sábado, 28 de abril de 2012

Na Síria, a Turquia está metendo os pés pelas mãos


27/4/2012, *MK Bhadrakumar, Indian Punchline Blog
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Eu sabia que seria ótimo reencontrar velhos amigos em Istambul, depois de dois, três anos de ausência – sentar no meu café preferido junto ao Bósforo, vendo passar os navios, bebendo raki [1] e deixando que lentamente aqueça o espírito e entusiasme a mente, falando de política, de Deus, da vida... Só quando se vem a essa cidade de desejos do coração percebe-se que os turcos têm certa razão ao insistir que Istambul é o centro do mundo. Mas, dessa vez, estou com a impressão de que os turcos andam errando as contas.

Jamais antes vi tanta prosperidade da Turquia. Os turcos estão gastando a rodo. A economia vai esplendidamente bem. O governo de Recep Tayyip Erdogan deu à Turquia a estabilidade política que o país não conheceu durante décadas, e o gênio turco parece afinal liberto. A autoridade civil reina suprema, como deve ser numa democracia real. Erdogan gravou o próprio nome em letras douradas nos anais da história e da política turcas. É o que absolutamente todos dizem por aqui.

Até meus amigos mais militantemente secularistas, sobretudo as amigas, que nunca se cansam de proclamar a antipatia visceral que lhes inspira o islamismo, admitem, às vezes meio contra a vontade, que Erdogan fez belo serviço. Há três anos, teriam protestado se ouvissem de mim uma palavra da minha irrestrita admiração por Erdogan.

Mas, na política externa, a Turquia está metendo horrivelmente os pés pelas mãos. Curioso é que sua política externa não encontra apoio nem consenso interno, mas mesmo assim Erdogan, que é democrata apaixonado, está conseguindo empurrá-la adiante sem dificuldades. Os intelectuais com quem conversei estão incomodados por a Turquia estar reivindicando o legado otomano e por, assim, estar-se imiscuindo no Oriente Médio muçulmano.

Ontem houve um debate apaixonado no parlamento turco sobre a política de Erdogan para a Síria. Disseram-me que não apenas os Kemalistas, mas também os ultra nacionalistas e até o Partido Curdo do leste da Turquia, todos, criticaram a intervenção turca na Síria, prevendo que ricocheteará perigosamente. Mas o ministro das Relações Exteriores Ahmet Davitoglu saiu-se com uma defesa espirituosa. Disse algo como “a Turquia possui, conduz e serve o Novo Oriente Médio”.

Já não ouvi antes esse tipo de bravado? Ah, sim! Era o que mais se ouvia no circuito dos coquetéis em Ankara durante a trágica guerra da Bósnia. A Turquia costumava delirar que iria “possuir, conduzir e servir” os novos Bálcãs. Com licença, mas... E o que aconteceu? Engraçado. Os Bálcãs e a Europa Central absolutamente não são quintal turco. Não são quintal, sequer, dos EUA. Serão, muito provavelmente, quintal da China.

Não seis ou uma dúzia, mas nada menos de 16 chefes de governo viajaram a Varsóvia, vindos dos Bálcãs e da Europa Central, para recepcionar o premiê Wen Jiabao: os mesmos “novos europeus” que se pressupunha que fossem vassalos dos EUA.

A Turquia estará seguindo as pegadas dos EUA – metendo-se por pântanos onde o diabo perdeu as botas e, de um modo ou de outro, perdendo o rumo pelo caminho? Lamento por esse país e seu povo, mas logo quando as coisas iam tão brilhantemente bem, Erdogan perdeu-se.

A Turquia precisa viver uma década em paz, para poder continuar a crescer como vinha crescendo, e Erdogan pode completar sua ambiciosa agenda de democratização e reforma política. Em vez disso, está procurando problemas e já se arrisca a ver o próprio território respingado de caos e sangue. Essa húbris não fará bem algum.

Sr. Erdogan abra o olho: os chineses estão chegando! Logo serão donos não só dos Bálcãs, mas também do Novo Oriente Médio, se o senhor não entender corretamente o que está acontecendo.

Comentários no blog:

Ramesh escreveu:
Os chineses estão chegando!
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A Albânia foi a única nação europeia sob influência política dos chineses na era pós II Guerra Mundial. Agora, a área de influência dos chineses, se a projeção do Sr. Bhadrakumar vier a revelar-se correta, e dados os números chineses, pode ser nova versão dos otomanos. Esse desenvolvimento é consequência da política de engajamento que resultou da concessão que fizeram Nixon-Kissinger, da qual participaram nações da União Europeia, para abrir o Império do Meio.
Nixon-Kissinger aceitaram fechar os olhos para o que acontecesse no Tibete e em Sinkiang, o que fazia sentido pragmático à luz da doutrina da realpolitik introduzida pelo Dr. Kissinger. Essa política de engajamento também levou à incrível expansão da economia chinesa, um desenvolvimento positivo. Contudo, o atual cenário de projeção da força chinesa pode obrigar até o Dr. Kissinger a recomendar que se anule o compromisso de fechar os olhos à questão da soberania daquelas duas infelizes nações.

Syed Zaidi escreveu:

Muito obrigado por esse comentário tão oportuno. É triste essa mudança para uma política exterior de intromissão e provocação, depois que a política do “Nenhum problema com nossos vizinhos” conseguira, por algum tempo, pôr a Turquia no mapa moral.
Parece que estão querendo seguir o exemplo dos EUA – perder o prestígio, a boa reputação e sair da jogada mais pobres do que quando entraram.
Conhecido e respeitado na Turquia como o senhor é, sua opinião deve ter, e com certeza terá, ecos importantes no país.





Nota dos tradutores


*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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