Glenn Greenwald,
sobre entrevista de Hassan Nasrallah a Assange
19/4/2012, Russia Today – “Greenwald: Assange show - Kremlin propaganda? Look who’s
talking! ”
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Glenn Greenwald |
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“O
programa O Mundo amanhã, de Julian
Assange, criou uma tempestade da mídia ocidental, que imediatamente passou a
acusar o Kremlin de operar nos bastidores do programa. Mas, nessa cruzada
antipropaganda, muitos jornalistas fingem que não veem as próprias práticas” –
diz o jornalista Glenn Greenwald.
O
fundador de WikiLeaks nunca teve qualquer ilusão sobre como seu programa de
entrevistas seria recebido, sobretudo porque Russia Today foi o canal
escolhido para exibir as dez primeiras edições do programa. Julian Assange
sempre soube que seria declarado “traidor” e “fantoche do Kremlin”.
Pois
exatamente essa avaliação não demorou a cristalizar-se nas páginas do New
York Times, em coluna de Alessandra Stanley
[1],
que não poupou críticas a Assange e ao canal que
escolheu.
“O
programa não terá audiência significativa nem mudará muitas cabeças, mas talvez
sirva ao Sr. Assange, em sua agenda secundária: controle de danos” – escreveu
Stanley, acrescentando que houve algo quase “atávico” na escolha da
rede.
“Russia
Today é rede de notícias em inglês, criada pelo líder russo Vladimir V.
Putin em 2005, para promover a linha do Kremlin em todo o mundo. (...)
Basicamente, é plataforma improvável para um homem que faz pose de vazador esquerdista radical e defensor
da livre manifestação do pensamento contra as superpotências” – lê-se no New
York Times.
Glenn Greenwald, conhecido jornalista dos EUA e colunista da revista online
Salon, discorda dessa opinião, em entrevista a Russia
Today.
“Por
que ficaram tão ofendidos?”
Greenwald
a Russia Today:
“A mídia-empresa norte-americana nunca parou de amaldiçoar Julian Assange, desde
que ele surgiu em cena. O que Assange fez – noticiar com transparência – é
precisamente o que a mídia-empresa deveria fazer, e Assange o fez em doses
generosas, muito mais que todos os veículos da mídia-empresa nos EUA, somados.
Imediatamente, jornais e jornalistas puseram-se a atacar Julian Assange por ter
exposto o governo dos EUA”.
“Acusar
outros de fazer propaganda é autopromoção”
“A
reputação de Assange desabou, desde que WikiLeaks sacudiu o mundo, em 2010. Para
uns é herói, para outros é espião, mas atualmente é quase sempre visto como
doido varrido” – escreve o New York Times.
“Seria
suicídio segurar a respiração à espera de que o New York Times algum dia
chame de “doido varrido” alguém que tenha poder em Washington. O ataque contra
Assange e Russia Today diz muito mais sobre o jornalismo nos EUA, do que
sobre os “atacados” – observa Greenwald, pelo Twitter.
Greenwald
a Russia Today:
“O fato de Assange estar no ar [em inglês, espanhol e árabe e, agora, também
em português do
Brasil ], em programa transmitido por Russia Today,
enlouqueceu, literalmente, ainda mais, a mídia-empresa nos EUA. Adoraram o
pretexto para apontar o dedo para outros veículos e dizer “Vejam, são fantoches
e instrumentos para propaganda do poder!” Porque, de tanto que jornais e
jornalistas norte-americanos comportam-se exatamente como fantoches e
instrumentos para propaganda do poder, todos acabam esquecendo que não fazem
outra coisa além de propaganda do poder e dos poderosos. Mais que outros, o
New York Times foi campeão mundial do esporte de convencer o país da
necessidade de os EUA atacarem o Iraque. O modelo de jornalismo que se vê nos
EUA vive de mostrar fé e fidelidade caninas ao governo dos EUA. Quero dizer: há
muita hipocrisia na crítica que o New York Times publicou.
“Assange
não foi ‘entrevistador solidário’”
O
primeiro entrevistado de Julian Assange foi o secretário-geral do Hezbollah
libanês, Said Hassan Nasrallah, que não dava entrevistas à televisão ocidental
desde 2006. Apesar das críticas, muitos concordaram que, em termos
jornalísticos, a entrevista foi um sucesso.
“O
New York Times zomba do novo programa de Assange. De fato, Assange fez o
que a TV dos EUA jamais faria: interrogar duramente o primeiro convidado de um
novo programa” – comenta Greenwald, pelo Twitter.
Greenwald
a Russia Today:
“Foi uma entrevista sensacional. Lá estava Nasrallah, que concordou
em dar a
Assange um furo internacional. E, em vez de tratá-lo com
reverência (como qualquer entrevistador na televisão americana teria feito),
Assange falou muito duramente, quase agressivamente, nas perguntas. Perguntou a
Nasrallah sobre corrupção nos mais altos escalões do Hezbollah. Desafiou o
entrevistado, ao perguntar a Nasrallah por que não estava apoiando os sírios que
lutam contra a ditadura de Assad. De fato, foi entrevista impressionante, em
termos jornalísticos, sobretudo para um programa inaugural”.
“Tenham
a santa paciência! Dizer que Assange estaria ‘na cama com o Kremlin’ – calma
lá, New York Times!”
“Evidentemente,
em termos práticos, o Sr. Assange está na cama com o Kremlin, mas no show da 3ª-feira disfarçou bem” –
prossegue o artigo do New York Times.
Dado
que Russia Today jamais é citado sem o sufixo obrigatório “canal de
propaganda do Kremlin” pela maioria dos veículos de mídia norte-americanos, o
assunto do dia, para muitos, foi quanto, do programa “The World Tomorrow”, teria sido escrito
pela equipe do presidente Vladimir Putin, recém eleito. Russia Today é
sempre apresentado nesses termos, ao público dos EUA.
Greenwald
zombou, pelo Twitter: “Estou indo até
o estúdio de Russia Today, para comentar a reação da mídia ao programa de
Assange. Putin acaba de enviar minha pauta, por e-mail.”
Greenwald
para Russia Today:
“Assange criticou Nasrallah por não apoiar os sírios na luta contra a ditadura
de Assad. O governo russo sempre foi aliado de Assad. A atitude de Assange, ante
Nasrallah, foi diretamente oposta ao que interessaria à política dos russos para
a Síria. Claro que isso dá forte credibilidade ao que Assange tem dito, sobre
sua independência editorial. Quem diga o contrário disso só faz exibir-se como
falso e mentiroso”.
“A
regra é clara: OK, se o jornalista é pago por fabricantes de armas, por
políticos norte-americanos ou pelo governo dos EUA ou da Grã-Bretanha. Pode até
ser pago por Rupert Murdoch. Mas Russia Today não poderia trabalhar para
o governo russo? Assange tem de ser avaliado pelo jornalismo que produz – não
pelo canal que escolhe para veicular seu programa” – Greenwald tuitou.
“Os
EUA estão totalmente mobilizados para processar e destruir Assange. E a Rússia
lhe oferece um programa e audiência planetária. Bem faria o New York Times se ajudasse os leitores a pensar
melhor sobre por que a Rússia faz o que faz. E sobre o que mostra o New York
Times, quando não faz o que deveria fazer” – Greenwald
completou.
Nota dos
tradutores
[1] 17/4/2012, New York
Times, em: “The Prisoner as Talk Show Host”
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