segunda-feira, 12 de março de 2012

A sangrenta estrada para Damasco: a guerra da tríplice aliança contra um Estado soberano


James Petras

por James Petras [*]

Há uma clara e esmagadora evidência de que o levantamento para o derrube do presidente Assad, da Síria, é uma violenta tomada de poder conduzida por combatentes apoiados no estrangeiro que mataram e feriram milhares de soldados, polícias e civis partidários do governo sírio, bem como a sua oposição pacífica.

A indignação expressa por políticos no Ocidente, em estados do golfo e na imprensa ocidental acerca da “matança de pacíficos cidadãos sírios a protestarem contra a injustiça” é cinicamente concebida para encobrir informações documentadas da tomada violenta de bairros, aldeias e cidades por bandos armados, brandindo metralhadoras e colocando bombas nas estradas.


O assalto à Síria é apoiado por fundos, armas e treino estrangeiro. Devido à falta de apoio interno, contudo, para ter êxito, será necessária uma direta intervenção militar estrangeira. Por esta razão foi montada uma enorme campanha de propaganda e de diplomacia para demonizar o legítimo governo sírio. O objetivo é impor um regime fantoche e fortalecer o controle imperial do Ocidente no Médio Oriente. No curto prazo, isto destina-se a isolar o Irã como preparativo para um ataque militar de Israel e dos EUA e, no longo prazo, eliminar outro regime laico independente amigo da China e da Rússia. 

A fim de mobilizar apoio mundial a esta tomada de poder financiada pelo Ocidente, Israel e Estados do Golfo, vários truques de propaganda tem sido utilizados para justificar mais uma flagrante violação da soberania de um país após a destruição, com êxito, dos governos laicos do Iraque e da Líbia.

O contexto mais amplo: Agressão em série

A atual campanha ocidental contra o regime independente de Assad na Síria faz parte de uma série de ataques contra movimentos pró democracia e regimes independentes que vão desde a África do Norte até o Golfo Pérsico. A resposta imperial-militarista ao movimento egípcio para a democracia que derrubou a ditadura Mubarak foi apoiar a tomada de poder pela junta militar e a campanha assassina para prender, torturas e assassinar mais de 10 mil manifestantes pró democracia no Egito. 

Confrontado com movimentos democráticos de massa semelhantes no mundo árabe, ditadores autocrático do Golfo apoiados pelo Ocidente esmagaram seus respectivos levantamentos no Bahrain, Iêmen e Arábia Saudita. Os assaltos estenderam-se ao governo laico da Líbia onde potências da OTAN lançaram um bombardeio maciço por ar e mar a fim de apoiar bandos armados de mercenários, destruindo assim a economia e a sociedade civil da Líbia. O desencadeamento de gangster-mercenários armados levou à devastação da vida urbana na Líbia, assim como das regiões rurais. As potências da OTAN eliminaram o regime laico do coronel Kadafi, que foi assassinado e mutilado pelos seus mercenários. A OTAN supervisionou a mutilação, aprisionamento, tortura e eliminação de dezenas de milhares de apoiadores civis de Kadafi, assim como funcionários do governo. A OTAN apoiou o regime fantoche quando ele iniciou um massacre sangrento de cidadãos líbios descendentes de africanos sub-saharianos bem como imigrantes africanos sub-saharianos – grupos que se beneficiaram de generosos programas sociais de Kadafi. A política imperial de arruinar e dominar a Líbia serve como “modelo” para a Síria: Criar as condições para um levantamento em massa conduzido por fundamentalistas muçulmanos, financiados e treinados por mercenários ocidentais e de estados do golfo.

A estrada sangrenta de Damasco para Teerã

Segundo o Departamento de Estado, “A estrada para Teerã passa através de Damasco”: O objectivo estratégico da OTAN é destruir o principal aliado do Irã no Médio Oriente; para as monarquias absolutistas do Golfo o objetivo é substituir uma republica laica por uma ditadura vassalo-teocrática; para o governo turco o objetivo é promover um regime cordato aos ditames da versão de Ancara do capitalismo islâmico; para a Al Qaeda e os seus aliados fundamentalistas Salafi e Wahabi, um regime teocrático sunita, limpo de sírios laicos, alevis e cristãos servirá como trampolim para projetar poder no mundo islâmico; e para Israel uma Síria dividida e ensopada em sangue assegurará a sua hegemonia regional. Não foi sem uma antevisão profética que o senador estadunidense Joseph Lieberman, um uber-sionista, dias após o ataque da “Al Qaeda” de 11 de Setembro de 2001, pediu: “Primeiro devemos atacar o Irã, Iraque e Síria” antes mesmo de considerar os autores reais do feito.

As forças anti-sírias armadas refletem uma variedade de perspectivas políticas conflitantes unidas apenas pelo seu ódio comum ao regime nacionalista independente e laico que tem governado a complexa e multi-étnica sociedade síria desde há décadas. A guerra contra a Síria é a plataforma de lançamento de uma nova ressurgência do militarismo ocidental a estender-se desde a África do Norte até o Golfo Pérsico, sustentado por uma campanha de propaganda sistemática que proclama a missão democrática, humanitária e “civilizadora” da OTAN em prol do povo sírio.

A estrada para Damasco está pavimentada com mentiras

Uma análise objetiva da composição política e social dos combatentes armados na Síria refuta qualquer afirmação de que o levantamento é feito em busca da democracia para o povo daquele país. Combatentes fundamentalistas autoritários formam a espinha dorsal do levantamento. Os Estados do Golfo que financiam estes bandidos brutais são eles próprios monarquias absolutistas. O Ocidente, depois de ter impingido um brutal regime gangster sobre o povo da Líbia, não pode apregoar “intervenção humanitária”.

