(1)
Por que estou deixando Goldman Sachs
13/3/2012, Greg
Smith,
New York Times
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Goldman Sachs/Greg Smith |
Hoje
é meu último dia no Banco Goldman Sachs. Depois de quase 12 anos de firma –
primeiro como estagiário, enquanto estudava em Stanford, depois em New York por dez anos, e agora em
Londres – creio que trabalhei por tempo suficiente para entender a trajetória da
cultura, o pessoal e a identidade do banco. E posso honestamente dizer que o
ambiente é agora tão tóxico e destrutivo como sempre o vi.
Pondo
o problema em termos simples, o interesse do cliente continua a ser deixado de
lado, pelo modo como a firma opera e pensa sobre fazer dinheiro. Goldman Sachs é
dos maiores e mais importantes bancos de investimentos do mundo, e é por demais
integrado à finança global, para continuar a agir desse modo. A empresa
afastou-se tanto do ponto em que estava quando entrei, logo ao sair da
universidade, que já não posso dizer, em boa consciência, que me identifico com
o que ela defende hoje.
Essa
carta talvez surpreenda o público mais cético, mas a cultura sempre foi parte
vital do sucesso de Goldman Sachs. Tinha a ver com trabalho de equipe,
integridade, um espírito de humildade, e sempre fazer o melhor para nossos
clientes. A cultura foi o tempero secreto que fez a grandeza dessa empresa e
valeu-nos a confiança de nossos clientes por 143 anos. Não se tratava só de
fazer dinheiro; essa ambição, por ela mesma, não teria mantido empresa alguma
por tanto tempo. Tinha algo a ver com orgulho e fé na organização. É triste ter
de dizer que olho à volta hoje e não vejo praticamente traço algum da cultura
que me fez amar trabalhar aqui, por tantos anos. Já não me orgulho, nem
acredito.
Mas
nem sempre foi assim. Por mais de uma década, recrutei e orientei candidatos
através de nosso difícil processo de seleção e entrevistas. Fui selecionado,
entre dez colegas (de uma empresa de mais de 30 mil empregados) para aparecer em
nosso vídeo de recrutamento, que é exibido em todos os campus universitários que
visitamos, em todo o mundo. Em 2006, gerenciei o programa de verão para
estagiários em vendas e comércio em New
York para os 80 universitários que foram selecionados, dentre os milhares
que se candidataram.
Entendi
que era hora de sair, quando me dei conta de que já não conseguia olhar nos
olhos dos estudantes e falar-lhe sobre a grande empresa em que
trabalhávamos.
Quando
se escrever a história de Goldman Sachs, os livros talvez registrem que o atual
presidente executivo Lloyd C. Blankfein e o presidente Gary D. Cohn perderam o
controle sobre a cultura da firma no período sob o comando deles. Creio
firmemente que esse declínio na fibra moral da empresa é a mais grave ameaça que
pesa hoje sobre sua sobrevivência de longo prazo.
Ao
longo da minha carreira, tive o privilégio de servir como consultor de dois dos
maiores fundos
hedge
do planeta, de cinco dos maiores gerentes de patrimônio dos EUA e de três
dos principais fundos soberanos no Oriente Médio e na Ásia. Meus clientes tinham
patrimônio total de mais de um trilhão de dólares. Sempre senti muito orgulho de
aconselhar meus clientes a fazer o que eu acreditava que fosse o correto para
eles, inclusive quando significasse menos dinheiro para o banco. Essa atitude é
cada dia menos popular no Banco Goldman Sachs. Mais um sinal de que é hora de
partir.
Como
chegamos ao ponto em que estamos? A empresa mudou o modo como vê a liderança.
Antes, liderança era questão de ideias, de dar o exemplo, de fazer a coisa
certa. Hoje, se você fizer muito dinheiro para o banco (e conseguir não ser
condenado como assassino serial) você será promovido e terá posto
influente.
Qual
o caminho mais rápido até lá? a)
“Malhar” muito, que é a palavra que o Banco Goldman usa para o trabalho de
convencer o cliente a investir nas ações e outros produtos dos quais o banco
esteja querendo livrar-se porque são vistos como sem potencial de lucros. b) “Matar o Elefante”. Em inglês:
conseguir empurrar para o cliente – alguns muito sofisticados, outros não –
qualquer coisa cuja venda gere o maior lucro para o Goldman. Chamem-me de
antiquado, mas não gosto de vender aos meus clientes produtos que não sejam os
mais indicados para cada um. c) Faça
de sua sala um lugar onde a principal atividade seja vender qualquer papel sem
liquidez, o mais opaco possível, conhecido só por uma sigla
obscura.
Hoje,
muitos desses líderes exibem uma cultura Goldman Sachs de exatos 0%. Participei
de reuniões de vendas de derivativos em que não se consumia nem meio minuto com
perguntas sobre como ajudar o cliente. Só se discutiam modos como arrancar deles
a maior quantidade possível de dinheiro. Se um marciano aparecesse numa daquelas
reuniões, logo concluiria que o sucesso do cliente absolutamente não era
problema de nenhum dos presentes, nem interessava ao
processo.
