sexta-feira, 20 de abril de 2012

Psiquiatria, família e Marx


Vladimir D. Micheletti - Prof. FEAC/UFAL
Artigo enviado pelo autor
Recebe e-mails em: vlamiche@ofm.com.br

Comecemos por diferenciar o(a) psiquiatra do(a) psicólogo(a). O primeiro é formado em medicina antes de se especializar na psiquiatria e, de modo geral, assume que a doença mental é de consequência de algum tipo de doença geneticamente determinada; e geralmente prescreve drogas como primeira instância para o tratamento da suposta doença. Mais, a esquizofrenia, por exemplo, foi praticamente eliminada do CID-10 (Código Internacional de Doenças) porque pulverizada numa série de outras síndromes e transtornos, sendo que o teórico da Psiquiatria, H.Stack Sullivan, na década de 40 do século passado, já havia estudado e pesquisado profundamente a Esquizofrenia como um Processo Humano, e, em seguida, escreveu outros livros, sendo que os dois mais importantes são Fusão da Psiquiatria com as Ciências Sociais e Teoria das Relações Interpessoais, no entanto, este foi “rotulado” de gay e seus estudos deixados de lado também pelo fato de que os avanços da neurociência e a descoberta da estrutura do DNA alegraram, entusiasticamente, os psiquiatras por acreditarem que estas trariam a ligação que precisavam para provar que as “desordens psicológicas” tinham bases biológicas. [1] No entanto, com a decepção, acabaram por assumir aquilo que Kandel, da neuropsiquiatria e Prêmio Nobel de medicina, descreveu como “Nova Ciência da Mente”, mas como sendo uma doença mental – a tal “bipolaridade”.

O segundo, o(a) psicólogo(a), que promove a psicologia-clínica, tem a formação em Psicologia, a qual parte das Ciências Sociais ou Humanas para compreender a mente, e logicamente, o comportamento do indivíduo, sendo, no entanto, severamente ofuscada pela Psiquiatria que, por sua vez, reclama como sendo não científico e “criminoso” todo ato ou súplica do segundo para que o primeiro pare ou diminua a prescrição de drogas ao paciente em questão que teve sua autonomia roubada, mesmo porque, sequer foi perguntado se prefere o tratamento medicamentoso ou o psicanalítico, e no caso das crianças e adolescentes, são os pais que decidem, geralmente em momentos de fortes emoções.

É importante salientar que a Psicologia, além de ofuscada pela Psiquiatria, carece daquilo que, grosso modo, poderíamos chamar de estatuto de Ciência; em outras palavras, baseia-se num amontoado de teorias de várias outras áreas da Ciência (Sociologia, Antropologia, etc.) e, na maioria das vezes, até contraditórias, por exemplo, Teoria dos Jogos, da Escolha Racional, etc., sendo que, muitas delas carecem do fundamento matemático e/ou estatístico. Resumindo, carecem de um amalgamador que só a Teoria Socioeconômica Marxista pode oferecer.

O presente artigo não tem a menor pretensão de ser anti-psiquiátrico; ao contrário, é o de trazer à tona, ao debate, aquilo que não pode mais ficar restringido só à jurisprudência, mesmo porque, a simples decisão - ainda que tomada em momentos de muita preocupação e angústia - de levar o(a) filho(a) ou parente à Psiquiatria já basta para vestirem a camisa de força, sendo esta a mais sutil das armadilhas, porque rendosa e meticulosamente industrializada como rede.

Considerando que a armadilha é um dispositivo no qual é fácil entrar, mas é difícil, mesmo impossível, sair. O gatilho em que pousam os pássaros atraídos pela comida, ou a ratoeira que se fecha sobre o rato que acorre ao cheiro do queijo, são exemplos conhecidos de armadilhas, mas, talvez, a melhor armadilha, a mais sutil, mais leve, quase imaterial, é a rede de pesca. Quando os peixes entram na rede, ela os acolhe sem violência: só quando tentam livrar-se é que acabam bem presos nas malhas, sem poder movimentar-se. Assim acontece com os pacientes da psiquiatria que, partindo do tratamento medicamentoso, tornam-se dependentes e quando quiserem sair ou negar as drogas, acabam confirmando o laudo ou a doença por se comportar agressivamente ou mesmo cometendo crimes que só mesmo o surto-psicótico (resultado do tratamento medicamentoso) poderá explicar, enquanto isso muitos se locupletam, porém à pessoa armadilhada resta a resignação à vida, à família, a tudo que de bom existe.

Sendo assim, o objetivo principal do presente artigo é não só abrir o debate como também apresentar aquilo que os psiquiatras reclamam à Psicologia e às Ciências Sociais e Humanas, porém não como algo já elaborado, mas como algo a ser construído em conjunto com profissionais – sejam psicólogos, psiquiatras e/ou outros -, mas com a clara e objetiva intenção de resolver o problema tanto na teoria como na prática.

Para adentrarmos nesse debate porvir, é fundamental a leitura do artigo publicado no Le Monde Diplomatique (Brasil), ano 5, número 53, com o título: O Florescente Mercado das “Desordens Psicológicas”.

