domingo, 11 de março de 2012

E sobre as bombas atômicas de Israel?


5/3/2012, John Cassidy, The New Yorker, New York
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

John Cassidy
Caso você tenha esquecido – e não seria difícil, dado que ninguém jamais fala delas em debates públicos – Israel tem cerca de cem bombas atômicas, talvez o dobro ou o triplo, e a capacidade técnica e os equipamentos necessários para dispará-las de silos subterrâneos, de submarinos e de jatos bombardeiros F-16.

Além do ministro da Defesa de Israel, pouca gente sabe precisamente quantos mísseis armados com ogivas nucleares o país tem. Segundo estimativa não secreta divulgada em 1999 pela Agência de Inteligência da Defesa dos EUA, citada num boletim da Federação dos Cientistas Norte-americanos de 2007, Israel tinha então entre 60 e 80 ogivas nucleares. Estimativas mais recentes dizem que o número é consideravelmente maior.

O Instituto de Estudos Estratégicos com sede em Londres diz que Israel tem “cerca de 200” ogivas nucleares carregadas em mísseis terra-ar Jericho 1 e Jericho 2 de curto e médio alcance. Jane, a empresa da Defesa-informação, estima que, no total, o número de ogivas nucleares esteja entre cem e 300, o que põe o arsenal nuclear de Israel lado a lado com a capacidade nuclear de britânicos e franceses. E muitos acreditam que essas ogivas já estejam carregadas nos novos mísseis balísticos intercontinentais Jericho 3, que têm alcance de mais de 7.200km – o que significa que, em teoria, podem atingir alvos na Europa e na Ásia.

Desde os anos 1960s, quando Israel construiu sua primeira bomba atômica, governos sucessivos têm-se recusado a reconhecer a existência do programa israelense de armas atômicas – posição oficial designada por uma palavra em hebraico, amimut, que significa “opacidade”, “transparência-zero”. E não se trata só de Israel reconhecer ou não reconhecer. Israelense que revele detalhes sobre o programa nacional de bombas atômicas comete crime, pelo qual pode ser condenado a longas penas de prisão. Em 1986, Mordechai Vanunu, ex-técnico nuclear, entregou ao Sunday Times de Londres, fotografias que havia tirado do Centro de Pesquisa Nuclear do Negev, próximo à cidade de Dimona. Depois de publicada a história de Vanunu, agentes do Mossad sequestraram-no em Roma, onde passava férias, e o levaram de volta a Israel. Cumpriu pena de 18 anos de prisão, 11 dos quais em confinamento (solitária).

Avner Cohen, o historiador israelense-norte-americano que, em 1998, publicou livro-tese acadêmica sobre o programa nuclear israelense, “Israel and the Bomb” [Israel e a Bomba] teve melhor sorte. Mas quando voltou a Israel em 2001, para uma conferência, foi preso e submetido a 50 horas de interrogatório por agentes de segurança do Ministério da Defesa, que queriam saber sobre suas fontes e motivações para escrever o livro. E em 2002, Yitzhak Yaakov, ex-chefe do programa de pesquisa de armas do exército de Israel recebeu pena de dois anos de suspensão depois de escrever suas memórias [1]. “Para mim, tudo isso é um pesadelo” – disse Yaakov, durante seu julgamento. “Acordo pela manhã e lembro que fui interrogado, acusado de espionagem. Disseram-me que eu era pior que Vanunu e que minha esposa é Mata Hari”.

Agora que Israel ameaça bombardear o programa de pesquisas nucleares para finalidades pacíficas do Irã – porque nem os serviços de inteligência dos EUA acreditam que tenha evoluído até o estágio de poder tentar construir bombas atômicas, segundo o Times  [2] – a encenação continua. Considerem a entrevista que Benjamin Netanyahu concedeu em 2010 ao meu ex-colega, Jeffrey Goldberg, publicada em The Atlantic:

