terça-feira, 13 de março de 2012

Os perigos de “exigir” guerra à Síria, ao Irã

9/3/2012, Leslie H. Gelb, The Daily Beast 
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Não deveria escrever o que aqui vai. Estou violando um código. Estou delatando o mais profundo, o mais sombrio segredo do clã dos especialistas em política exterior: apesar de termos de falar e escrever como se soubéssemos de tudo, a verdade é que sabemos pouco, muito pouco, sobretudo sobre as intenções dos “bandidos” da história e sobre as consequências das guerras. 

Mas, dado que a imprensa-empresa insiste em nos tratar como se fôssemos sábios e em ignorar os horrendos erros que cometemos, nós seguimos com nosso joguinho, e, com isso, provocamos danos terríveis. Aí vão alguns exemplos recentes de o quanto somos ignorantes e perigosos, e de por que todo o público externo deve desconfiar muito e guardar a máxima cautela sempre que ouvirem ou lerem “verdades” e “conclusões” e “certezas” enunciadas pelo meu clã de especialistas.

Sen. Lindsey Graham, R-Carolina do Sul, exibe foto de um míssil iraniano coberto com propaganda anti-Israel, no Capitólio, em Washington, 3ª-feira, 16/2/2012   
(Foto J. Scott Applewhite / AP Photo)
Tomem o caso do Irã. Os que mal podem esperar para atacar o Irã e iniciar uma guerra dizem-nos que Teerã está a três segundos, três meses ou três anos, ou um ano, de ter uma bomba atômica. Acreditem: dizem, sem ter jamais visto um fiapo de prova do que dizem. Dizem, exclusivamente, porque trabalham para empurrar Israel e os EUA para um ataque militar contra o Irã.

O que todos sabemos com certeza é pouco: o Irã está enriquecendo urânio e tem capacidade para enriquecer quantidade suficiente de urânio para fabricar bombas nucleares dentro de – talvez – um ano, dois anos, talvez mais tempo. É possível que o Irã esteja desenvolvendo outras capacidades necessárias para pôr aquele urânio em forma de bomba ou míssil e instalar a bomba ou míssil num equipamento de transporte e detonação. Essa é a informação que nos chegou, até agora, por vídeos e áudios da inteligência.

Essas atividades são motivo para preocupações? Sim, sem dúvida. Mas não são motivo para guerra ao Irã, nem agora nem em breve. São motivo, sim, para que EUA, Israel e outras nações procurem acumular mais e mais informação confiável, e para que ponham a funcionar os órgãos de diplomacia. De diplomacia, é claro, porque se pode discutir até o dia do Juízo Final sobre o que têm e planejam os iranianos, mas só se formos capazes de oferecer propostas que se possam discutir e analisar teremos meios para testar nossas hipóteses. Se o Irã rejeitar propostas razoáveis, então, sim, haverá motivos para suspeitas, e a guerra poderá começar a impor-se como última via inafastável.

Devo dizer que essa não é posição só minha. É posição também consensual nas agências de inteligência dos EUA. E não há de ser por acaso que, desde alguns dias, até veteranos espiões israelenses, notórios cérebros da inteligência de Israel e militares de alta patente tenham-se posto a gritar de todos os telhados, publicamente, em movimento tradicionalmente oposto ao código de silêncio que rege esses assuntos.

Os falcões linha mais dura, israelenses e norte-americanos não se cansam, por sua vez, de dizer que não há motivos para que nos preocupemos com as consequências de atacar o Irã; que os iranianos não podem fazer, ou não se interessarão por fazer coisa alguma que nos cause grave dano. Epa! Protejam a cabeça e o bolso! Como poderiam saber se Teerã, se for atacada, não decidirá retaliar e atacar, digamos, campos de petróleo sauditas ou iraquianos, lançando os preços de petróleo à estratosfera? Ou como alguém pode saber se os terroristas não optarão por atacar norte-americanos, israelenses e outros, em todos os cantos do mundo? Sim, é claro: eu também não sei. Mas esses são riscos reais que é preciso reconhecer e aceitar, antes de decidir atacar o Irã.

