Futuro da Revolução Árabe
relaciona-se com o que ocorre na Síria
Gostaria muito de tratar mais
globalmente sobre a Revolução Árabe, iniciada há pouco mais de um ano. Poderia
tratar do Egito e suas eleições, também ocorridas na Tunísia ou mesmo no Iêmen,
cujo ditador acaba de cair e deve refugiar-se em alguma monarquia reacionária
árabe ou mesmo nos EUA (seu vice assumiu, mas segue sendo ditadura). No entanto,
a pauta segue sendo a Síria. Por isso, voltamos ao tema neste
artigo.
Verdades e Mentiras sobre a
Síria:
Muito já se disse sobre o que
ocorre na Síria hoje. Os meios de comunicação de massa, nacionais e
internacionais, expressam o que pensa o Pentágono. Com honrosas exceções, tudo
que recebemos no Brasil em particular, publicados em língua pátria na Folha,
Globo e Estadão reproduz quase que sem retirar nenhuma frase, o que as agências
noticiosas internacionais despacham para o mundo todo. Agências, diga-se de
passagem, que sequer possuem um só correspondente em Damasco, capital da
Síria.
A seguir, para auxiliar nossos
leitores, fazemos um pequeno resumo de tudo que se diz sobre a República Árabe
da Síria. Resumimos 15 pontos que se destacam na
atualidade.
1. Governo de Bashar Al-Assad mata
milhares - Mentira
Bashar al-Assad |
Dia após dia, manchetes garrafais
estampam que o governo vem matando “milhares” de sírios, todos “inocentes”. A
única fonte de informação que o Ocidente inteiro possui sobre tais “dados” de
mortes é de um obscuro Observatório Sírio de Direitos Humanos (sic), com sede em
Londres e que recebe farto financiamento de países do Golfo Pérsico, todos, sem
exceção, monarquias antidemocráticas, absolutistas e extremamente reacionárias e
pró-EUA.
Como isso esta ficando uma
vergonha para quem pratica um jornalismo sério, a grande imprensa, quando
publica os números “assustadores” de mortos, ultimamente vem pelo menos
acrescentando sempre “segundo o Observatório Sírio de DH”, que “não puderam ser
comprovadas”.
De fato, os únicos dados
confiáveis são os fornecidos pelo próprio governo, que atesta que pelo menos
dois mil soldados, policiais e cidadãos sírios foram assassinados por grupos
terroristas e mercenários, seja em ataques diretos ou em atentados a bomba que
vêm ocorrendo com maior intensidade nas últimas semanas.
2. Exército Síria Livre é formado
por desertores - Mentira.
Mercenários da al-Qaeda (Rebeldes da OTAN) na Síria |
Não há desertores no Exército
sírio. Pelo menos não em expressão. Todas as deserções em todas as divisões do
Exército da República Árabe da Síria são pontuais e ocorrem apenas e
exclusivamente na baixa oficialidade.
O que se tem de concreto é que
essa organização é composta de mercenários altamente remunerados, usando armas
contrabandeadas, inclusive do arsenal líbio. Se um AK-47, fuzil de assalto mais
famoso no mundo, podia ser comprado a cem dólares tempos atrás, hoje, com os
bilhões de dólares que a Arábia Saudita e o Qatar vêm despejando para a
derrubada do governo do Dr. Bashar, não se compra uma arma dessa, muito popular,
por menos que 1,5 mil dólares.
Esse tal “exército” esta acampado
na fronteira com a Turquia e por esta é estimulado e seu comando vem de
Istambul. O governo turco, que presta um péssimo papel achando que voltará a ter
o comando do sultanato otomano, tem procurado dar guarida a essa milícia
terrorista e facínora, apoiada por Israel e pelos EUA. Seu “comandante”, o
coronel desertor Riad El Assad, esta na folha de pagamento do Departamento de
Estado.
3. Liga Árabe pede Democracia e
Liberdade na Síria - Mentira.
Não tem moral para
isso.
A Liga Árabe, organismo
multilateral fundado em 1945, é integrado pelos 21 países árabes e a OLP que
representa a Palestina. Ainda que possa ser duvidoso que em algum momento tenha
cumprido algum papel relevante na vida dos árabes, a certeza é de que hoje ela é
um organismo fracassado.