Mesmo porque, nós Marxistas – do mesmo modo que conseguimos objetivar ou concretizar aquilo que até então era considerado “alma”, “personalidade” e até mesmo segredo para muitos, ou seja, o valor (essência) da mercadoria que sempre nos foi apresentada com preço (forma aparente do valor) através da categoria até então incompreendida, o valor de mercado no mundo das mercadorias – temos o fundamento matemático (e estatístico) daquilo que, com certeza, poderá devir como Teoria da Dinâmica da Família, ou seja, aquilo que guiaria todos nós, independentemente de sermos pacientes ou profissionais da área médica, das Ciências Sociais e Humanas ou do Direito. Mais, amalgamaria as teorias a ponto de nos fornecer a linha mestra para obtermos os resultados esperados.

O que nos garante isso? É justamente a bipolaridade ou dialética materialista dos fatos sociais, ou seja, se o valor de mercado exige a construção de uma Agência realmente Reguladora para ser trazido à tona no mundo das mercadorias (Mundo Material), o mundo oposto ou Mundo Imaterial também requer regulação, sendo que a Agência Reguladora deste Mundo Imaterial tende a ser a - e existem grandes possibilidades para consolidação desta – família feliz dos contos de Tolstói.

“Nóis” é errado, sem dúvidas, não porque bebemos e discutimos nas “nights” dos bares, mas porque fomos impedidos – pela Psiquiatria - de fazer isso e muitas outras “coisas” úteis socialmente na Universidade que, por sua vez, não contente com o domínio do território judiciário, agora deseja se apoderar de nossas mentes, pacientando as crianças e adolescentes e diagnosticando-nos como bipolares e assim garantindo lucros exorbitantes às indústrias farmacêuticas e a própria locupletação, mas fugindo, como a diabo foge da cruz, da arena do debate livre e irrestrito da Universidade.

Sendo assim, antes mundanos como nós – marxistas - do que desvairados como pseudo-intelectuais e falsos-fisiocratas. Mesmo porque, as sinapses têm mostrado – e quem puder ver, como Kandel fez através de tecnologias microscópicas modernas [2]- aquilo que Marx leu no livro de Joseph Dietzgen - A Natureza do Trabalho da Mente Humana: uma introdução às dialéticas [a agora constatada em nosso organismo e as outras] - e exclamou: “eis aqui nosso filósofo!”.

A citação do prefácio da primeira edição de “O Capital” de Karl Marx: “A forma valor, cuja figura acabada é a forma do dinheiro, é muito simples e vazia de conteúdo. Mesmo assim, a mente humana tem procurado fundamentá-la em vão há mais de 2000 anos, enquanto, por outro lado, teve êxito, ao menos apaixonado, a análise de formas muito mais complicadas e replenas de conteúdo. Por que? Porque o corpo desenvolvido é mais fácil de estudar do que célula do corpo. Além disso, na análise das formas econômicas não podem servir nem de microscópio nem de reagentes químicos. A faculdade de abstrair [a mente] deve substituir ambos” – também nos encoraja a isso, portanto, fica fácil perceber – e nem precisamos de macro / microscópios e reagentes químicos – que, ao diagnosticar qualquer pessoa como doente mental e ao prescrever as drogas, o(a) Psiquiatra está destruindo não só a pessoa, mas a família, a profissão, etc.

E nós temos prova disso, enquanto que a Psiquiatria não tem uma prova sequer de sucesso com o propalado tratamento medicamentoso.

Ao debate companheiro(a)s!
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Notas de rodapé
[1] É importante salientar que o único transtorno ou doença mental que tem base real ou biológica é a cleptomania, isto é, se o indivíduo nunca roubar, nunca poderá ser diagnosticado pelo psiquiatra como sendo cleptomaníaco, mas se roubar e tiver condições de pagar um “bom” psiquiatra, será diagnosticado como cleptomaníaco e assim não será “rotulado” de ladrão de galinhas.
[2] KANDEL, Eric R. In Search of Memory: the emergence of a new Science [Em busca da memória: a emergência de uma nova ciência]. New York: Norton & Company, 2006 [Já existe traduzido para o português].

2 comentários:

  1. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

    Ainda bem que o autor de O Capital repeliu drasticamente o qualificativo de "marxista" que tentavam impor-lhe ao pensamento e obra. Sabia ele - gênio que foi - que muita besteira se estava armando em torno do seu nome, das suas posições e de todos os seus escritos. Será que o autor do artigo - respeitável acadêmico - se omitiu quanto aos alcances da chamada "Psiquiatria Dinâmica" e da Psicanálise?

    Abraços do
    ArnaC

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  2. Não conheço a formação do autor do artigo, mas depois de 38 anos, como psicólogo exercendo a clínica psicoterápica, não consigo encontrar qualquer dado real que fundamente seu artigo. Os métodos psicoterápicos tratam do "software", enquanto a psicofarmacologia trata do "hardware". Muitas vezes a associação de ambos tem um efeito sinérgico importante. O olhar que ele lança sobre a psiquiatria é um olhar extemporâneo. A psiquiatria é uma especialidade médica e não uma ciência. Psicologia é uma ciência e tem seu métodos próprios que podem ser semelhantes a outras ciências como a antropologia, a sociologia e as ciências biológicas: dependendo de que ângulo se queira pesquisar o comportamento humano.A Psicanálise é uns dos métodos de investigação. O Marxiismo tem como objeto fatos criados pelo comportamento humano, portanto se confunde com a antropologia e a psicologia, não possui fôlego para se constituir numa ciência. ArnaldoNeto

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