Os grupos armados infiltram cidades e utilizam centros populosos como escudos a partir dos quis lançam seus ataques à forças do governo. No processo eles expulsam milhares de cidadãos dos seus lares, lojas e escritórios os quais utilizam como postos avançados. A destruição do bairro de Baba Amr em Homs é um caso clássico de gangs armadas a utilizarem civis como escudos e como matéria de propaganda na demonização do governo. 

Estes mercenários armados não têm credibilidade nacional junto à massa do povo sírio. Uma das suas principais centrais de propaganda está localizada no coração de Londres, o chamado “Syrian Human Rights Observatory” onde, em coordenação estreita com a inteligência britânica, despejam chocantes estórias de atrocidades para estimular sentimentos a favor de uma intervenção da OTAN. Os reis e emires dos Estados do Golfo financiam estes combatentes. A Turquia proporciona bases militares e controla o fluxo transfronteiriço de armas e os movimentos dos líderes do chamado “Free Syrian Army”. Os EUA, França e Inglaterra proporcionam as armas, o treino e a cobertura diplomática, jihadistas-fundamentalistas estrangeiros, incluindo combatentes da Al Qaeda da Líbia, Iraque e Afeganistão, entraram no conflito. Isto não é “guerra civil”. Isto é um conflito internacional contrapondo uma perversa tríplice aliança de imperialistas da OTAN, déspotas de Estados do Golfo e fundamentalistas muçulmanos contra um regime nacionalista independente e laico. A origem estrangeira das armas, maquinaria de propaganda e combatentes mercenários revela o sinistro caráter imperial e “multi-nacional” do conflito. Em última análise o violento levantamento contra o estado sírio representa uma sistemática campanha imperialista para derrubar um aliado do Irã, Rússia e China, mesmo ao custo de destruir a economia e a sociedade civil síria, de fragmentar o país e desencadear duradouras guerras sectárias de extermínio contra os Alevi e minorias cristãs, bem como apoiantes laicos do governo. 

As matanças e a fuga em massa de refugiados não é o resultado de violência gratuita cometida por um estado sírio sedento de sangue. As milícias apoiadas pelo ocidente capturaram bairros pela força das armas, destruíram oleodutos, sabotaram transportes e bombardearam edifícios do governo. No decorrer dos seus ataques eles interromperam serviços básicos críticos para o povo sírio incluindo educação, acesso a cuidados médicos, segurança, água, eletricidade e transporte. Assim, eles arcam com a maior parte da responsabilidade por este “desastre humanitário” (do qual seus aliados imperiais e responsáveis da ONU culpam as forças armadas e de segurança sírias). As forças de segurança sírias estão combatendo para preservar a independência nacional de um estado laico, ao passo que a oposição armada comete violências por conta dos mestres estrangeiros que lhes pagam – em Washington, Riyadh, Tel Aviv, Ancara e Londres. 

Conclusões 

O referendo do regime Assad no mês passado atraiu milhões de eleitores sírios em desafio às ameaças imperialistas ocidentais e aos apelos terroristas a um boicote. Isto indica claramente que uma maioria de sírios prefere uma solução pacífica, negociada, e rejeita a violência mercenária. O Syrian National Council apoiado pelo ocidente e o “Free Syrian Army” armado pelos turcos e Estados do Golfo rejeitaram categoricamente apelos russos e chineses para um diálogo aberto e negociações, os quais foram aceites pelo regime Assad. A OTAN e as ditaduras dos Estados do Golfo estão pressionando seus apaniguados a tentarem uma “mudança de regime” violenta, uma política que já provocou a morte de milhares de sírios. As sanções econômicas estadunidenses e europeias são concebidas para arruinar a economia síria, na expectativa de que a privação aguda conduzirá uma população empobrecida para os braços dos seus violentos apaniguados. Numa repetição do cenário líbio, a OTAN propõe “libertar” o povo sírio através da destruição da sua economia, sociedade civil e estado laico.

Uma vitória militar ocidental na Síria simplesmente alimentará a fúria crescente do militarismo. Encorajará o Ocidente, Riad e Israel a provocarem uma nova guerra civil no Líbano. Depois de demolir a Síria, o eixo Washington-UE-Riad-Tel Aviv mover-se-á para uma confrontação muito mais sangrenta com o Irã. 

A horrenda destruição do Iraque, seguida pelo colapso da Líbia do pós guerra, proporciona um terrível modelo do que está reservado para o povo da Síria. Um colapso precipitado dos seus padrões de vida, a fragmentação do seu país, limpeza étnica, dominação de gangs sectárias e fundamentalistas e insegurança total quanto à vida e propriedade. 

Assim como a “esquerda” e “progressistas” declararam o brutal ataque à Líbia ser a “luta revolucionária de democratas insurgentes” e a seguir afastou-se, lavando as mãos da sangrenta consequência de violência étnica contra líbios negros, eles agora repetem os mesmos apelos à intervenção militar contra a Síria. Os mesmo liberais, progressistas, socialistas e marxistas que estão a apelar ao Ocidente para intervir na “crise humanitária” da Síria a partir dos seus cafés e gabinetes em Manhattan e Paris, perderão todo interesse na orgia sangrenta dos seus mercenários vitoriosos depois de Damasco, Alepo e outras cidades sírias terem sido bombardeadas pela OTAN até à submissão. 
Março/2012

Ver também: 

[*] O seu livro mais recente é The Arab Revolt and the Imperialist Counterattack (Clarity Press:Atlanta2012) 2ª edição. 

O artigo original, em inglês, pode ser lido em: “The Bloody Road to Damascus: The Triple Alliance’s War on a Sovereign State
Esta tradução foi extraída de Resistir

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