Tomado de assalto pelas monarquias
do Golfo, com seus bilhões de dólares, esse organismo presta-se hoje como
auxiliar tanto do CS da ONU, quanto da União Europeia e dos EUA. De árabe essa
tal Liga não tem mais nada. Não representa mais os anseios e as verdadeiras
aspirações do povo árabe, que hoje são quase 400 milhões de
pessoas.
Esse organismo serve apenas para
propor ao CS da ONU resoluções que os EUA e a União Europeia não teriam a
coragem de propor. Os petrodólares da Casa de Saud e do emirado do Qatar é que
sustentam a organização. Esta completamente esvaziada. Iraque, Líbano, Argélia e
a própria Síria nem mais tem comparecido às reuniões, que perderam completamente
a sua eficácia.
Mas, o que é pior. Que moral tem a
Arábia Saudita e o Qatar em pedir democracia na Síria? Falam em liberdade, mas
não a praticam em seus países, que não tem parlamento e nenhum partido
funcionando. Uma hipocrisia completa. Uma falsa moralidade. Indignam-se com o
que ocorre na Síria, mas é uma indignação seletiva.
4. Rússia e China vetam resolução
anti-Síria na ONU - Verdade.
E ambos têm suas
razões.
Essas duas potências mundiais -
ambos BRICS - ficaram escaldadas com o golpe europeu-estadunidense que, usando a
OTAN, rasgaram a resolução 1973 de 17 de março de 2011, que mencionava apenas
"proteção" a civis líbios. Com essa resolução a OTAN bombardeou toda a Líbia na
linha da ordem dada por Obama/Hilary: derrubem o regime! A linha foi a da
mudança de regime, coisa que só o povo líbio teria poder de decidir.
Assassinaram mais de 200 mil
líbios!
Os EUA e seus clientes europeus
não aceitaram nenhuma modificação proposta por estes dois países na nova
resolução proposta em 4 de fevereiro passado. E pior que isso. Expressaram sua
indignação sobre o veto exercido dentro das regras da Carta das Nações. Quando
os EUA vetam dezenas de resoluções contra Israel no CS/ONU nada se fala. Uma vez
na vida duas potências vetam uma resolução que abriria brecha para a OTAN atacar
a Síria, vem a indignação seletiva.
A embaixadora dos EUA da ONU,
Susan Rice, chegou a dizer que o "mundo não poderia ficar refém de dois países"
(sic). Tenho em mãos uma pesquisa sobre os vetos dos EUA contra resoluções a
favor dos palestinos e que criticavam Israel. A pesquisa compreende apenas dez
anos (1972 a 1982). Só nesse curto período
foram exatos 43 resoluções vetadas pelos EUA!
Hoje, felizmente, tanto a China
como a Rússia têm visto o que realmente ocorre no OM. Derrubar o governo da
Síria hoje, passando por cima da soberania desse país árabe pode significar
ainda um maior fortalecimento do imperialismo estadunidense e seus estados
clientes europeus.
O fato é que a Rússia volta com
força ao cenário internacional. Não titubeou nenhuma vez em defesa da soberania
síria. Enviou armas e uma frota naval esta ancorada no estratégico porto de
Tartous. Como já vimos falando, a unipolaridade no mundo tende ao seu fim.
Vários pólos vão sendo criados e a Rússia vai ganhando seu espaço, fazendo-se
ouvir depois de mais de vinte anos de um mundo unipolar.
5. EUA, Israel e seus aliados árabes
são os maiores inimigos - Verdade.
É preciso que sejam dados nomes
aos bois.
Os maiores entraves para o avanço
da Revolução no mundo Árabe são as petromonarquias. Elas têm nome: Arábia
Saudita, Kuwait, Emirados Árabes, Qatar, Omã e Bahrein. A esses se somam países
que não são fortes produtores de petróleo, mas são monarquias reacionárias e
pró-EUA, como a Jordânia e o Marrocos.
O centro da resistência ao avanço
revolucionário árabe vem de Riad, no reino dos sauditas. Estes reservaram em
2011 mais de cem bilhões de dólares para a contrarevolução. E contratam
mercenários a peso de ouro. Apoiados pelos EUA, ainda que discretamente, e mais
discretamente por Israel e sua inteligência do Mossad. Isso esta amplamente
documentado. Pelo WikiLeaks e pela imprensa verdadeiramente livre e a
blogosfera.
