como os vietnamitas perderam no Tet, para obter importantes
vitórias psicológicas. Basta que a guerrilha chame atenção para as fragilidades
do inimigo, para a incapacidade do inimigo que não tenha conseguido conter a
guerrilha.
A rede Haqqani com certeza
aprendeu a lição; e, há apenas uma semana, alcançou exatamente esse resultado,
com 57.961 guerrilheiros mortos a menos. Ao assestar um golpe psicológico contra
o inimigo poderosíssimo, ao custo da vida de apenas 39 guerrilheiros, a rede
Haqqani mostra que luta pelo modelo da guerrilha global do século 21. E o
Pentágono – os principais comandantes civis e militares dos EUA saibam disso ou
não – ainda está paralisado em Saigon-1968.
Panetta, no caso em tela, só soube
tentar desqualificar a vitória da rede Haqqani, por não terem reconquistado
“território”. Pela falta de sentido e foco, é comentário claramente westmorelandesco.
E que território, afinal de
contas, uma força armada relativamente fraca como os militantes Haqqani teriam
interesse em “reconquistar” atacando o quarteirão diplomático, exatamente a área
mais fortemente defendida, de Kabul? E no ataque à Embaixada Alemã? E caso
“reconquistassem” algum território, teriam feito o quê? Tentariam “reconquistar”
o território da OTAN? Da Embaixada dos EUA? E Panetta, embora tenha visto que os
ataques visavam a obter efeito simbólico, mesmo assim se manteve estranhamente
obcecado com seu significado “tático”.
Como aconteceu no Vietnã, os
militares norte-americanos no Afeganistão sempre tentam demonstrar que estão
vencendo pela lógica dos números (número de inimigos capturados, de cadáveres
produzidos nos “raids noturnos”). Também com expressiva frequência, os
porta-vozes inventam regras e modos de contar inimigos, sempre tentando
demonstrar que o inimigo estaria sendo vencido.
Esse modo de pensar à Westmoreland
ficou bem claro semana passada, nas declarações segundo as quais os Haqqanis
nada teriam conseguido “porque” não conquistaram território, ou que não teriam
conseguido organizar ataque “suficientemente grande” – como se o Pentágono fosse
o juiz da guerra (além de guerreador) -- e o conflito pudesse ser vencido por
pontos, como luta de boxe.
Nos anos do Vietnã, Westmoreland e
outros altos oficiais dos EUA viviam à procura de um sempre fugidio “ponto de
virada” – o momento em que o inimigo vietnamita passaria a sofrer mais baixas do
que teria soldados para substituir os mortos e, como todos pareciam convencidos
de que aconteceria, seria obrigado a render-se. Esse “ponto de virada” foi o El
Dorado do Pentágono e, para alcançá-lo, os militares dos EUA fizeram guerra de
atrito, exatamente o que faz hoje o Pentágono, que tenta achar o caminho para a
vitória no Afeganistão com ataques noturnos e ataques convencionais.
Mais de uma década depois de suas
forças terem varrido Kabul, porém, o que começou como bando de guerrilheiros
esfarrapados cresceu e fortaleceu-se, e continua a pressionar o exército mais
armado, mais tecnologicamente avançado, mais rico do planeta. Mas nem todos os
“ganhos táticos” dos EUA e os territórios conquistados, sobretudo no coração da
área dos Talibãs, na província de Helmand no sul do Afeganistão, estão levando a
coisa alguma que seja remotamente semelhante a vitória. E uma depois da outra,
todas as ofensivas norte-americanas divulgadas como se fossem ‘a luz no fim do
túnel’ – como a também muito divulgada Campanha Marjah-2010 – desapareceram na
poeira da estrada e foram esquecidas.
As “zonas verdes” afegã e
norte-americana
Como os Haqqanis planejavam
demonstrar e demonstraram com os ataques coordenados, as forças militares dos
EUA – um trilhão de dólares e centenas de milhares de soldados das forças locais
de segurança – não são ainda capazes de garantir a segurança, sequer, de
pequenas “zonas verdes” no coração da capital afegã. E, isso, para nem falar do
resto do país.
O conflito no Afeganistão começou
com a declaração do principal comandante norte-americano, segundo o qual “Não
contamos cadáveres”. Mas rápido exame de recentes press-releases distribuídos pelos
militares, onde muito se fala de “altos números de inimigos de alto valor
mortos” e de número imenso de guerrilheiros mortos, mostra exatamente o
contrário.
