16/3/2012, Adam
Weinstein,
Mother Jones
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Entreouvido
na Vila Vudu:
Quem
leia os
e-mails
de Stratfor publicados por Wikileaks e leia as colunas jornalísticas
publicadas no Brasil sobre questões internacionais (aquele ridículo festival de
“a Casa Branca informou” e “o Observatório Sírio de Direitos Humanos informou
que houve 63,78 novas mortes hoje” etc.) – já viu, desde o primeiro e-mail, que o
que escrevem os “especialistas” de Stratfor e o que “noticiam” os jornalistas e
correspondentes internacionais brasileiros são, de fato, os mesmíssimos péssimos
jornalismo & opinionismo mais toscos. Quanto a Robert D. Kaplan,
cuja contratação por Stratfor é aí abaixo espinafrada, sempre foi colunista
traduzido e publicado n’O Estado de S.Paulo, como se comprova, por
exemplo, em: “Novas
democracias. Ou algo parecido com isso”
Adam Weinstein é reporter de assuntos de Segurança
Nacional, Relações Civis-Militares, Orçamento e Política Nuclear. Veterano da
Marinha dos EUA e ex combatente no Iraque
Stratfor,
a agência-empresa privada de inteligência que tem sede no Texas, e que já foi
chamada de “a CIA privada”, ou “a CIA clandestina”, anunciou essa semana que
contratou o jornalista Robert D. Kaplan, há muito tempo correspondente nacional
do jornal
The Atlantic, para trabalhar como “principal estrategista
geopolítico da empresa” [1].
É
movimento no mínimo curioso, e dos dois lados, e que visa, pelo menos
aparentemente, a soprar nova vida naquela empresa, hoje em frangalhos, que viu
recentemente seus
e-mails
de comunicação interna expostos a críticas devastadoras.
“Além
de mobilizar todo o vasto conhecimento que acumulou sobre os muitos países pelos
quais viajou, Robert trabalhará como valioso mentor de nossos analistas
regionais e globais”
– disse George Friedman, presidente da empresa Stratfor, em declaração. “Os leitores de Stratfor terão acesso ao
pensamento de um dos mais importantes escritores do campo dos assuntos
internacionais”.
Muito
conhecida (e raramente elogiada) nos círculos políticos e de segurança desde a
fundação, nos anos 1990s, Stratfor ganhou as manchetes do mundo no mês passado,
quando Wikileaks começou a publicar
na rede os 5 milhões de e-mails que hackers capturaram da empresa. Em vez de
comprovar os talentos e competências nos prognósticos, sempre alardeados pela
empresa, a maioria dos
e-mails
até agora divulgados só comprovaram o espírito de cínico mercantilismo e
de autoelogio desbragado dos empregados da empresa (“Posso pôr as mãos nos
materiais confiscados da fortaleza de Osama bin Laden”, um deles escreveu, na
noite em que Osama bin Laden foi
morto no Paquistão [2]). Desde o
início da publicação dos e-mails por Wikileaks, Stratfor viu-se obrigada a
oferecer de graça aos clientes [3],
as suas análises e informações, antes caríssimas.
A captura e publicação dos e-mails pode ter provocado grave dano aos negócios
futuros de Stratfor; assim sendo, o que sugere a contratação agora anunciada?
Kaplan [4] é
autor prolífico, cujas dúzias de livros publicados cobrem conflitos em,
praticamente, todos os continentes. Suas ruminações pop-históricas sobre guerras
– com citações de Tucídides e Bismarck, para fazer sermões sobre democracia,
exibem um etos de guerreiro “pagão”, e muito ajudaram a promover a invasão do
Iraque – sempre imediatamente citadas e recitadas por líderes políticos de
várias bandeiras. Os presidentes Bill Clinton e George W. Bush sabidamente
recorreram a seus conselhos, e Kaplan já participou de um influente painel
político no Pentágono durante o governo Obama. Nesse sentido, a contratação pode
ser vista como um movimento da empresa Stratfor para refazer pontes abaladas com
seus clientes dentro do governo, dentre os quais os Marines e o Departamento de Segurança
Nacional.
Mas
especialistas em política internacional dizem que o casamento também pode ser
interessante por razões menos nobres.
“Além
do polpudo salário que suspeito que Kaplan passe a receber, a união faz pleno
sentido intelectual”,
diz Daniel Drezner, professor na Escola Fletcher de Direito e Diplomacia da
Tufts University, e blogueiro da revista Foreign Policy, por e-mail: “Kaplan e George Friedman partilham um mesmo
senso de determinismo geográfico que os autoriza a proclamar os próprios
supostos poderes para prever acontecimentos”.
