Fracassou
a tentativa de “trocar o regime” de Assad
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
“A
Síria não cairá. (...) A ideia de o governo Barack Obama dos EUA dizer a Assad
que faça as malas e “vá-se da Síria” já nasceu morta, desde o primeiro vagido. E
se Assad ficar onde está? O que fará Washington? Fará chover sobre ele os
aviões-robôs tripulados a distância, até destruir Assad, Damasco, Aleppo, grande
parte da Síria... sob o pretexto de que teria “responsabilidade de
proteger”?!”
Pepe
Escobar, “A Síria não cairá”,
12/8/2011
“Bashar
al-Assad não sairá. Não, pelo menos, agora. Não, provavelmente, por um longo
tempo. Os jornais do Oriente Médio estão cheios de histórias sobre se Assad vive
ou não seu “momento Benghazi” – matérias quase invariavelmente enviadas prontas
de Washington ou Londres ou Paris. –
Poucos na Região entendem como
é possível que o ocidente veja tão mal e entenda tão pouco.”
Bashar al-Assad |
Fracassou
a tentativa, que durou um ano inteiro, de ‘trocar o regime’ do presidente Bashar
al-Assad. Há cerca de dois, três meses, o sucesso pareceu próximo, quando a
oposição tomou alguns bairros de cidades importantes, como Homs e Deir el-Zour.
Falava-se até de “zonas aéreas de exclusão” e intervenção
militar.
Implantaram-se
sanções econômicas severas contra a já precária economia síria. Dia após dia,
jornais e televisões só faziam repetir que a pressão aumentava sobre Assad, e
que estaria próxima a hora de trocar o governo em Damasco.
Nada
disso aconteceu. Não acontecerá à Síria o que já aconteceu à Líbia. A mais
recente ação internacional foi da União Europeia, que passou a negar à esposa de
Assad, Asma, e à mãe dela, o direito de viajar por países da EU (mas Asma, que é
cidadã britânica, continua podendo entrar e sair da Grã-Bretanha). Nada poderia
ser mais eloquente.
O
secretário do Exterior, William Hague, diz que assim aumenta a pressão sobre o
governo sírio, mas, de fato, só mostra que não tem meios para pressionar Assad.
Impedir Asma de ir às comprar em Paris ou Roma – supondo que ela algum dia tenha
manifestado tais desejos – só mostra o quanto os EUA, a EU e seus aliados no
Oriente Médio estão sem alternativas, no que tenha a ver com
Damasco.
“Ninguém
está discutindo operações militares” – disse o secretário-geral da ONU Ban
Ki-moon, semana passada. O Exército Síria Livre, da oposição a Assad, perdeu as
bases que conquistara na cidade de Homs, na província de Idlib, ao norte, e,
mais recentemente, também em Deir el-Zour, no leste. Na 3ª-feira passada,
soldados sírios, com apoio de blindados, chegaram, vindos dos quatro lados, a
Deir el-Zour, que fica a cerca de 100 km da fronteira com o Iraque,
obrigando as milícias da oposição a escafeder-se e procurar abrigo em casas e
apartamentos, depois de rápida troca de tiros. Com isso, tornou-se ainda mais
difícil para o ocidente infiltrar armas pela fronteira iraquiana, a partir da
província de Anbar, predominantemente sunita. O rápido avanço do exército sírio,
ali, contrastou com o sítio que a oposição manteve, durante quase um mês, ao
distrito de Baba Amr em Homs, durante o qual morreram centenas de pessoas e
grande parte das construções ficaram reduzidas a ruínas. Arábia Saudita e Qatar
divulgaram festivamente que estavam armando a oposição síria. Hoje, já não há
sinais de que estejam fazendo isso.
O
que saiu errado, para os que pregavam rápida ‘troca de regime’ na Síria? De modo
geral, pode-se dizer que superestimaram a própria capacidade, e levaram
demasiadamente a sério a própria propaganda.
Desde
janeiro, tudo que fizeram foi louvado em todo o mundo como justa intervenção
militar internacional, ou como convincente possibilidade de vir a ser isso. Mas
deixou de ser qualquer coisa semelhante a isso, a partir de 4/2/2012, quando
Rússia e China vetaram resolução do Conselho de Segurança da ONU apoiada pela
Liga Árabe que conclamava Assad a deixar o poder.
A
experiência de EUA, EU, OTAN e estados árabes do Golfo, na derrubada de Muammar
Gaddafi acabou por ser má conselheira, quando se tratou da
Síria.
Isso,
precisamente, é o que revolucionários e contrarrevolucionários vêm aprendendo ao
longo dos séculos. O que dá resultados num local é muitas vezes receita de
desastre, em outro.