6. Se a Síria cair, isso reflete em
todo o OM - Verdade.
Há hoje um eixo de resistência ao
imperialismo estadunidense. Esse eixo apoia as mudanças profundas no OM, apoia a
causa palestina, faz oposição à Israel, defende o rompimentos dos acordos de paz
assinados com esse país pelo Egito e Jordânia, de forma
unilateral.
O bloco de países que integram o
eixo da resistência são hoje, além da Síria, o Iraque, Líbano, a Argélia e o Irã
(que é persa). O Partido de Deus (Hezbolláh), do Líbano, que forma governo com
os cristãos patrióticos (maronitas do Marada e MPL de Aoun), sunitas e xiitas de
várias organizações (Amal de Berri e drusos de Jumblat) e o PC Libanês de
Khaled, seria o primeiro a sofrer consequências. O Hezbolláh - apesar do nome, é
uma organização política e não defende no Líbano um estado religioso - além de
muitos deputados e ministros, tem a maior milícia armada de resistência ao
exército sionista de Israel que insiste em ocupar o Sul do
país.
A própria luta de resistência
palestina contra a ocupação, com todas as suas organização que compõem a OLP e o
Hamas (que não integra a Organização), se enfraqueceriam imensamente com a queda
do governo sírio e a instalação nesse país de um governo
pró-EUA.
Essa organização tem seus
tentáculos em mais de 70 países. Fundada por Hassan El-Bana em 1928, funciona
como partido político, tendo uma ideologia de caráter teológico de linha
islâmica fundamentalista. Na maioria das ditaduras e monarquias árabes, cujas
liberdades partidárias são praticamente nenhuma, a única forma de uma parte da
população expressar-se acaba sendo por essa Irmandade.
Não fiquei surpreso com o fato do
seu braço político recém legalizado no Egito e na Tunísia terem ficado em
primeiro lugar nas eleições ocorridas recentemente após a queda dos ditadores
desses países. Não havia outra forma de expressão política além do islamismo,
além da máscara de apelo ao Islã fundamentalista.
No entanto, é preciso deixar
claro. Em que pese esse pessoal ter jogado algum papel na resistência à ditadura
Mubarak, sempre fez acordos com ele. Aceitavam as regras do jogo, qual seja, que
a oposição ao ditador pudesse chegar a no máximo 20% dos votos - eleições
fraudadas - tanto para presidente como no parlamento.
A Irmandade é uma organização
conservadora, que prega o fundamentalismo islâmico mais próximo do Wahabiya -
linha da família Al-Saud, portanto sunitas. Sempre foi e sempre será
anticomunista. Por baixo do pano sempre fez acordos, inclusive com o
imperialismo britânico e mais recentemente o norte-americano. Seus líderes
rapidamente disseram, depois dos resultados das eleições parlamentares no Egito,
onde venceram, que não romperiam o acordo de paz com
Israel.
Hoje, na Síria, os principais
líderes da insurreição interna, que organizam os ataques terroristas aos prédios
públicos, oleodutos, gasodutos, escolas e hospitais, são membros da Irmandade.
Lamentável. Mas é a verdade amplamente documentada, mas omitida pela grande
imprensa.
Oposição síria no exterior |
Mas a grande imprensa não mostra
isso.
É preciso que se diga. Há duas
oposições na síria hoje. Uma interna e outra que funciona apenas e tão somente
no exterior.
A que tem sede no exterior, seus
escritórios ficam em Londres, Paris e Istambul. Esta não tem credibilidade
alguma. Financiada pelas monarquias do Golfo e pelo Departamento de Estado -
amplamente documentado - elas vivem para dar entrevistas na grande mídia
internacional, que repercute amplamente essas "reportagens". No Brasil, a Folha
e o Estadão publicaram várias delas. Todas falsas, sem provas, com "líderes" que
nunca ninguém viu. É uma oposição sem respaldo algum junto ao povo sírio.
Defende abertamente uma resolução no CS/ONU que abra a possibilidade - que eles
tanto sonham - da OTAN atacar a Síria. Como acreditar em "lideranças" que pedem
que potências estrangeiras bombardeiem seu próprio país, ainda que a pretexto de
"proteger civis inocentes"?