Eu
fico doente de ver o à vontade com que aquelas pessoas falam sobre “descascar o
cliente”. Nos últimos 12 meses, vi cinco diferentes diretores referirem-se aos
próprios clientes como “os Muppets”, algumas vezes em e-mails
internos. Mesmo depois da US Security and Exchange
Comission,
do Fabulous
FAB [1], Abacus [2], “God’s work” [3], Carl Levin [4], “Vampire Squids” [5]? Nenhuma humildade? Quer dizer...
Vamos e
venhamos! Integridade? Acabou. Não sei de nenhum comportamento ilegal, mas
continuarão a empurrar aos clientes, mentindo que são “lucro certo”,
investimentos complexos, mesmo quando nada têm a ver com os objetivos e
interesses do cliente? Sim, sem dúvida alguma. De fato, é o que fazem todos os
dias.
Surpreende-me
sempre que a alta gerência ignore uma verdade tão básica: se os clientes não
confiam em você, mais dia menos dia eles partirão. E não importa o quanto você
se ache espertíssimo.
Atualmente,
a pergunta que mais ouço dos analistas juniores sobre derivativos é “Quanto
dinheiro se pode arrancar do cliente?” É pergunta que me incomoda sempre que a
ouço, porque é reflexo evidente do que veem nos superiores e do modo como os
veem atuar. Projetem então um futuro de dez anos: ninguém precisa ser engenheiro
de foguetes para prever que o analista júnior, sentado e ouvindo atentamente
aqueles discursos sobre “muppets”, “arrancar os olhos dele” e “ver o lucro” não
será cidadão modelo.
Quando
eu trabalhava como analista iniciante, não sabia onde ficava o banheiro e nunca
usara sapatos sociais. Aprendi ali a amarrar sapatos; aprendi o que é um
derivativo, a entender de finanças, conheci nossos clientes e o que os motivava,
como entendiam o sucesso e o que podíamos fazer para ajudá-los a chegar
lá.
Os
momentos dos quais mais me orgulho na vida – conquistar bolsa integral da África
do Sul para estudar na Stanford University, ser selecionado como finalista
nacional e ganhar medalha de bronze nas Macabíadas em Israel, em tênis de mesa –
foram vitórias ganhas com muito esforço, sem atalhos. Goldman Sachs hoje só tem
a oferecer lições sobre atalhos, nada sobre realização pessoal. Já nada ali me
parece certo.
Espero
que essa carta sirva como sinal de alerta aos diretores. É preciso voltar a
concentrar-se no cliente. Sem clientes, nenhum banco faz dinheiro. De fato,
vocês nem existem, sem clientes. Varram daí a turma da bancarrota moral, e não
importa quanto dinheiro façam para o Banco. E voltem à cultura certa, para que
as pessoas que trabalhem para vocês trabalhem pelas razões certas. Gente que só
pensa em fazer dinheiro não manterá de pé esse banco – nem manterá a confiança
dos clientes – por mais muito tempo.
(2)
Comentário, na lata, de um leitor escolado:
TH,
MN
Não
me parece que alguma coisa tenha mudado muito no Goldman Sachs nos últimos 12
anos. Greg Smith deve ter começado a trabalhar lá logo depois do colapso da
bolha da internet, do qual GS foi agente ativo, inflando empresas que não tinham
nenhum verdadeiro projeto de negócios. Daí, se mudaram imediatamente para a
bolha das hipotecas podres e produtos (podres) derivados. Portanto, a única
coisa que pode ter mudado nos últimos 12 anos não foi a cultura do Goldman
Sachs: foram os olhos do próprio Greg Smith.
A
única coisa que realmente mudou no Goldman Sachs foi que, em 1999, passou a ter
ações na bolsa, pouco antes da chegada de Greg Smith. De repente, os riscos
passaram, dos ombros dos proprietários privados para os ombros dos acionistas, o
único objetivo passou a ser a distribuição de dividendos trimestrais, e a
administração foi liberada para fazer o que lhes desse na telha, porque as
consequências não recaíam sobre eles. Criou-se assim um espaço gigantesco para
ganhar dinheiro pelas frestas, o risco moral. E nada se fez, até hoje, para
controlar isso.
(14/3/2012. 169 leitores recomendaram esse comentário)
(14/3/2012. 169 leitores recomendaram esse comentário)
Notas
dos tradutores
[1] Sobre esse escândalo que envolveu
um corretor do GS e seus e-mails financeiros-sexuais assinados por “Fabulous
Fab”, ver 26/4/2010, “Goldman's
“Fabulous” Fab's conflicted love letters”.
[2] Outro escândalo de “hipotecas
tóxicas”, envolvendo o mesmo corretor de GS. Ver 16/4/2010, “Goldman
Sachs, Fabrice Tourre and the complex Abacus of toxic mortgages”
[3]
Lloyd Blankfein, CEO de Goldman Sachs, em depoimento à Comissão de Inquérito
sobre a Crise Financeira, dia 13/1/2010, disse que GS fazia “trabalho de
Deus”.
Assista a seguir:
[4] Senador Democrata, presidente da Subcomissão Permanente de Investigações do Senado, que insistiu para que os executivos de GS fossem acusados e julgados. Sobre isso, ver 14/4/2011, “Sen. Carl Levin Wants Goldman Sachs Execs Prosecuted After His Sweeping Investigation Is Concluded”
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