Ou tomem o caso da Síria. Os gêmeos pró-guerras-em-geral, senadores John McCain e Lindsey Graham, além da usual coorte de neoconservadores desatinados e intervencionistas “humanitários”, bradam a favor de ação militar. Querem ataques aéreos e muitas armas para os rebeldes sírios, querem “zonas aéreas de exclusão” e coisa e tal e tal. Não suportam que o presidente Bashar al-Assad ataque o próprio povo. Nem nós. Nem ninguém. 

Mas... Por que os neoconservadores estão tão agudamente preocupados com os vários milhares de sírios mortos, quando se sabe que jamais perderam o sono com os milhões já mortos e outros tantos que continuam a ser mortos na África? Por que os neoconservadores não discursam a favor de armarmos os tibetanos? Fácil: porque não querem guerra contra a China. Por hora, os neoconservadores só querem inflar o orçamento militar dos EUA e que os EUA finquem pé na Ásia. Depois a gente vê o que faz. 

Se não houver oposição clara, se os que são contra guerras não fizerem direito o que têm de fazer, em pouco tempo os EUA estarão novamente em guerra, como aconteceu no Iraque e no Afeganistão. E, outra vez, haverá muito a lamentar.

Assim sendo, é preciso começar a desconfiar de que a obcecação daqueles todos para que Washington “avance” contra a Síria e nos meta em outra guerra inclui algo mais, além de salvar vidas. No caso do Irã: querem enfraquecer a posição do Irã no mundo árabe, ao lado de seu poderoso aliado sírio e ajudado por extremistas apoiados pela Síria, como o Hezbollah no Líbano e o Hamás em Gaza. Objetivo muito nobre.

Mas, também aí, quais as consequências, ou melhor, os riscos, o preço? Os intervencionistas, por exemplo, correram a armar os rebeldes sírios. Oh, nobre povo que combatia a tirania de Assad. Lindo. Mas quem são, afinal, os tais rebeldes? Há elementos da al-Qaeda que também lutam contra Assad? Há outros muçulmanos extremistas, que também se opõem à tirania de Assad? E não serão, se já não forem, ameaça muito mais grave a Israel e outros árabes, como a Jordânia, que o próprio Assad?

Os obcecados-por-guerras dizem que não, não, que ninguém se preocupe... Mas fato é que não sabem responder essas perguntas. E menos ainda sabem o que aqueles “combatentes da liberdade” da Al-Qaeda e outros farão com as armas químicas do arsenal de Assad. Nem os intervencionistas de “intervenção-na-Síria-já” sabem explicar como chegarão por ar à Síria; nem o que conseguirão fazer, no caso de nem ataques aéreos conseguirem impedir que Assad continue a lutar contra a oposição interna.

A lista de perguntas que se deve fazer aos pregadores de guerras “humanitárias” é longa, mas é preciso tê-la pronta e apresentá-la antes que qualquer presidente decida desembainhar a espada. 

Os norte-americanos têm de ser protegidos dessas serpentes mercadoras de petróleo, e só podem contar com o Congresso e com a imprensa, para protegê-los. Congresso e imprensa, portanto, têm de trabalhar muito melhor do que até aqui: têm de arrancar o melhor que os especialistas tenham a oferecer, sobre fatos, sobre opiniões, sobre fatos nos quais basearam suas opiniões. Têm de fazer perguntas fortes, que façam sentido forte, e não podem admitir que qualquer especialista se safe de assumir compromissos difíceis. Infelizmente, nada mais raro do que ver políticos e jornalistas decididos a apertar especialistas. 

Mas, se a imprensa-empresa fracassar outra vez, como já fracassou no Iraque e no Afeganistão, haverá mais guerra. EUA estarão novamente em guerra, como aconteceu no Iraque e no Afeganistão. E, outra vez, haverá muito a lamentar. Mas os intervencionistas “humanitários” que querem guerra-já não lamentarão. Nunca lamentam. Estão dispostos a continuar lutando todas as guerras que apareçam, qualquer guerra, até que apareça alguma guerra, algum dia, que eles “vençam”.

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