E há também o problema da interpretação errônea do foi feito na
Líbia.
Quem
assista à rede de televisão al-Jazeera terá a impressão de uma heroica
milícia rebelde derrubou um tirano. De fato, a vitória militar na Líbia só foi
possível graças aos ataques aéreos da OTAN. As milícias armadas locais, na
Líbia, nunca passaram de frágil força de ocupação, que só aparecia depois que os
ataques aéreos abriam caminho (a mesma receita que foi aplicada no Afeganistão
em 2001 e no Kurdistão iraquiano em 2003).
Na
Síria, as condições sempre foram completamente diferentes. O regime tem um
núcleo radical apoiado na comunidade alawita. Tem exército forte e bem
organizado, tem forças de segurança. Praticamente não houve deserções nem nos
altos níveis nem nos escalões inferiores do exército sírio. As forças que apoiam
Assad entenderam que teriam de lutar até o fim e estavam preparadas para
resistir contra quem se interpusesse no caminho. Sanções econômicas não
preocuparam o regime, porque ditaduras têm pleno controle dos recursos, mesmo
quando reduzidos em
quantidade. Com o prolongamento dos confrontos, Assad perdeu,
cedo, o apoio de grande parte da comunidade empresarial
síria.
Atualmente,
a militarização do conflito já não ameaça gravemente o regime, no estágio em que
está; é fator irritante, embora isso possa mudar caso a oposição faça, para o
futuro, uma opção pela guerra de guerrilhas.
No
início do segundo semestre do ano passado, parecia que Assad enfrentava a mais
poderosa coalizão internacional jamais vista. Incluía Arábia Saudita e Qatar,
EUA, União Europeia e Turquia. O que se viu logo depois é que todos esses eram a
favor de fazer-se algo em nome da democracia e de derrubar Assad... desde que
algum outro fizesse (fosse lá o que fosse). Falou-se muito sobre “paraísos
seguros” que estariam sendo criados nas fronteiras de Jordânia e Turquia. Mas
nem Jordânia nem Turquia mostraram sinais de entusiasmo para qualquer tipo de
ação que, imediatamente depois, levaria a conflito armado direto contra a Síria.
O rei Abdullah da Jordânia chegou a dizer que nada tinha contra os tais
“paraísos seguros”, desde que se mantivessem bem longe da Jordânia. A Turquia
refreou seus ardores democráticos anti-Assad logo que percebeu que acabaria
envolvida num conflito regional entre xiitas e sunitas que levaria o Irã a
atacar a Turquia, se preciso fosse, para defender seu aliado
sírio.
A
oposição síria fez o que pôde para dar ao mundo a impressão de que o que fora
feito na Líbia poderia ser reaplicado na Síria. Hoje estão sendo criticados
pelas divisões internas, pela falta de comando; talvez não tivessem outra
alternativa, além de tentar o que tentaram. (...)
A
militarização do conflito e a sectarização crescente favoreceram o regime de
Assad, contra qualquer aspiração democrática legítima que a oposição
acalentasse. E a sectarização não enfraquece só a oposição síria: ela também
ajuda a enfraquecer a coalizão internacional contra
Assad.
Em
ano de eleições presidenciais, os eleitores norte-americanos não se preocupam
muito com quem governe a Síria; mas preocupam-se muito com a
al-Qaeda.
Um
dos motes de campanha de Barack Obama na campanha presidencial será
apresentar-se como presidente cujo governo matou Osama bin Laden e manteve-se
sempre focado, diferente do governo Bush, em vingar o ataque do 11/9. A Casa
Branca não quer que a al-Qaeda dê sinais de vida. Por isso anda nervosa com o
papel que aquela organização vai ganhando dentro da oposição a Assad, na
Síria.
Semana
passada, por exemplo, um grupo inspirado na al-Qaeda e que se autodenominou
Al-Nusra Front to Protect the Levant [Frente Al-Nusra para Proteger o
Levante] declarou-se responsável por dois ataques de suicidas-bomba em Damasco,
em que morreram mais de vinte pessoas. “O regime sírio tem de parar de massacrar
os sunitas, ou pagará pelo pecado dos alawitas” – disse a Frente Al-Nusra em
declaração distribuída em vídeo. – “O que virá será mais amargo e doloroso, se
Deus for servido”.
O
regime sírio não cairá, se não houver mudança radical no equilíbrio de forças. A
indicação do ex-secretário da ONU Kofi Annan, como enviado da ONU e Liga Árabe
para negociar a paz, nunca passou de manobra ocidental para esconder o fracasso
da oposição a Assad e de seus aliados ocidentais.
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