Netanyahu não poria a questão em temos de paridade nuclear – a política israelense do amimut (opacidade, transparência zero) proíbe reconhecer a existência do arsenal nuclear israelense, de mais de 100 bombas atômicas, bombas termonucleares de dois estágios, que podem ser disparadas por mísseis, aviões bombardeiros ou submarinos (dois dos quais, segundo fontes da inteligência estão atualmente posicionados no Golfo Persa). Em vez disso, preferiu falar sobre o programa iraniano como uma ameaça não só a Israel, mas a toda a civilização ocidental. [3]

Evidentemente, o governo de Israel tem pleno direito de formular como lhe apraza suas políticas, considerados os interesses do país. E, também evidentemente, os EUA devem fazer o mesmo. Em seu discurso ao AIPAC, ontem, o presidente Obama disse o seguinte:

Um Irã nuclear é completamente contrário aos interesses da segurança de Israel. Mas também é contrário aos interesses da segurança nacional dos EUA. Na verdade, todo o mundo tem interesse em impedir que o Irã chegue a uma arma nuclear. Um Irã armado com arma nuclear poria abaixo todo o regime de não proliferação que tanto nos custou construir. Há riscos de que uma arma nuclear iraniana caia em mãos de alguma organização terrorista. É quase certo que outros, na região, sentir-se-ão obrigados a ter sua própria arma nuclear, o que dispararia uma corrida armamentista numa das regiões mais voláteis do mundo. [4]

E em todo aquele longo discurso, nem uma vez houve qualquer menção às bombas atômicas israelenses, nem à persistente recusa, por Israel, a assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (do qual o Irã é signatário). Algum presidente dos EUA algum dia reconheceu publicamente a existência das bombas atômicas de Israel? 

Em seu livro mais recente, “The Worse Kept Secret: Israel’s Bargain with the Bomb” [O segredo mais mal guardado: a barganha de Israel com a bomba], [5] Avner Cohen refere-se a um encontro, em setembro de 1969, entre o presidente Richard Nixon e Golda Meir sobre as bombas atômicas clandestinas de Israel.

Nenhum registro escrito ou testemunho oral sobre o que se disse naquele encontro sobreviveu, que se conheça; e o que os líderes disseram naquela reunião permanece cercado do mais denso mistério. Em retrospectiva, pode-se dizer que naquele encontro foi instituído o amimut como posição estratégica apoiada mútua e simultaneamente por Israel e EUA. O encontro Nixon-Meir marca o local e dada do nascimento da barganha.

Num momento em que o lobby nos EUA, com a cooperação dos candidatos Republicanos, pressiona o governo norte-americano para que apoie a linha dura de Netanyahu contra o Irã, talvez seja hora de reavaliar aquela barganha. Nem é preciso mudar muito. O regime de Teerã é profundamente antipático, e muitos de nossos outros aliados, incluídos a Grã-Bretanha, França e Arábia Saudita, também estão decididos a impedir que se una ao clube atômico. Mas reconhecer publicamente o que todos sabem sobre Israel – que, sim, é uma das potências nucleares do planeta – teria a grande vantagem de salvar os EUA, tirando-o da posição vulnerável em que está, repetidamente acusado de servir-se de dois pesos e duas medidas, no relacionamento com o Irã.




Notas dos tradutores
[2] 24/2/2012, New York Times, em: “U.S. Agencies See No Move by Iran to Build a Bomb”.
[3] Set. 2012, The Atlantic, em: “The Point of No Return”.
[4] Ver “‘Bibi’ continua a sacudir o cachorro americano?”, Pepe Escobar, 5/3/2012, Asia Times Online, traduzido. 
[5] Amazon: “The Worst-Kept Secret: Israel's Bargain with the Bomb”.

3 comentários:

  1. De fato. Não tem explicação razoável Israel ter armamento nuclear e não aceitar que outros tenham. Mentem, enganam, não assinam tratados.

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  2. O mapa do mundo está mudando.Os EUA não puderam impedir a China de ter e nem a UE - EUA e Israel impedirão do Irã possuir a sua

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    1. Estrategicamente não interessa ao Irã ter arma nuclear. É desnecessário. O que interessa ao Irã é manter a atual tensão, mesmo com aramas convencionais, pois o uso de armas nucleares, principalmente no OM, causaria catástrofe incontrolável que atingiria Israel em cheio.

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