27/4/2012, *MK
Bhadrakumar, Indian Punchline Blog
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Eu
sabia que seria ótimo reencontrar velhos amigos em Istambul, depois de dois,
três anos de ausência – sentar no meu café preferido junto ao Bósforo, vendo
passar os navios, bebendo raki [1] e
deixando que lentamente aqueça o espírito e entusiasme a mente, falando de
política, de Deus, da vida... Só quando se vem a essa cidade de desejos do
coração percebe-se que os turcos têm certa razão ao insistir que Istambul é o
centro do mundo. Mas, dessa vez, estou com a impressão de que os turcos andam
errando as contas.
Jamais
antes vi tanta prosperidade da Turquia. Os turcos estão gastando a rodo. A
economia vai esplendidamente bem. O governo de Recep Tayyip Erdogan deu à
Turquia a estabilidade política que o país não conheceu durante décadas, e o
gênio turco parece afinal liberto. A autoridade civil reina suprema, como deve
ser numa democracia real. Erdogan gravou o próprio nome em letras douradas nos
anais da história e da política turcas. É o que absolutamente todos dizem por
aqui.
Até
meus amigos mais militantemente secularistas, sobretudo as amigas, que nunca se
cansam de proclamar a antipatia visceral que lhes inspira o islamismo, admitem,
às vezes meio contra a vontade, que Erdogan fez belo serviço. Há três anos,
teriam protestado se ouvissem de mim uma palavra da minha irrestrita admiração
por Erdogan.
Mas,
na política externa, a Turquia está metendo horrivelmente os pés pelas mãos.
Curioso é que sua política externa não encontra apoio nem consenso interno, mas
mesmo assim Erdogan, que é democrata apaixonado, está conseguindo empurrá-la
adiante sem dificuldades. Os intelectuais com quem conversei estão incomodados
por a Turquia estar reivindicando o legado otomano e por, assim, estar-se
imiscuindo no Oriente Médio muçulmano.
Ontem
houve um debate apaixonado no parlamento turco sobre a política de Erdogan para
a Síria. Disseram-me que não apenas os Kemalistas, mas também os ultra
nacionalistas e até o Partido Curdo do leste da Turquia, todos, criticaram a
intervenção turca na Síria, prevendo que ricocheteará perigosamente. Mas o
ministro das Relações Exteriores Ahmet Davitoglu saiu-se com uma defesa
espirituosa. Disse algo como “a Turquia possui, conduz e serve o Novo Oriente
Médio”.
Já
não ouvi antes esse tipo de bravado? Ah, sim! Era o que mais se ouvia no
circuito dos coquetéis em Ankara durante a trágica guerra da Bósnia. A Turquia
costumava delirar que iria “possuir, conduzir e servir” os novos Bálcãs. Com
licença, mas... E o que aconteceu? Engraçado. Os Bálcãs e a Europa Central
absolutamente não são quintal turco. Não são quintal, sequer, dos EUA. Serão,
muito provavelmente, quintal da China.
Não
seis ou uma dúzia, mas nada menos de 16 chefes de governo viajaram a Varsóvia,
vindos dos Bálcãs e da Europa Central, para recepcionar o premiê Wen Jiabao: os
mesmos “novos europeus” que se pressupunha que fossem vassalos dos EUA.
A
Turquia estará seguindo as pegadas dos EUA – metendo-se por pântanos onde o
diabo perdeu as botas e, de um modo ou de outro, perdendo o rumo pelo caminho?
Lamento por esse país e seu povo, mas logo quando as coisas iam tão
brilhantemente bem, Erdogan perdeu-se.
A
Turquia precisa viver uma década em paz, para poder continuar a crescer como
vinha crescendo, e Erdogan pode completar sua ambiciosa agenda de democratização
e reforma política. Em vez disso, está procurando problemas e já se arrisca a
ver o próprio território respingado de caos e sangue. Essa húbris não
fará bem algum.
Sr.
Erdogan abra o olho: os chineses estão chegando! Logo serão donos não só dos
Bálcãs, mas também do Novo Oriente Médio, se o senhor não entender corretamente
o que está acontecendo.
Comentários
no blog:
Ramesh
escreveu:
Os
chineses estão chegando!
————————-
A
Albânia foi a única nação europeia sob influência política dos chineses na era
pós II Guerra Mundial. Agora, a área de influência dos chineses, se a projeção
do Sr. Bhadrakumar vier a revelar-se correta, e dados os números chineses, pode
ser nova versão dos otomanos. Esse desenvolvimento é consequência da política de
engajamento que resultou da concessão que fizeram Nixon-Kissinger, da qual
participaram nações da União Europeia, para abrir o Império do Meio.
Nixon-Kissinger
aceitaram fechar os olhos para o que acontecesse no Tibete e em Sinkiang, o que
fazia sentido pragmático à luz da doutrina da realpolitik introduzida
pelo Dr. Kissinger. Essa política de engajamento também levou à incrível
expansão da economia chinesa, um desenvolvimento positivo. Contudo, o atual
cenário de projeção da força chinesa pode obrigar até o Dr. Kissinger a
recomendar que se anule o compromisso de fechar os olhos à questão da soberania
daquelas duas infelizes nações.
Syed
Zaidi escreveu:
Muito
obrigado por esse comentário tão oportuno. É triste essa mudança para uma
política exterior de intromissão e provocação, depois que a política do “Nenhum
problema com nossos vizinhos” conseguira, por algum tempo, pôr a Turquia no mapa
moral.
Parece
que estão querendo seguir o exemplo dos EUA – perder o prestígio, a boa
reputação e sair da jogada mais pobres do que quando entraram.
Conhecido
e respeitado na Turquia como o senhor é, sua opinião deve ter, e com certeza
terá, ecos importantes no país.
Nota
dos tradutores
*MK
Bhadrakumar
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu, Asia Online e Indian
Punchline. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.