Há outra oposição. A interna. No
entanto, esta também se divide em duas grandes partes. Uma delas, participa do
chamado Diálogo Nacional. Há uma mesa de negociações formada pelo governo da
Síria. No rumo das mudanças que o país precisa de fato. E, tais mudanças, vêm
ocorrendo (falaremos disso mais à frente). Não se sabe o tamanho dessa oposição.
As eleições marcadas para o mês que vem devem mostrar a dimensão dessa oposição.
Essa oposição prega a construção de um governo de unidade nacional. Em hipótese
alguma defende a intervenção externa. Diz que os problemas dos sírios devem ser
resolvidos pelos próprios sírios, sem ingerência externa.
A outra parte da oposição interna,
não dialoga com o governo. Esta radicalizada. Arma-se até os dentes e apoia a
sabotagem de prédios públicos. Alia-se com o autointitulado Exército da Síria
Livre e com o Conselho Nacional Sírio. Prega também abertamente a intervenção
externa, ainda que não de forma clara defenda os ataques da OTAN. Faz, na
prática, o jogo das potências imperialistas.
A oposição não se unifica. Há pelo
menos 53 grupos políticos e tendências atuando de forma conflitiva no tal
Conselho Nacional Sírio, organismo criado no exterior e apoiado pelos EUA. Em
reuniões com autoridades europeias, essa tal oposição exige que sejam feitas
várias reuniões, pois eles não conseguem sequer sentar-se à mesma mesa. Não há
unidade política entre eles. Talvez o único ponto em comum seja remover Assad do
poder. Nada mais. Mesmo que as reformas sejam profundas - como esta ocorrendo de
fato - isso hoje pouco importa. A única agenda, a agenda da CIA, dos EUA, de
Israel, da Casa de Saud e do Mossad é mudar o regime. Nada mais lhes interessa.
Tanto a externa, quanto à interna
que não dialoga com o governo, possuem amplo e plena interlocução em especial
com os EUA, Inglaterra e França.
9. Bashar Al-Assad é um sanguinário
e genocida - Mentira.
É evidente que os processos
eleitorais tanto na Síria quanto em qualquer país árabe não seguem os padrões
que vivemos no Brasil e no Ocidente. No entanto, não se pode falar em democracia
na Síria e não se falar desse tema nos outros países árabes. Mesmo no Ocidente.
Agora mesmo na Grécia se pede inclusive suspensão das eleições para que um
possível novo governo de oposição não rompa os acordos de traição nacional que
estão sendo assinados às claras e abertamente.
Os mesmos monarcas que falam em
"democracia" na Síria, são os que mais reprimem seus próprios povos, como na
Arábia Saudita, Qatar e Bahrein. Essa gente não tolera manifestação, não tolera
povo organizado. Essas monarquias sequer possuem parlamento funcionando,
partidos políticos são proibidos.
Em que pese todas as restrições às
amplas liberdades na República Árabe da Síria, esse país ainda é o mais livre em
termos de funcionamento de partidos políticos em todo o Oriente Médio. São oito
os partidos políticos existentes e legalizados. Claro, o Partido Socialista
Árabe Sírio, o Baath é o maior e do governo. Esta no poder há pelo menos 42
anos. Mas temos dois partidos comunistas no país funcionando. Temos o Partido
Nacional Sírio e outros. Depois dos pleitos por reformas amplas, outros cinco
partidos foram legalizados, ampliando para 13 o número de partidos com direito a
concorrer nas próximas eleições.
O relatório dos observadores da
Liga dos Estados Árabes - 160 pessoas que ficaram na síria por trinta dias -
menciona em uma parte que contataram e viram funcionando 147 órgãos de imprensa
nesse país árabe! Entre rádios, TVs e jornais que circulam
amplamente.
Bem ou mal, as eleições para o
parlamento sírio ocorrem a cada quatro anos e os oito partidos funcionam
livremente. Não é a democracia mais avançada, popular, que defendemos, mas não
se pode dizer que as restrições são totais. Há muito que se fazer. E esta sendo
feito. Mas, a grande imprensa não divulga uma só linha sobre tudo isso. Chegou
às minhas mãos - nunca divulgadas pela grande imprensa - um conjunto de 33
grandes medidas, ações governamentais, decretos e leis adotadas entre abril de
2011 e fevereiro de 2012 que mudam completamente a realidade política desse país
árabe.
