Publicado
em 04/03/2012 por *Mário Augusto Jakobskind
Enquanto
no Brasil militares da Reserva, hoje óleos queimados da história, se
insubordinam por saudosismo dos tempos da ditadura e receio da Comissão da
Verdade, como bem já explicou Urariano Mota, no próximo dia 21 de março no
Uruguai haverá uma ato público na Assembleia Nacional em que o governo pedirá
desculpas às vítimas da ditadura em vigor no país de 1973 a 1984 e que contava com
o apoio de sucessivos governos brasileiros comandados por generais de
plantão.
O
ato foi convocado por exigência da Comissão de Direitos Humanos da Organização
dos Estados Americanos (OEA), adotada em fevereiro de 2011. A importante cerimônia
contará com a participação do Presidente José Pepe Mujica, uma das vítimas da cruel
ditadura, que esteve preso na condição de refém por mais de 10 anos. Refém
significava isolamento e se a guerrilha tupamara voltasse a atuar o preso seria
submetido a piores maus tratos e até era ameaçado de
fuzilamento.
Também
no dia 21, o Estado uruguaio indenizará em 500 mil dólares, quantia fixada em
sentença, a família do poeta argentino Juan Gelman, cuja nora, María Claudia
García Iruretagoyena, foi assassinada, no contexto da Operação Condor, no
Uruguai e a neta entregue para adoção a uma família de militares. Ela acabou
sendo localizada e se empenhou no sentido de exigir que o Uruguai assumisse a
responsabilidade pelo assassinato da mãe e do pai.
Estes
governos ditatoriais tinham acordos e os seus sistemas de inteligência agiam em
conjunto na caça de opositores, sejam contra os que optaram pela luta armada ou
por outro tipo de contestação ao regime de força.
Militares
que assinaram o manifesto e que disseram não reconhecer Celso Amorim como
Ministro da Defesa agiam em comum acordo com seus colegas torturadores do Cone
Sul. E agora um deles cinicamente afirmou que entrará na Justiça por ter sido
repreendido pelos comandantes militares e usa o argumento da “liberdade de
expressão”. E vejam só, uma figura que tinha comando naquela época de trevas e
censura vem falar de liberdade de expressão. É cinismo ou não
é?
O
que aconteceu com o filho e a nora de Juan Gelman não foi o único caso daqueles
tempos hediondos que os signatários do manifesto têm saudades. Fatos dessa
natureza não podem ser esquecidos, até porque os crimes praticados são de lesa
humanidade e, portanto imprescritíveis. Ficam no mesmo nível que os crimes
cometidos por oficiais nazistas, muitos deles descobertos quando tinham mais de
80 anos. E nem por isso seguiram impunes.
O
Estado brasileiro também foi sentenciado pela Comissão de Direitos Humanos da
OEA no sentido de apresentar os restos de combatentes da guerrilha do Araguaia,
assassinados quando tinham sido capturados e não ofereciam resistência por
estarem fora de combate. A Comissão também questionou a vigência da Lei da
Anistia.
A
resposta brasileira não teve a grandeza do governo uruguaio. Para o Brasil está
em vigor a Lei da Anistia, que absolveu de antemão quem nunca foi submetido a
julgamento por violar diretos humanos. Uma lei que, por sinal, como indica
pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), é desconhecida por
74% dos brasileiros.
Na
verdade, não é de hoje que associados do Clube Militar têm se manifestado em
defesa do ideário golpista de 1964 na base da odiosa linguagem da Guerra Fria.
Na última “comemoração” do golpe apareceu até Sandra Cavalcanti, ex-secretária
do governo Carlos Lacerda com o discurso que se imaginava varrido para o lixo da
história.
Na
antevéspera da campanha eleitoral de 2010, dois jornalistas, Merval Pereira, de
O Globo, e Reinaldo Azevedo, da revista Veja, compareceram e fizeram críticas do
gênero golpista contra o então Presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff.
Foram aplaudidíssimos pelos presentes, apoiadores do golpe de 64. Merval e
Azevedo volta e meia falam em suas colunas na democracia que defendem desde
criancinha.
Parece
que esta gente não aprendeu nada nestes anos todos.
Já
na Argentina, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados convidou o
Juiz Baltazar Garzon para prestar assessoria, reconhecendo assim a importância
do magistrado espanhol que foi injustiçado em seu país pelo conservadorismo
predominante no Poder Judiciário daquele país. Os parlamentares argentinos
merecem todo aplauso pela iniciativa.
*Mário
Augusto Jakobskind é
correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do
Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da
Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor,
entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes -
Fantástico/IBOPE
Enviado por Direto
da Redação
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