1/3/2012,
*MK Bhadrakumar, Indian
Punchline
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
A Síria está de volta à Mesa da Ferradura, no Conselho
de Segurança da ONU. Já circula entre os membros do CS-ONU uma terceira versão
de resolução, iniciativa de EUA e França. A nova resolução exige acesso para a
ONU e “outras organizações humanitárias”, para socorrer o povo sírio. Exige
também cessação imediata de operações militares do regime, libertação de presos
e retirada das forças do governo de vilas e cidades. O acesso de missões
humanitárias é requerido imediatamente: [1] a nova versão
de resolução exige que Damasco passe a cooperar com a ONU e “outras organizações
humanitárias” dentro de 24 horas.
O ocidente conta com isolar a Rússia, dentro do grupo
P-5, promovendo a China. A imprensa ocidental tem feito circular matérias
segundo as quais a China limitar-se-ia a abster-se, sem vetar outra resolução
sobre a Síria. Segundo matéria da
AFP, de Pequim, o
ministro das Relações Exteriores da China, Yang Jiechi, teria garantido
pessoalmente [2] à Liga Árabe
que Pequim não bloquearia o envio de uma missão
humanitária.
Quanto ao referendo constitucional na Síria, Moscou
apoiou [3] sem reservas.
Pequim ainda não se manifestou. Mas matéria publicada há algum tempo em Xinhua, repleta de “sés” e “mas”,
manifestava-se claramente a favor do referendo. The Global Times foi mais claro:
“A
China deve cerrar fileiras com a Rússia e apoiar a votação [na Síria] (...)
China e Rússia devem apoiar e ajudar na reforma do regime de Assad
(...)”
O GT
argumentava:
“No
passado, a China desenvolveu-se, sem ter de enfrentar uma ordem mundial dominada
pelo ocidente. Mas em anos recentes, a ordem mundial tem mostrado tendência a
limitar o crescimento da China. É inevitável que, agora, a China considere a
necessidade de confrontar aquela ordem. A questão Síria pode ser vista como
ponto não buscado de confrontação”. [4]
Na mesma linha, o
China Daily, estatal, publicou com destaque uma entrevista com o
embaixador sírio em Pequim, com algumas observações bem duras [5]
sobre o
papel do ocidente na oposição síria.
Mais significativamente, o jornal People’s Daily publicou hoje forte ataque, [6]
questionando os motivos do ocidente e
identificando a China à Rússia e a outros “países sérios”. O comentário
apresenta como “sem qualquer fundamento e carregadas de mentiras” as declarações
da secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton na reunião dos “Amigos da Síria”
em Túnis, na 6ª-feira passada.
O
comentário apóia firmemente o referendo realizado na Síria, apresentando-o como
“...
a mais importante reforma jamais levada a efeito pelo governo sírio, e espera-se
que sirva como guia para a nação, numa nova era de pluralismo político e
multipartidarismo”.
A imprensa chinesa, ainda recentemente, publicou
comentários fortes [7] sobre a
situação síria, com críticas ao ocidente. O comentário de hoje acompanha essa
linha, com os chineses reafirmando a mesma posição firme; tem o objetivo,
também, de desmentir a “impressão”, que está sendo construída pela imprensa
ocidental, de que a China estaria começando a “afrouxar” na sua posição sobre a
Síria.
Seja como for, a China cuida atentamente de não
pressionar desnecessariamente suas relações com os EUA. Comentário publicado
em People’s Daily na 4ª-feira [8]
conclamava Washington a “encontrar um modo de
partilhar direitos e poderes com a China.” Mas no que tenha a ver com a Síria, a
China traçou linha bem clara, da qual não se afasta: qualquer tipo de
intervenção ocidental na Síria será abrir “uma caixa de
Pandora”.
O
xis da questão é se a chamada “missão humanitária” organizada pelo ocidente não
se converterá em primeiro passo para outra intervenção como se viu na Líbia,
dessa vez na Síria. Moscou e Pequim não tomarão decisões sem considerar muito
profundamente cada passo.
Semana passada, o diário saudita pró-establishment
Asharq al-Awsat publicou matéria em
que se citam fontes militares dos EUA, que dizem que o Pentágono já trabalha
numa intervenção “de tipo Kosovo” na Síria [9], com ou sem mandado oficial do Conselho de Segurança da
ONU.
Esse “Plano Kosovo” envolve intervenção militar
apresentada como missão de segurança que acompanharia a missão humanitária,
ideia que já se viu também sob a forma de “zonas aéreas de exclusão” e outras.
Interessante: funcionários do governo turco, em Ancara, já começaram também a
falar sobre o mesmo tema [10] – um plano
Kosovo para a Síria. Obviamente, há passarinhos voando pelos céus e
sincronizando todas essas declarações e aquela nova versão de resolução em
estudo no Conselho de Segurança.
A
CNN também noticiou que o
Pentágono está traçando planos militares “detalhados” [11]
para intervenção na Síria.
Contudo, é difícil imaginar que, sem algum tipo de autorização pela ONU, a
Turquia ou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) tenham a audácia
de invadir militarmente a Síria. O que, afinal, faz, da construção de algum tipo
de resolução no Conselho de Segurança, um momento decisivo, crucial.
O
enredo que o ocidente está tentando construir visa a apresentar Rússia e China
como votos que estariam impedindo que a comunidade internacional cumpra a nobre
missão de garantir socorro humanitário ao povo sírio.
Não surpreendentemente, Damasco bateu a porta no nariz
de Valerie Amos, chefe do setor de ajuda humanitária da ONU, já prevendo que
Washington tentaria explorar aquela visita [12]
para
ajudar o secretário-geral, Ban Ki-Moon, que, em New York, pisa fundo no acelerador do front da propaganda.
Ban, aplicadamente,
serve de ator coadjuvante dos EUA, na questão
síria.
Notas
dos tradutores
[2] 29/2/2012, Hurriet Daily News, Turquia, http://www.hurriyetdailynews. com/PrintNews.aspx?PageID=383& NID=14906
[3]
27/2/2012, Ministério das Relações Estrangeiras da Rússia, http://www.mid.ru/bdomp/brp_4. nsf/ e78a48070f128a7b43256999005bcb b3/ 4f977f004fe2522a442579b30029f4 5b!OpenDocument
[4] 27/2/2012, The Global Times, Pequim, http://www.globaltimes.cn/ DesktopModules/DnnForge%20-% 20NewsArticles/Print.aspx? tabid=99&tabmoduleid=94& articleId=697555&moduleId=405& PortalID=0
[5] 29/2/2012, China Daily, Pequim, http://www.chinadaily.com.cn/ world/2012-02/29/content_ 14716222.htm
[9]
26/2/2012,
Asharq, Arábia Saudita, http://www.asharq-e.com/news. asp?section=1&id=28622
[10] 29/2/2012, Hurriet Daily News, Turquia, http://www.hurriyetdailynews. com/PrintNews.aspx?PageID=383& NID=14894
[11] 29/2/2012, Daily Star, Beirute, http://www.dailystar.com.lb/ News/Middle-East/2012/Feb-29/ 165010-us-military-draws-up- further-syria-options-report. ashx#axzz1nmfp3ag8
[12] 29/2/2012, Today Szaman, http://www.todayszaman.com/ newsDetail_openPrintPage. action?newsId=272894
*MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu,
Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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