E não se pode falar em apoio pela
metade, parciais. Apenas a Síria, em sua capital, funcionam escritórios de todas
as organizações da resistência palestina. O enfrentamento que o povo e o governo
da Síria vêm dando à Israel, contra as ocupações que o estado sionista faz em
terras árabes é o maior que se te visto em todo o OM.
Desde a derrubada do governo de
Saddam Hussein e seu assassinato, que procurava dar enfrentamento à ocupação
estadunidense de toda a região; desde a queda e o assassinato de Muammar
Khadaffi em outubro passado, um a um foram caindo todos os focos de resistência
ao imperialismo estadunidense e à Israel. Restou a Síria. É preciso instalar
governos dóceis aos norte-americanos e aos sionistas em todo o mundo árabe para
que se complete seu projeto neocolonial na região.
E é preciso deixar claro: derrubar
Bashar hoje significa enfraquecer a resistência libanesa e palestina e isolar
completamente o Irã! Quem não compreender essa geopolítica no OM não entende
nada nem de OM nem de política internacional!
Aqui é preciso esclarecer muitas
coisas. Ainda que isso possa parecer inacreditável, para quem foi bombardeado
durante anos com a informação de que a rede Al Qaeda de Osama Bin Laden sempre
foi uma rede terrorista, que teriam feito os atentados às torres gêmeas em 11 de
setembro de 2001, isso pode parecer mesmo um verdadeiro absurdo. Mas não
é.
Escritores, jornalistas
independentes e intelectuais progressista a cada dia vêm trazendo informações
precisas e importantes que comprovam essa informação. E os próprios comunicados
da organização Al Qaeda pelo seu novo "comandante", o médico pediatra egípcio
Ayman Al Zawahiri atestam isso. Textos recentes da lavra desse senhor ou a ele
atribuídos, mencionam a importância fundamental da derrubada do governo sírio em
aliança com as forças do autoproclamado Exército Síria Livre. E essa organização
prega o Estado Islâmico.
Essa organização faz questão de
não dialogar com o governo. Foi assim na Líbia quando ela apoiou abertamente a
queda de Khadaffi e fez aliança com as forças da OTAN. Agora, da mesma forma,
conversações de alto (?) nível entre emissários dessa organização militar
europeia - agora mundial! - com líderes da Al Qaeda que atuam na Síria mostra
essa aliança, que é abastecida fartamente com dólares do petróleo árabe das
monarquias do Golfo e dinheiro da CIA e do Mossad de Israel, via território
curdo.
Como diz Pepe Escobar, combativo
jornalista brasileiro correspondente do Asia Times, "quem imaginaria que o que a
Casa de Saud deseja ver na Síria é exatamente o que a Al Qaeda deseja para a
Síria? Quem imaginaria que o CCG e a OTAN desejam para a Síria é o mesmo que a
Al Qaeda deseja para esse país?".
É lamentável ter que reconhecer
isso, mas o governo de Recep Tayyip Erdogan, cujo partido governa a Turquia há
quase nove anos (desde 14 de março de 2003), com o seu Partido da Justiça e do
Desenvolvimento - PJD (em turco AKP, ou Adalet ve Kalninma Partisi), tem outros
projetos para seu país e para uma liderança de toda a
região.
Como bem sabemos, a região do OM é
habitada por diversos povos. Além do árabe, que são a esmagadora maioria, temos
ainda os persas (Irã), os judeus (Israel) e os turcos na Turquia, que é um país
laico (apesar de 97% da população pertencer ao islamismo sunita) e foi
ocidentalizado de tal forma que até seu alfabeto foi modificado. A separação das
entidades e instituições religiosas do Estado é absoluta. No entanto, com
Erdogan isso vem sendo gradativamente modificado.
Na verdade, esse Partido vem
vencendo as eleições por, gradativamente, ir modificando o cenário turco de tal
forma que boa parte da população já admite certa islamização da sociedade. A
imprensa apresenta Erdogan como membro de um partido "muçulmano moderado" (sic)
sabe-se lá o que isso significa.