Robert D. Kaplan |
De
fato, Stratfor e Kaplan subscrevem uma escola de pensamento tida em alta conta
por muitos especialistas em inteligência e política externa. São crentes
devotados da “geopolítica”, termo de política externa particularmente caro a
Henry Kissinger, que denota um pressuposto cuidado amoral, desapaixonado, pelos
“interesses nacionais” (como acesso a minérios e petróleo). É conceito muito
discutido em seminários de alunos e frequentemente descartado por gente de
melhor estofo, por simplório e imperialista. “O talento de Kaplan consiste em
dizer aos poderosos o que querem ouvir, com ares de conhecimento empírico e
vestes teóricas, sem que, de fato, haja nem uma coisa nem outra no que dizem”,
escreve Robert Farley, professor de relações internacionais que assina um blog
em Lawyers,
Guns, and Money.
As
credenciais jornalísticas de Kaplan não poderiam ser menos confiáveis. Fez fama
com matérias sobre terras sempre distantes, em prosa sempre assustadora – cobriu
a ação dos
mujahideen no Afeganistão em 1990, antes que a maioria
dos norte-americanos conseguissem achar o país no mapa. Seus livros são
regularmente elogiados pelo New York Times, pelo Washington
Post e
pelo Wall
Street Journal, dentre outros veículos afamados que lhe compram artigos e
reportagens. Trabalhou no The Atlantic por mais de 25 anos
e foi recentemente listado entre os “100 principais pensadores globais” pela
revista
Foreign Policy.
Apesar
disso, para alguns especialistas em questões internacionais, o trabalho de
Kaplan reproduz e perpetua estereótipos étnicos. Segundo um analista britânico
de política internacional, o livro Balkan Ghosts, de Kaplan, que se
supõe que tenha influenciado as ideias de Clinton sobre Bósnia e Kosovo, é
conhecido no campo dos estudos europeus sobre o sudeste da Europa por pintar os
povos da ex-Iugoslávia como primitivos e violentos. “É um dos textos no qual
nasceu a “teoria” dos “ódios regionais seculares” para explicar as guerras na
Iugoslávia”, escreveu-me, por e-mail, aquele analista. “Por isso é
considerado texto muito problemático pelo pessoal que há 20 anos estuda o
sudeste europeu e os conflitos étnicos.”
Esse
tipo de raciocínio geopolítico redutivo aparece bem claro no primeiro comentário
de Kaplan já a serviço de Stratfor, no qual compara a Primavera Árabe às
revoltas esquerdistas na Europa de meados do século 19 (“1848 na Europa: o ano
que não aconteceu”). Assim também a conversa [vídeo] com Friedman, da Stratford,
na qual Kaplan explica que “o Irã é uma potência regional potencial” porque tem
acesso às águas cálidas e às linhas de gás natural da Ásia
Central [5]. (E acrescenta: “Os iranianos
respondem a pressões, mas só a pressões extremas”.) É perfeito para fazer dueto
com Friedman, que disse uma vez, a uma multidão reunida para ouvi-lo em Davos:
“Há uma solução para a proliferação [de armas]: bombardear tudo”.
George Friedman |
Friedman gosta de dizer que sua empresa não vende mero
jornalismo “retrógrado” [6] , o que não é difícil, porque
jornalistas sérios não vivem, em geral, de seguir ativistas que se opõem a
grandes empresas como Coca-Cola, Intel e ADM. Esse tipo de atividade levanta uma
pergunta óbvia sobre Kaplan: Depois de trabalhar para uma butique de espionagem
privada, os veículos de mídia continuarão a valorizar seu trabalho [7],
ou
sua carreira como jornalista está definitivamente
encerrada?
Nem
Kaplan nem Friedman responderam meus convites para comentar essa matéria. Kaplan
ainda aparece listado como correspondente nacional no expediente de The Atlantic,
mas, se espera manter o posto ativo, é parada dificílima. Stratfor “é piada”,
escreveu Max Fisher, um dos colegas de Kaplan no Atlantic [8],
mês passado.
“A
reputação do grupo entre o pessoal das relações internacionais, professores,
analistas e jornalistas, é baixa; são considerados mais como panfleteiros que
como fonte de informação ou ideias aproveitáveis”,
escreveu. “Um amigo meu, que escreve
sobre questões de inteligência, disse, certa vez, que Stratfor é The Economist, uma
semana antes, e muitas centenas de vezes mais
cara”.
Notas
dos tradutores
[1]13/3/2012, Bradenton
Herald em: “Stratfor
Hires Best-Selling Author and International Affairs Expert Robert D.
Kaplan”
[2] Telegrama 1146487, de 14/5/2011,
1h47, The Global Intelligence Files
em: “Re:
OBL take -- quick response needed”
[3] Março, 2012, Stratfor.com em: FAQ
[4] Março, 2012, Robert Kaplan - Center for a New American
Security
[5] Blip TV – Stratfor.com –
“Confronting
Iran 's Growing Ambitions
(Agenda)”
[6] Stratfor
single (free) – Institucional
[7]
“No Brasil, um carinha como esse Kaplan sempre encontrará emprego de jornalista
na Rede Globo e em todo o Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão), com direito a
fotinho na página do Instituto Millenium. Na pior das hipóteses, pode fazer um
bico no canal Globo News, como yesman do William Waack, ou como
professor do Celso Lafer. Avisa-lá!” [risos, risos] (Entreouvido na Vila
Vudu).
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