22/10/2010, David Kerans,
Strategic Culture Foundation (Excerto)
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
David Kerans é especialista em História da
Rússia e analista financeiro. Foi professor em várias Universidades dos EUA como
Harvard, Yale e Stanford e é atualmente analista de investimentos em Wall Street. Vive em New York
“Isso
parece confirmar nossos piores temores. Longe de ser exercício de administração
de orçamentos para melhorar a eficiência, o que se vê hoje mostra que o governo
planeja fundamentalmente alterar a formatação do estado de bem-estar. Com
aumento previsto no desemprego e cortes de bilhões nos benefícios pagos aos mais
pobres da sociedade, é constrangedor que se estejam considerando as implicações
de afrouxar ainda mais os laços que ainda mantêm coeso o nosso sistema de
justiça criminal.”
(Mark Serwotka, secretário-geral do
Sindicato de Serviços Públicos e Comerciais, respondendo a proposta de redução
de 30% no orçamento do Ministério da Justiça da Grã-Bretanha) [1]
Tomando
emprestada a expressão de Karl Marx, um espectro ronda o mundo: o espectro da
privatização do patrimônio público. Em ritmo acelerado, toda a infraestrutura
que torna possível a civilização – estradas, linhas de comunicações, hospitais,
escolas, distribuição de energia, esgotos etc. – está sendo privatizada, com
sérias consequências para o bem-estar social, hoje e no futuro. A privatização
vem sob várias formas, quase sempre disfarçada sob a fachada das chamadas
“parcerias público-privadas”, “PPP” ou “P3s”. (...)
A
transferência do controle sobre a infraestrutura para o setor privado, e a
imposição de forças de mercado sobre esse setor da economia, é parte integrante
da ideologia pró-mercado e antigoverno que tão profundamente se foi enraizando
no discurso público ao longo das últimas poucas décadas, sobretudo no ocidente.
As P3s, como se ouve tantas vezes repetido, traria o capital privado para salvar
as administrações, locais, regionais e nacionais sempre às voltas com déficits
endêmicos de recursos, para atender às necessidades de infraestrutura. Partes da
infraestrutura existente sempre se tornam obsoleta; novas tecnologias requerem
nova infraestrutura, sempre pressionada por mudanças na economia, na densidade
populacional e na demografia. As P3s permitiriam que o capital privado
financiasse, projetasse, construísse e, não raras vezes, também operasse o
patrimônio público de infraestrutura, para o estado. E a propriedade desse
patrimônio sempre reverteria ao estado, em algum ponto do futuro. O governo
pagaria seus parceiros privados ao longo do tempo e com juros. O que se vê, como
no caso das estradas apedagiadas, por exemplo, é que quem paga os parceiros
privados são os usuários das estradas, mediante pedágios e outras
taxas.
Onde falte dinheiro aos estados, ou encontrem
dificuldades para tomar empréstimos, as P3 só trariam vantagens. Além do mais –
prossegue o argumento – os projetos de infraestrutura seriam beneficiados pelas
alardeadas eficiências do setor privado, com redução, dizem os privatistas, de
20-25% nas despesas [2]. Nada
disso, de fato, é bem assim. (...)
A ficção
da eficiência do setor privado
“O fundamento do sucesso das parcerias público-privadas
está na maior eficiência relativa do setor privado. Embora haja extensa
literatura sobre o assunto, a teoria é ambígua e as evidências empíricas são
confusas” (International Monetary
Fund, 2004 [3]).
A justificação dominante para que os estados usem as
parcerias público-privadas é a sempre reafirmada eficiência que o setor privado
traria à execução dos projetos. Se se crê no que dizem os porta-vozes da
indústria privada, a diferença alcançaria mais de 20%. Mas os estudos que se
fazem sobre a viabilidade dessas 3Ps jamais são rigorosos e objetivos, para
dizer o mínimo, quando calculam e estimam as tais eficiências. Melhor pesquisa
empírica – que se dedica a quantificar e pôr em tabela todos os custos,
incluídos os atrasos e aumento consequente de custos – conta história bem
diferente. Os coordenadores de P3 do Banco Europeu de Investimentos (proponente
e dos principais financiadores de P3s) já admitiram, depois de comparar projetos
de P3 e projetos tradicionais dos estados para construção de estradas, no
período 1990-2005, que os projetos de parcerias público-privadas custaram, no
mínimo, 24% a mais. [4] Vários outros
estudos da taxa de retorno para investimento público x privado em infraestrutura
identificaram (a) resultados
semelhantes nas duas categorias, no curto e no médio prazo; mas (b) decisiva vantagem de ganho no caso
do investimento público, sobre o privado, nos investimentos de longo prazo:
17-20%, contra 10-13%. [5] (...)
