29/2/2012, *Yuan Hui, Global Times,
Pequim
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
*Yuan Hui é
pós-graduado em Filosofia na Universidade de Tübingen,
Alemanha
Aos
olhos ocidentais, os chineses não são suficientemente abertos para a história.
Morei na Alemanha por vários anos e sei, por experiência direta, que os alemães
são perfeitamente bem informados sobre as atrocidades que os japoneses cometeram
contra a China nos anos 1930s e 1940s. Mesmo assim, não entendem por que a
opinião pública chinesa ainda dá sinais de revolta contra eventos que vitimaram
seus avôs e bisavôs.
É
compreensível. Afinal, o perdão é ensinado como virtude no Cristianismo e no
Confucionismo. A II Guerra Mundial acabou há décadas, e muitos jovens alemães já
começam a protestar contra o tempo, que consideram excessivo, que seus livros de
história dedicam aos nazistas.
Comparados aos alemães, os japoneses são bem menos
autocríticos. Para aspirar ao perdão histórico, é indispensável que os
perpetradores de atrocidades mergulhem fundo na autorreflexão. Se, digamos, o
prefeito de Stuttgart questionar publicamente a existência de Auschwitz em
reunião com visitantes israelenses, em pouco tempo estará desempregado, com a
sanidade mental posta sob suspeita. No Japão, o prefeito de Nagoya, Takashi
Kawamura [1] ,
continua prefeito e ninguém o declarou insano, apesar de Kawamura ter negado o
Massacre de Nanquim [2].
Alemães
e outros ocidentais conhecem bem os eventos do Massacre de Nanquim, quando
centenas de milhares de civis chineses foram assassinados e houve atos de
estupro em massa. Livros como The Rape of Nanking [O estupro de
Nanquim], de Iris Chang; filmes como John Rabe [3]
e
documentários como
Horror in the East [4],
de Laurence Rees, foram lidos e assistidos por milhões, nos EUA e na
Europa.
Mas
mesmo os alemães que conhecem bastante bem a história do Leste da Ásia não
entendem os motivos pelos quais os chineses continuam indignados com o que os
japoneses fizeram contra a China. Argumentam que, embora para os chineses a
autocrítica dos japoneses sobre o que fizeram à China seja confusa e
insuficiente, a maioria do público japonês mobilizou corações e mentes e
refletiu sobre a guerra contra a China; por isso, palavras ditas ao vento por um
ou outro político japonês de modo algum manifestariam o sentimento de todos os
japoneses.
Aos
olhos dos alemães, os conflitos entre Japão e China estão mais próximos de
desentendimentos culturais: os japoneses valorizariam muito a contenção e a
impassibilidade de rostos e gestos; enquanto os chineses dariam mais importância
às emoções. Muitos alemães dizem que os chineses, quando conseguirem acalmar-se,
entenderão que não há ‘o certo’ e ‘o errado’ absolutos e imutáveis; e porão de
lado as emoções. Muitos acreditam que os chineses devem aprender a compreender o
modo de pensar dos japoneses; para evitar que se repitam e perpetuem-se os
mal-entendidos.
Devo
dizer que todos os que assim argumentam continuam a ver o mundo pelos olhos dos
japoneses. Da perspectiva dos chineses, é muito difícil esquecer os horrores
históricos, mas também e sobretudo é difícil compreender algumas emoções que
prevalecem hoje na sociedade japonesa. Por que políticos que dizem o que dizem
não são criticados pela sociedade? Por essas e outras, boas razões têm os
chineses para não aceitar como profunda e sincera a autocrítica dos japoneses.
Nação que autenticamente se tivesse arrependido de feitos passados, não
admitiria que o passado fosse negado, sequer em nome de apagar os próprios
crimes históricos, e mesmo que a negação viesse apenas de alguns
poucos.
Muito
frequentemente os chineses perguntam-se: por que o ocidente não conhece aquele
horrendo capítulo da história humana? É um falso problema. O ocidente sabe de
tudo aquilo; apenas não dá àqueles fatos a mesma importância que os chineses
lhes damos. Por mais que eventualmente se interesse pelo Massacre de Nanquin, o
ocidente, tendo de escolher entre (i) os japoneses que tanto falam das muitas
desculpas que pediram ao longo dos anos, e (ii) os chineses, para os quais
aquelas desculpas “não são sinceras”, o ocidente escolhe compreender os
sentimentos japoneses, não a indignação dos chineses.
