domingo, 11 de março de 2012

Quando a visita esquece de ir embora...


11/3/2012,* MK Bhadrakumar, Indian Punchline Blog
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Há menos de duas semanas, escrevi que:

“É importante que os soldados norte-americanos não se envolvam em “matanças de vingança”. [O general] Allen teve de acorrer pessoalmente a uma base avançada dos EUA na província de Nangarhar, para acalmar os soldados. Não estamos no cenário no qual Francis Ford Coppola filmou o épico Apocalypse Now da guerra do Vietnã. Mas já quase se ouve a Cavalgada das Valquírias, tocada nos alto-falantes dos helicópteros norte-americanos”. [1]

OK. Agora já se ouviu aquele helicóptero. Hoje cedo, antes de raiar o dia, um soldado norte-americano no Afeganistão, saiu sem ser visto de sua base militar com sua arma, foi até a vila próxima de Najibyan no distrito Panjwayi em Kandahar, e pôs-se a atirar a esmo contra afegãos. Segundo as primeiras notícias, foram mortos “pelo menos 17” [2] civis, e cinco outros foram feridos. A moral dos soldados norte-americanos está desmoronada.

Sir William Patey
Eles percebem que o povo afegão os vê como ocupantes e só os querem pelas costas, que vão para onde for, desde que deixem em paz aquela terra. Aliás, é o que pensa também o embaixador britânico no Afeganistão, Sir William Patey, cuja entrevista ao Sunday Telegraph  [3], ironicamente, só foi publicada hoje.

Para sermos justos, o presidente Barack Obama dos EUA também já sabe que essa ocupação do Afeganistão tem de acabar, e quanto antes, melhor. Na cacofonia que envolve a situação no Irã e na Síria, poucos prestaram atenção ao que Obama disse – e ao tom em que disse – quando perguntado sobre o Afeganistão em conferência de imprensa, 3ª-feira passada [4].

Obama destacou que “a função de combate” das tropas da OTAN terminará em 2014. Reconheceu que Karzai está “ansioso” para que o lado afegão assuma “mais responsabilidade”. Disse que será encontrado um “mecanismo” pelo qual “os afegãos entendam que sua soberania está sendo respeitada”. Obama prometeu: “Não estamos interessados em permanecer lá [no Afeganistão] por mais tempo que o necessário para garantir que a al-Qaeda não esteja operante e haja suficiente estabilidade para que não haja lá uma terra de ninguém”.

Barack Obama
Vejam bem. Obama estava respondendo a perguntas fortes sobre o episódio recente de queima do Corão e a violenta irrupção de ira popular que se seguiu. Mas não havia qualquer paixão na voz de Obama, nem convicção nem fé. Apenas puro, simples, indisfarçável alívio por aquilo estar afinal acabando e porque, afinal, pode ter esperanças de deixar o Afeganistão para trás, como o Iraque. 

O soldado, na remota base em Kandahar, sente e entende que está voltando humilhado para casa – e lá, deitado, olhando a noite à sua volta, sem conseguir nem dormir nem esquecer, perguntou-se por que seus amigos e companheiros lá estariam para morrer em vão, em terra distante e nada acolhedora. E decidiu que podia, ele mesmo, reverter a derrota.



Notas dos tradutores
[1] 28/2/2102, “Cabul no fio da navalha”, Asia Times Online, traduzido. 
[2] 11/3/2012, Xinhuanet, Pequim, em: 17 civilians killed in Afghan Kandahar province”. 
[3] 11/3/2012, “Nosso grande erro foi assumir que vencemos no Afeganistão”, Daily Telegraph, Londres, em: Our big mistake was to assume we had won, says British ambassador to Afghanistan (em inglês) (em tradução).
[4] 6/3/2012, White House, “Press Conference by the President”. 

*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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