Como no Vietnã, os EUA lutam outra
vez guerra de atrito, mas os afegãos impõem aos EUA a estratégia deles, muito
diferente da estratégia de atrito dos EUA. Em vez de se arriscarem em ofensivas
tateantes, muitas vezes suicidas, a rede Haqqani, dessa vez, planejou campanha
conservadora, para preservar a vida dos combatentes e não desperdiçar recursos
do grupo. Com aquela ação econômica, enviam mensagem clara à população afegã e,
simultaneamente, expuseram ao público norte-americano a futilidade do conflito.
O desgaste do apoio
norte-americano à guerra é hoje bem visível. No final de 2009, segundo pesquisa
de ABC News/Washington Post, 56% dos norte-americanos acreditavam que ainda
valia a pena combater no Afeganistão. Poucos dias antes dos ataques coordenados
pela rede Haqqani, a porcentagem já desabara para 35%. No mesmo período, o
número de norte-americanos convencidos de que não vale a pena combater no
Afeganistão saltou de 41% para 60%.
Diga o Pentágono o que disser, a
mais recente ofensiva dos Haqqani só estimulará essas tendências, e não bastam
os press-releases do Pentágono, sobre
mortes e mais mortes de inimigos, para revertê-las.
Na era do “exército-empresa” e
seus mercenários, abrir uma brecha na “zona verde” da opinião pública
norte-americana importa menos do que nos anos da guerra do Vietnã, mas ainda faz
muita diferença. Os Haqqanis e seus aliados Talibã talvez não estejam
‘reconquistando’ território, mas nessa guerra de guerrilhas o território que
realmente conta, dos dois lados das linhas de combate, é o território dos
corações e mentes das pessoas. E aí, nesse território, o Pentágono está perdendo
a guerra.
Dia 12 de abril, no mesmo dia em
que foi divulgada a pesquisa ABC News/Washington Post, o tenente-coronel James
Routt da Força Aérea dos EUA voou sua última missão de combate no Afeganistão.
Foi um voo importante. Routt começou sua carreira pilotando bombardeiros B-52 no
final da Guerra do Vietnã, e também participou de apoio à Operation Linebacker II, o infame
“bombardeio de Natal” ordenado por Richard Nixon contra o Vietnã do Norte.
Poucos anos depois daqueles
ataques, Nixon já era ex-presidente caído em desgraça; e os vietnamitas inimigos
dos EUA haviam vencido aquela guerra. Décadas depois, os EUA continuam à beira
de mais uma e ainda mais devastadora derrota, dessa vez frente a inimigos ainda
menos numerosos, de fato nada além de um grupo guerrilheiro minoritário, com
aliados fracos (e sem apoio de nenhuma “grande potência”). É inimigo que lutou
muito menos batalhas e perdeu muito menos combatentes, apesar de enfrentar a
máquina de guerra dos EUA, muito mais sofisticada.
Enquanto Routt pendura o uniforme
de bombardeador e afasta-se de mais uma derrota dos EUA na Ásia, o Pentágono
insiste nos esforços para alcançar, se não a vitória, pelo menos alguma coisa
que não seja absoluto e completo fracasso, de uma mistura de dinheiro, cadáveres
e róseos relatos para os press-releases. A rede Haqqani e seus aliados, por sua
vez, que souberam aprender as lições da Guerra do Vietnã, sem dúvida manterão
sob total controle a sua guerra de atrito. E Washington só conhece a variante
perdedora à qual continua agarrada há anos.
O Pentágono deveria ter superado a
Síndrome do Vietnã, mas não: no Afeganistão, aplica ainda o mesmo antigo manual.
Parece estar decidido a comprovar que a via Westmoreland ainda é o meio mais
eficaz que há para ser derrotado em guerras na
Eurásia.
Ver também:
- 16/8/2010
redecastorphoto em: “A guerra no Afeganistão: ecos do Vietnã”
- 15/6/2011
redecastorphoto em: “Daniel Elsberg: “Precisamos conhecer imediatamente os “Documentos do Pentágono”, do Iraque, Afeganistão, Paquistão, Iêmen e Líbia”
- 27/1/2012
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- 21/2/2012
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