1/3/2012, Babich Dmitry, The Voice of Russia
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Hillary Clinton |
A pergunta que a secretária de Estado do EUA fez a ela
mesma, em recente entrevista à televisão norte-americana (“Estamos apoiando a
Al-Qaeda na Síria?”) [1]
é,
sim, pergunta legítima. Na mesma entrevista, Clinton fez outra espantosa
confissão. Washington ainda não sabe o quê, afinal, é a oposição síria. Clinton
também admitiu que a situação com a oposição líbia era muito melhor, há um ano,
quando as autoridades dos EUA conseguiam, pelo menos, reunir-se com membros do
Conselho Nacional de Transição líbio e perguntar-lhes, diretamente, sobre a
situação. Obviamente, a oposição síria não dá sinais de estar interessada em
oferecer tais luxos ao governo dos EUA.
São revelações que mostram bem claramente que o “dia
seguinte” na Síria será bastante diferente do que se vê hoje na Líbia – quer
dizer: o “dia seguinte” na Síria pode ser ainda pior. Parece ser verdade, por
mais que seja difícil imaginar algo pior do que o que se vê hoje na Líbia.
Relatório da ONU, datado de 29/2/2012, informa que “ex-rebeldes líbios, alguns
dos quais têm sido acusados de torturar prisioneiros, ainda mantêm prisioneiros
cerca de ¾ dos que foram capturados durante a guerra civil na Líbia.” [2]
Nada melhor do que isso se pode esperar da
“reconciliação nacional” e da “construção da democracia” por algum novo governo
imposto na Síria – por mais “duras” que sejam as perguntas que Clinton pense em
fazer-lhes. E o que se pode esperar da oposição síria, que a União Europeia
recentemente reconheceu como “representantes do povo sírio” [3], se
ninguém nem sabe quem são?
“Por
alguma razão, o governo dos EUA escolheu, como seu único parceiro na Síria, o
grupo mais radical da oposição síria, o Conselho Nacional Sírio” – disse Alexei
Pushkov, presidente da Comissão de Assuntos Internacionais da Duma (parlamento) russo, em conferência de
imprensa em Moscou, depois de visitar a Síria. “Há dois outros grupos de
oposição na Síria. Mas o ocidente continua a preferir os radicais, com laços bem
conhecidos com a Al-Qaeda, que não se pejam de usar métodos da Al-Qaeda, como
homens-bomba. Os EUA estão na mesma canoa, com a Al Qaeda. Para mim, a situação
é bizarra”. Bizarra, a situação é. Mas quem disse que a Al-Qaeda está associada
ao Conselho Nacional Sírio foi ninguém menos que a própria secretária
Clinton.
Matéria do
New York Times, de Doha, Qatar, onde se encontraram representantes
de vários dos grupos que formam o Conselho Nacional Sírio, noticia que “os
homens reunidos no Four Seasons,
Doha, vão de representantes islamistas de terno, gravata e barbas bem aparadas,
a um cristão, do Comitê Executivo, professor universitário na Bélgica, que anda
por ali, de um lado para outro.” [4]
O
fato de haver muçulmanos de terno e gravata com certeza pareceu tão bom sinal ao
jornalista do NYT, que ele logo
deplora que “grupos islâmicos sempre foram mais reprimidos na Síria que no
Egito, e poucos conhecem os principais líderes religiosos sírios”. Obviamente,
do ponto de vista do NYT, tudo
de que os islâmicos precisam é um pouco de publicidade e melhores Relações
Públicas. No Egito, os islâmicos “menos reprimidos” alcançaram fama mundial
quando explodiram a embaixada de Israel e levaram a comunidade cristã à beira da
emigração em massa.
Consequência
impressionante disso tudo, intelectuais ocidentais “preocupados” e membros do
governo dos EUA imediatamente mostraram sinais de alto interesse, querendo saber
o que os islâmicos “mais reprimidos” na Síria teriam a oferecer, em matéria de
bons serviços.
O “filósofo-guerreiro” francês Bernard-Henri Levy, que,
ano passado, teve papel crucial na guerra contra a Líbia, ao convencer seu amigo
e presidente francês Nicolas Sarkozy a reconhecer o Conselho Nacional de
Transição líbio, já está dando tratos à bola, pensando em “planos” para apoiar
os rebeldes sírios. Seus “planos” preveem criarem-se paraísos seguros em
território sírio para os guerreiros da oposição, onde possam, em perfeita
tranquilidade, receber armas da Arábia Saudita e do Qatar, enquanto a aviação
ocidental lhes garante cobertura aérea. É o que se lê em seu blog. [5]
São
planos que soam como delírios de algum Savonarola moderno, mas não se deve
esquecer que, em 2011, o ocidente seguiu, na Líbia, o plano de Levy, palavra a
palavra. Verdade que, daquela vez, sabiam mais sobre a oposição líbia, do que
sabem hoje sobre a oposição síria. Ou, pelo menos, é o que anda dizendo a
secretária Clinton.
Babich Dmitry |
Notas
dos tradutores
[1] Aqui, foi preciso corrigir a
informação. O jornalista errou, embora o erro não contamine a reflexão, que
continua aproveitável, sobretudo para leitores brasileiros que NUNCA encontram
reflexão do outro lado, que não seja o lado dos EUA, única fonte que a
imprensa-empresa brasileira ouve. A pergunta de Clinton, retórica, foi feita em
entrevista ao canal CBS, dia
27/2/2012 em: “Clinton:
Too many concerns over arming Syrians”
O
vídeo está a seguir:
Aparentemente,
Clinton argumenta naquela entrevista contra a ideia (que os Republicanos estão
explorando na campanha eleitoral) de os EUA estarem “armando a Al-Qaeda”.
Clinton diz que não estão nem poderiam estar armando nenhuma Al-Qaeda e repete
que sua única e exclusiva preocupação é com “o sofrimento do povo sírio”.
[2] 29/2/2012, The New York
Times em: “Libya:
Former Rebels Retain Prisoners”
[3] 2/3/2012, The Voice of
Russia em: “EU calls SNC
Syria ’s “legitimate
representative”.
[4] 24/2/2012, The New York Times onde também se lê que
“o bate-boca acontece por todos os cantos. “Será que dá para começarem a
trabalhar?” – berrava Haithem al-Maleh, advogado de 81 anos, antigo militante da
oposição síria, ao tentar entrar numa das salas de reunião, e ser barrado. “São
todos idiotas e doidos, mas... o que posso fazer?” (“After
a Year, Deep Divisions Hobble Syria’s Opposition”, NYT, 23/2/2012, p.2).
[5] 29/2/2012, Bernard Henri
Levy, blog: “La
version américaine du Bloc-Notes de Bernard-Henri Lévy «Il faut, maintenant une
intervention en Syrie» (The Huffington Post, le 28 février
2012)”
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