No entanto, o grande sonho, o
grande projeto desse Partido, o AKP (em turco), é integrar-se à Europa. Isso o
falecido cientista político estadunidense Samuel Huntington já havia previsto em
seu artigo clássico da Foreing Office de 1995 que causou polêmica acadêmica no
mundo todo intitulado Clash of
Civilization (Choque de Civilizações, posteriormente transformado em livro
pela Editora Objetiva, em 1997).
A crítica que a Turquia receberia
desse intelectual era de que o país viraria as costas para o mundo islâmico e
teria maiores interesses em olhar para a Europa. Hungtinton afirmaria - quase
que como uma profecia - que ele nunca seria admitido na Europa, por ser o
continente extremamente preconceituoso, cristão e antiislâmico, por mais que a
Turquia fosse um país laico. Sabe-se que o Vaticano se pronuncia contra o
ingresso da Turquia na Europa. Era discreto com João Paulo II e agora é aberto
com Bento XVI.
Nesse sentido, desde 2003 Erdogan
vem se aproximando da Europa. Seu país é membro da OTAN e tem bases militares
dessa organização militar, antes contra a URSS e hoje contra qualquer mudança
progressista ou revolucionária em qualquer país do mundo. Chegou a ensaiar
passos contra Israel. Não é para menos. O governo sionista de Netanyahú
interceptou em 2010 uma flotilha de vários navios e fuzilou nove cidadãos
turcos. Erdogan teve que subir o tom. Chegou a jogar um papel importante na
tentativa de tirar o Irã do isolamento em seu programa nuclear que contou com o
apoio de Lula do Brasil.
Mas, mudou de posição. Voltou ao
que sempre foi. Tem um sonho de ser a grande liderança do Oriente Médio e dos
árabes inclusive. Baixou completamente o tom de voz contra Israel. Apoiou os
ataques da OTAN/Europa à Líbia e apoia abertamente a derrubada do governo da
Síria em uma clara ingerência nos assuntos internos de um país vizinho que teria
que respeitar. Dá abrigo ao exército mercenário estacionado nas suas fronteiras
com a Síria. Faz uma manobra arriscada. Coloca em pé de guerra todos os milhões
de curdos que vivem em território turco que odeiam o seu governo (pelo menos na
Síria eles são melhores tratados). A política de Erdogan de "zero problemas com
os vizinhos" hoje vemos uma situação de "zero amigos".
Talvez sonhe com a volta do
império turco-otomano. Mas não há espaço para isso. Ele terá que fazer escolha.
E, neste momento, vem escolhendo o que tem de pior para o mundo árabe e para
toda a Ásia, qual seja, uma aliança tácita com o imperialismo estadunidense e
europeu. Lamentamos por isso.
13. Relatório sobre a Situação da
Síria só Vale Quando Fala Mal do Governo - Verdade.
Dois relatórios foram produzidos
nos últimos 90 dias sobre a Síria. Um, da lavra do representante da ONU para
Direitos Humanos na Síria, o brasileiro e meu colega sociólogo Paulo Sérgio
Pinheiro, da USP e outro, assinado pelo general sudanês, Mohammed Ahmad
Al-Dabi.
Escrevi um artigo sobre o primeiro
relatório. O Prof. Paulo Sérgio sequer entrou na Síria, mas escreveu sobre o que
não viu. Fez um relatório faccioso, tendencioso, parcial. Não ouviu ninguém do
governo, apenas opositores no exílio. Tal relatório foi amplamente saudado pela
imprensa internacional como "equilibrado". Atacava o governo de todas as formas
possíveis.
O outro relatório foi feito sob a
coordenação do experiente general sudanês, ex-presidente de seu país. A comissão
formada era oficial da Liga Árabe. Era integrada por 160 pessoas. Passaram
trinta dias na Síria. Visitaram várias cidades, ouviram oposicionistas e o
governo. Não constataram a violência que o mundo diz haver no país. Não
atestaram o número exorbitante de mortos que a imprensa ocidental divulga. Ao
contrário. Constaram sim milhares de mortos das forças regulares, do exército e
da polícia. Presenciaram milhões nas ruas em apoio ao governo do Dr. Bashar.
Mas, como disse Kissinger em recente artigo o governo é amado pelo povo, mas
mesmo assim tem que cair (sic). Esse foi o relatório que apontou a existência de
147 órgãos de imprensa funcionando livremente na Síria.