Além disso, dado que a indústria privada prioriza os
próprios lucros, ela tende a projetos que visem à parte mais favorecida da
sociedade. As P3s efetivamente competem contra as camadas menos favorecidas da
sociedade e, assim, boicotam ativamente quaisquer esforços que o estado faça
para promover a igualdade e combater as desigualdades. Não por acaso, o dinheiro
das parcerias público-privadas flui, sempre predominantemente, para transportes,
telecomunicações e projetos de energia e evita cuidadosamente projetos de
saneamento básico, dentre outros que beneficiariam, sobretudo as camadas que
vivem em regiões menos bem atendidas. [6]
Na mesma linha, as parcerias público-privadas empregam
muito menos que o estado, fazem sumir os empregos de categorias de trabalho
menos qualificado e combatem as contribuições que o estado cobre
parapagar pensões e aposentadorias [7]. As parcerias
público-privadas aumentam os custos para os usuários muito mais
rapidamente que a administração pública [8]. Os preços dos
pedágios são exemplo bem conhecido, mas não é o único. A rede dos serviços de
trem que são objeto de parcerias público-privadas na Europa cobra tarifas
notoriamente mais caras [9]. Nos EUA, serviços privatizados de água e esgotos
também são mais caros que os equivalentes públicos (33% e 63%, respectivamente).
[10]
O
mais grave: as P3 sequestram o espaço da formulação de políticas públicas
Além da questão de o estado perder o controle do
patrimônio público, as parcerias público-privadas continuam a controlar todo o
espaço da formulação de políticas públicas. O Banco Mundial, a OCDE, a Comissão
Europeia, o Banco Europeu de Investimentos, além de outras grandes instituições,
promovem e subsidiam as parcerias público-privadas, porque se alinham a
políticas gerais de privatização [11]. Essas organizações financeiras globais são
especificamente bem organizadas para proteger os interesses do capital privado
investido em parcerias público-privadas, sempre que tenham de enfrentar atitude
hostil, de qualquer tipo, deum ou outro
governo hospedeiro [12]. (...)
Os esforços de alguns sindicatos de funcionários
públicos e grupos ativistas, na Grã-Bretanha e no Canadá, têm conseguido minar o
prestígio das P3 e deter seu avanço. [13]
Mas
apelos ao valor do dinheiro que contribuintes pagam e os mais variados
argumentos éticos que se têm usado contra as privatizações não conseguiram, até
agora, reverter o impulso generalizado a favor das parcerias público-privadas. A
ideologia e os interesses negociais estão alinhados e operantes a favor das P3s
e realimentam-se mutuamente no processo que leva, sobretudo, a negociações
corruptas entre empresas funcionários públicos.
O
dinheiro que a indústria das parcerias público-privadas faz fluir sempre
abundante produz toda uma grande matriz de interesses arregimentados para
sustentar um incansável
lobby que vive em torno
de mais projetos de novas parceiras público-privadas, que nunca se cansam de
inventar e propor (advogados, contadores, economistas, bancos de investimentos,
empresários, investidores imobiliários, políticos, professores, jornalistas e
outros), o que torna difícil qualquer avanço de qualquer posição mais
progressista. A esperança ainda é falar e publicar, formando alianças cada vez
mais amplas, para resistir ao rolo compressor das privatizações.
Notas dos tradutores
[1] 16/10/2012, citado em Toby Helm, Anushka Asthana and Mark Townsend,
“George Osborne takes spending axe to prisons and legal aid”.
[2] Dexter Whitfield, Global Auction of Public Assets: public sector alternatives to the infrastructure market & Public Private Partnerships, Spokesman (Nottingham , England ), 2010, p. 73.
[3] International Monetary Fund, Fiscal Affairs
Department, “Public-Private Partnerships”, March
12th, 2004, p. 14.
[4] Frederic Blanc-Brude, Hugh Goldsmith, and Timo Valila, “Ex Ante Construction Costs in the European Road Sector: A Comparison of Public-Private Partnerships and Traditional Public Procurement”, EIB
Economic and Financial Report 2006/01, p. 2.
[5]
Idem
item [2]: 2010,
p.
52.
[6] Ver, por exemplo, The World Bank Group, Private Participation in Infrastructure Database, 28/11/2009, Figura 6, p. 3.
[7]
Para
análise de vários estudos, ver Whitfield, op. cit., pp.
277-79.
[8]
Idem,
ibidem.
[10] Food and Water Watch, “Questions & Answers: A Cost Comparison of Public and Private Water Utility Operation”, June 2009, p. 1.
[11] Sobre o Banco Mundial, ver “Sustainable Infrastructure Action Plan FY
2009-2011” , (July 2008); sobre a OCDE, ver “Infrastructure to 2030” program; para a
Comissão Europeia, ver “Mobilising
private and public investment for recovery and long-term structural change:
developing Public Private Partnerships” (Brussels, November 19th, 2009); o
Banco de Investimento Europeu financiou pelo menos 120 projetos de P3 (ver, por
exemplo, e.g., DLA Piper’s European PPP
Report 2009, p. 10).
[12]
O
Banco Mundial, por exemplo, tem um Centro Internacional para Resolução de
Disputas sobre Investimentos [orig. International Center for the Settlement of Investment Disputes] organizado especificamente para essa
finalidade.
[13] Ver [2] Whitfield, op.
cit., pp. 321-23.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.