sexta-feira, 16 de março de 2012

Proteção responsável


15/3/2012, Ruan Zongze, China Daily, Pequim
Responsible protection
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

                         Ruan Zongze é vice-presidente do Instituto China de Estudos Internacionais.

Ruan Zongze
Qualquer intervenção humanitária autorizada pela ONU deve procurar proteger civis inocentes. Em nenhum caso pode buscar mudança de governo. 

Em anos recentes, o “neointervencionismo” ocidental sob a bandeira da “responsabilidade de proteger” tem causado tremenda controvérsia na arena internacional. Como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a China deve defender, inequivocamente, a “proteção responsável”.

A doutrina da responsabilidade de proteger, que visava a impedir genocídios, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade, foi exposta pela primeira vez pela Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania do Estado do Canadá, em relatório apresentado à ONU em 2001. Em seguida, foi incluída no Documento Final da Cúpula Mundial de 2005.

No início de 2011, forças multinacionais lideradas pela OTAN lançaram ataques aéreos contra a Líbia e provocaram uma mudança de regime. Para o ocidente, teria sido a primeira implementação da responsabilidade de proteger.

A partir dos anos 1990s, o ocidente introduziu uma gama de ideias, entre as quais, “intervenção humanitária”, “direitos humanos acima da soberania” e “excepcionalismo”, na tentativa de construir alguma base teórica para intervir em assuntos internos de outros países. “Responsabilidade de proteger” é apenas uma ideia a mais, nessa lista.

Apoiadores da responsabilidade de proteger argumentam que a intervenção armada seria “responsabilidade moral”, dado que seria feita por “razões humanitárias”. Mas, na prática, como a Líbia mostra claramente, a intervenção armada jamais foi além de busca de hegemonia, em nome da humanidade.

O ex-presidente da Assembleia Geral da ONU, Miguel d'Escoto Brockman, diplomata nicaraguense, disse que a suposta imparcialidade que haveria na responsabilidade de proteger não passa de disfarce para legitimar a intervenção armada pelas ricas potências ocidentais, em países pobres. E que nome correto para aquele conceito seria “direito de intervir”.

Como a Líbia já demonstrou, a “Responsabilidade de Proteger” pode ser usada perversamente para forçar mudança no governo de um país – e esse movimento é claramente oposto aos objetivos da Carta da ONU, ao princípio da soberania nacional e ao princípio da não interferência em assuntos nacionais internos.

A quem responsabilizar pelas consequências de qualquer intervenção humanitária? Dados da ONU mostram que há centenas de milhares de pessoas vivendo sem casa e na miséria, na Líbia, em parte como resultado da ação militar do ocidente; e que há hoje na Líbia mais de 5.000 grupos armados, completamente fora do controle do estado, o que fez com que violentos confrontos armados entre grupos e milícias têm sido a causa de incontáveis mortes de civis.

Relatório distribuído pela Comissão de Direitos Humanos da ONU dia 4 de março comprova que, na Líbia, os dois lados cometeram “crimes contra a humanidade e crimes de guerra”. A Rússia está insistindo em que as ações da OTAN na Líbia sejam investigadas e que todos os considerados culpados sejam julgados e punidos.

Alguns analistas, referindo-se às guerras no Afeganistão e no Iraque, que causaram mais de 100 mil mortes de civis, chegam a dizer que esse tipo de “intervenção humanitária” é “solução brotada do inferno”. O uso frequente de forças militares em nome de oferecer “proteção” só tem feito estimular reações belicosas nas relações internacionais e já dá sinais de ter aberto uma caixa de Pandora de desastres.

Com tudo isso em mente, a comunidade internacional já está reconsiderando a doutrina da responsabilidade de proteger.

Maria Luiza Ribeiro Viotti
Em 2011, a Representante Permanente do Brasil na ONU, Maria Luiza Ribeiro Viotti, introduziu o conceito de “responsabilidade enquanto protege”, que busca refletir sobre os graves defeitos de só se implementarem medidas militares no contexto da responsabilidade de proteger. Para o Brasil a “responsabilidade enquanto protege” deveria ser hoje o foco de toda a comunidade internacional. 

Especialistas sugerem que, em vez de intervenção humanitária mediante intervenção militar, melhor seria fortalecer a “diplomacia humanitária”, provendo-se fundos para que se ofereçam serviços públicos de saúde e condições de relocalização para os refugiados, como meios para atender à responsabilidade de proteger sem recorrer a meios violentos – solução que terá impacto mais duradouro e menos negativo.

Mas, considerando as consequências provocadas pela responsabilidade de proteger quando foi posta em prática, vários países já começam a abraçar o conceito de “proteção responsável”, que inclui alguns elementos básicos:

(1) Toda e qualquer intervenção deve proteger civis inocentes no país alvo, e promover a paz e a estabilidade regionais, em vez de promover uma ou outra facção política ou um ou outro exército ou grupo armado.

(2) O Conselho de Segurança da ONU é o único organismo legítimo para implementar qualquer “intervenção humanitária”. Nenhuma outra organização, organismo ou estado pode confiscar para si o direito de fazer “intervenção humanitária”.

(3) A precondição necessária para a implementação da força deve ser que todos os meios diplomáticos e políticos tenham-se esgotado, sem que se tenha alcançado algum acordo. Embora os esforços diplomáticos e outros meios não militares quase sempre exijam tempo até gerar resultados, sempre têm efeitos menos perniciosos que a guerra.

(4) O objetivo da proteção deve ser impedir ou aliviar um desastre humanitário. Em nenhum caso se falará de proteção, quando se tratar de derrubar governos por meios militares.

(5) A reconstrução nacional, depois da intervenção para proteger, deve ser firmemente apoiada. Em nenhum caso se falará de responsabilidade para proteger se o país “protegido” for deixado em ruínas, sem governo e sem meios para se sustentar.

(6) A ONU estabelecerá um mecanismo de monitoramento, de avaliação efetiva e de cobrança e prestação de informações sobre a situação existente no país ‘protegido’.

Em resumo, a proteção responsável pode refletir mais fielmente os objetivos e princípios da Carta da ONU e as normas básicas que regem as relações internacionais, e é conceito mais bem alinhado com a busca da paz e do desenvolvimento em todo o mundo.

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