Imediatamente, a Liga Árabe, que
representa hoje apenas as petro-monarquias do Golfo e os interesses da OTAN
prontamente rejeitou tal relatório, levando o seu presidente a renunciar aos
trabalhos. De fato, dois pesos e duas medidas. Só não vê quem não quer.
14. Os EUA vivem uma Indignação
Seletiva - Verdade.
Nunca a famosa frase de "um peso e
duas medidas" ficou tão claro e tão evidente como no momento atual da diplomacia
norte-americana com Barak Obama. Seus planejadores do Pentágono e do
Departamento de Estado são hoje mais ideólogos que planejadores. São seletivos
em suas análises, facciosos.
Colocam-se contra o Irã e seu
programa nuclear pacífico, mas nada falam sobre as duzentas ogivas nucleares que
Israel possui. Falam o tempo todo contra o "ditador" Bashar, mas não se
pronunciam contra as monarquias absolutistas, obscurantistas, fascistas e
feudais do Golfo, por estes serem seus aliados, amigos e pró-Israel.
Pronunciaram-se contra a "repressão" na Síria, mas calaram-se com o massacre dos
xiitas no Bahrein. Falam contra o uso das forças armadas sírias que defende o
país, mas calam-se contra a invasão que as forças armadas sauditas fizeram no
Bahrein, sede da 5ª Frota dos EUA que patrulha o Golfo Pérsico-Arábico. Abusam
do direito de veto no CS/ONU em favor de Israel, mas indignam-se contra um veto
exercido dentro das regras previstas na Carta das Nações usado pela China e pela
Rússia.
15. Terroristas agem abertamente na
Síria - Verdade.
Ayman al-Zawihiri, comandante da al-Qaeda |
A grande imprensa apenas acusa o
governo de matar dezenas, centenas de cidadãos. No entanto, ela tem sido
obrigada a noticiar mais e mais atentados terroristas contra prédios públicos,
oleodutos, gasodutos, escolas e até mesmo hospitais. São feitos por mercenários
contratados a peso de ouro pelo obscuro Exército da Síria Livre. O objetivo
desses ataques é quebrar a infraestrutura do país e jogar a opinião pública
contra o governo.
É preciso destacar que a ação
desses grupos mercenários conta com apoio e total suporte da OTAN que os treina
e financia, a partir de acampamentos na fronteira da Turquia. Estão envolvidos
nessa operação a CIA e o MI6 inglês, além, claro, como sempre, o Mossad de
Israel. Isso não vem surtindo efeito. Ao contrário. Pesquisas confiáveis de
opinião mostram o grande apoio da opinião pública ao governo.
Conclusões
Nunca tivemos dúvidas, desde o
início do processo da Revolução Árabe, que a Síria viveria uma situação
distinta, particular. O caráter de um governo se mede pelas tarefas que assume,
pelos seus objetivos, pela ação que pratica. Por isso nunca duvidamos do caráter
antiimperialista, popular e em defesa dos palestinos que o governo da família
Assad sempre expressou.
Defendemos, tal qual as
organizações sindicais, populares e os partidos comunistas da Síria, reformas
profundas no país, ampliação das liberdades políticas e de organização. No
entanto, não podemos somar nossas vozes com grupos terroristas, mercenários à
soldo do imperialismos de todas as matizes, sejam eles norte-americano, inglês
ou francês. Não bastasse isso, já esta claro mais que provado por diversas
fontes, a ampla aliança da Al Qaeda com a OTAN. E somado a isso, os serviços
secretos da CIA, MI6 e Mossad israelense.
Somamos nossas vozes às do povo e
do governo da Síria, em seu projeto em defesa da soberania nacional e sua
autodeterminação. Não à ingerência estrangeira nos assuntos internos da Síria.
Apoiamos e defendemos o diálogo nacional. Apoiamos as eleições livres que
ocorrerão no mês que vem, sob nova e democrática constituição da República Árabe
da Síria.
Ao que tudo indica, o jogo parece
que vai terminando. E com uma derrota fragorosa para as forças imperialistas e
sionistas. Para as forças que querem barrar o avanço da Revolução Árabe. A
Rússia e China estão resolutas em não apoiar qualquer intervenção externa na
Síria. Já chega de destruição de uma nação árabe. Não ficou pedra sobre pedra no
Iraque. Agora a mesma coisa na Líbia, antes o país de maio IDH de toda a África.