Não
que os observadores ocidentais não sejam simpáticos à China. Mas sempre que
investem suas simpatias, as escolhas ocidentais são afetadas pelo que os mais
firmes aliados do ocidente sintam, pensem ou digam, nos campos cultural e
político. Na literatura e no cinema ocidentais há muitíssimos livros e filmes
sobre a tragédia histórica de 6 milhões de judeus europeus mortos no Holocausto;
mas as dezenas de milhões de soviéticos ou de europeus do leste, vítimas também
dos nazistas, recebem divulgação sempre muito mais
modesta.
Também
aos chineses acontece de mudarem de perspectiva conforme o povo que tenha sido
massacrado. Algum chinês algum dia realmente se preocupou com os milhões de
nativos norte-americanos massacrados no percurso dos europeus que conquistavam o
Novo Mundo? Ou com os milhões de africanos arrancados da África e vendidos como
escravos na América?
Por
tudo isso, por que seria indispensável que os ocidentais se preocupassem com
chineses massacrados? Observadores externos sempre ouvem os poderosos, quando
manifestam e empenham suas solidariedades; e sempre ignoram o medo e a ira dos
fracos. Os chineses devem, isso sim, considerar a história.
Há
muita estrada a percorrer, antes que a justiça e a consciência globais aprendam
a prestar atenção a todas as vítimas em todos os casos, não apenas a algumas das
vítimas, e, entre as vítimas sempre mais prestigiadas, muito mais a algumas, que
a outras.
Notas
dos tradutores
[1]
Dia
20/2/2012,
Takashi Kawamura, em solenidade na qual recebia uma delegação oficial da China,
disse que “o chamado Massacre de
Nanquim provavelmente nunca aconteceu”. A delegação chinesa retirou-se do evento
e no dia seguinte, 21/2, os chineses suspenderam formalmente os contatos
oficiais entre Nagoya e Nanquim [Leia
mais sobre o incidente] .
[2]
“O Massacre de
Nanquim (Nanjing, em chinês) foi um crime de guerra genocida
cometido pelo exército imperial japonês em Nanquim, então capital da República
da China, após a cidade ter sucumbido ao ataque japonês no dia 13/12/1937. Não
há consenso sobre a duração do massacre, embora a violência tenha perdurado por
seis semanas, até o início de fevereiro de 1938. Durante a ocupação de Nanquim o
exército japonês cometeu numerosas atrocidades, como estupros, saques, incêndios
criminosos e a execução tanto de prisioneiros de guerra quanto de civis.
(...)
Em
janeiro de 1938, Harold Timperly, jornalista ocidental que estava na China
durante a invasão japonesa e baseada em relatórios de testemunhas
contemporâneas, noticiou que o número de mortos chegava a 300 mil (...). Em
12/12/2007, documentos recém-liberados pelo governo americano revelaram uma
contagem adicional de cerca de 500 mil mortos pelos japoneses, ao redor de
Nanquim, antes da ocupação. (...) As informações sobre a duração do massacre de
Nanquim diferem, mas, de acordo com relatos de sobreviventes, documentários e
manuais de escolas públicas chinesas, acredita-se que tenha durado cerca de dois
meses, de dezembro de 1937 a fevereiro de 1938. (...) Os
motivos que teriam levado os japoneses aquele nível de violência nunca foram
esclarecidos ou questionados por autoridades internacionais – o que tem
provocado instabilidade em relações diplomáticas entre os países da
Ásia.
[3] John Rabe, filme de 2009 -
“Tendo
vivido 28 anos em Nanquim, trabalhando na construção e depois na administração
de uma gigantesca fábrica da Siemens, em Nanquim, John Rabe, engenheiro alemão,
recebe ordens do novo regime nazista para fechar a fábrica. Antes de poder
cumprir a ordem, o exército japonês, liderado não oficialmente por um tio do
imperador, excepcionalmente violento e sanguinário, sitiou a cidade. Na
qualidade de destacado representante na cidade de um dos principais aliados
europeus do Japão, Rabe aceita a tarefa de chefiar a organização de uma zona
internacional na cidade, como fora feito, com sucesso em Xangai. Mas o projeto
pessoal de Rabe é usar todos os meios ao seu alcance para salvar os operários
com os quais trabalhava e respectivas famílias (no total, mais de 200 mil
chineses) e, para isso, sacrifica seus interesses pessoais”.
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