Sem falar na própria destruição do Afeganistão. Agora querem destruir e tomar a
síria, último bastião e pilar do verdadeiro nacionalismo e panarabismo, herdados
de Gamal Abdel Nasser. A oposição externa já perdeu as ilusões de apoios. Até
Sarkouzy já disse que não se ganha uma guerra de fora do
país!
A OTAN não tem como intervir e já
disse isso com todas as letras. Resta-lhes apoiar os terroristas da rede Al
Qaeda, financiada pela CIA. A Turquia vai acabar tendo que retirar todo seu
apoio aos mercenários recrutados pelos dólares sauditas, a que ela vem chamando
de Exército da Síria "Livre" (Free Syrian Army - FSA em inglês). Vai ficando
isolada e sem amigos no OM.
O risco de um conflito regional no
OM, que já foi maior, deve estar sendo redimensionado pelos tais planejadores de
Washington. Não há como um conflito dessa natureza deixar de fora as capitais
Tel Aviv, Riad e Ancara. Um incêndio de razoáveis proporções.
O CS/ONU e a Liga Árabe (do
Golfo...) não conseguem mais executar a política estadunidense. Não pelo menos
com antes, com a desenvoltura anterior. Há resistências da Rússia e China e
agora do Líbano, Iraque, Argélia, do Irã e da própria Síria e do seu bravo povo.
A Liga Árabe acabou. Precisará ser, no futuro, recomposta ou outra organização
surgirá. Hoje, é palco para monarquias fascistas, feudais, como as da Arábia
Saudita e do Qatar.
O governo da Síria, sob o comando
do seu jovem presidente, o médico Bashar El Assad, segue no caminho da tentativa
de pacificação do país. Mais de 30 decretos, portarias e novas leis, editadas em
oito meses vão reformando o regime, o governo, o país, dando-lhes feições mais
modernas e democráticas. Avança o diálogo nacional com todas as organizações,
governamentais ou não, no rumo de eleições democráticas, nova constituição e
eleições presidenciais em 2013. Novos pactos, novas alianças, regionais e
internacionais, devem atender aos interesses dos sírios. Novos acordos
econômicos com países amigos, em especial Rússia e China, devem ser assinados em
breve.
Quero registrar meu profundo
lamento a uma esquerda que não consegue compreender a dimensão do que está em
jogo naquela região e insiste em somar suas forças, pequenas é verdade, às do
império estadunidense e seus lacaios, tentando derrubar o governo patriótico da
Síria.
Posso estar enganado, mas contas
feitas pelo imperialismo e sionismo, pela direita islâmica, o melhor mesmo
talvez seja melhor bater em retirada. Difícil prever em detalhes, mas é esse o
cenário que vislumbramos.
Autor: Lejeune Mirhan - Sociólogo, Professor,
Escritor e Arabista. Colunista de Oriente Médio do Portal
da Fundação Maurício Grabois.
Colaborador da Revista Sociologia
da Editora Escala.
E-mail: lejeunemgxc@uol.com.br
Fontes Pesquisadas e
Citadas
Aisling Byrne. “Mudança
de regime na Síria” do Asian Times Online, de 4 de janeiro de 2012; redecastorphoto;
Assad Frangiéh, em “Editorial, O começo de um fim” em 21/2/2012. Agradeço ao Dr. Assad em particular por observações na primeira versão deste trabalho;
Camila Carduz. “Irã promete
apoiar resistência libanesa e palestina contra Israel”. Prensa Latina em
15/2/2012;
Evguêni Satanóvski, Presidente do Instituto de Estudos sobre o OM: Atual estratégia russa para o Oriente Médio permite ao país salvar as aparências e ganhar tempo. 13/2/2012;
Robert
Fisk “Bashar Al-Assad não sairá. Não, pelo menos,
agora”. The Independent em 9/2/2012; redecastorphoto;
Sharmine Narwani. Veterano
diplomata americano questiona a narrativa sobre a Síria. Al-Akhbar,
Beirute em 10/2/2012;
redecastorphoto;
Observação: os artigos traduzidos
para o português sem menção de páginas da Internet foram realizados pelo
coletivo de tradutores da Vila Vudu, a quem de público
agradeço.
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