*Adriano
Benayon
- 05.03.2012
Cada
vez mais, o nosso País vai sendo enredado na trama da oligarquia financeira e
belicista imperial, cujo programa, no tocante ao Brasil, é evitar seu
desenvolvimento, mantendo-o fraco, alienado e desarmado para sofrer, sem reação,
o saqueio de seus recursos. Apontei, em artigo recente, algumas das razões pelas
quais é muitíssimo enganosa a comemoração de o Brasil ter, agora, o sexto maior
PIB do mundo.
2.
Afora o que escondem as estatísticas, mormente consideradas isoladamente, o PIB
quantifica somente a produção realizada em um país, sem oferecer ideia alguma a
respeito de quem ganha com essa produção, nem quanto às necessidades de quem
esta serve.
3.
Por exemplo, os minérios extraídos de nosso subsolo são, em sua esmagadora
maioria, destinados ao exterior, onde entram na produção de bens cujo valor
agregado, em termos monetários, é maior que o dessas matérias-primas, dezenas e
até centenas de vezes.
4.
Na agropecuária e na agroindústria, a fabulosa dotação de terras aproveitáveis,
de água e de sol pouco serve à qualidade de vida da grande maioria dos
brasileiros, pois, no mínimo, três quartos das terras são usadas na pecuária
extensiva para proporcionar carne barata aos importadores, e em mais de 70% dos
25% das terras restantes estendem-se culturas orientadas para a exportação de
alimentos e de matérias-primas. Só a soja ocupa 40% da área cultivada, para
fornecer farelo destinado, quase todo, à alimentação de animais no
estrangeiro.
5.
Nem mesmo a minoria dos brasileiros em condições econômicas e culturais para
desfrutar de alimentação saudável, o consegue, porquanto a produção agrícola
utiliza, em nível de recorde mundial, defensivos altamente tóxicos, produzidos
por transnacionais estrangeiras. Estas fornecem, ademais, as sementes
transgênicas, que causam a degradação da agricultura, a dependência e a
insegurança nessa área estratégica, e ameaçam a sobrevivência das abelhas e das
espécies vegetais.
6.
Entre outros efeitos do modelo, o
saldo das transações correntes do
balanço de pagamentos partiu de resultado positivo, no quadriênio 2004-2007, de
US$ 40,2 bilhões, para déficit US$
149,2 bilhões de 2008 a 2011, ou seja, houve queda
de US$ 189,4 bilhões (cifras apontadas pelo economista Flávio Tavares de
Lyra).
7.
Mais: o balanço das mercadorias ainda teve saldos positivos, em função da
colossal quantidade exportada de bens primários, mas esses saldos são
decrescentes. Como são crescentes os déficits dos balanços de rendas e de
serviços (lucros, dividendos e juros remetidos oficialmente pelas
transnacionais), os saldos negativos na conta corrente aumentam
rapidamente.
8.
Isso ilustra a preponderância das empresas com matrizes no exterior nas relações
econômicas do Brasil. De 2008
a 2011, o déficit nos serviços acumulou US$ 99,4
bilhões, e o das rendas, US$ 256 bilhões.
9.
Até há pouco, o balanço de pagamentos vinha sendo “equilibrado” pelo ingresso
líquido de capitais estrangeiros, um pretenso remédio, que, na realidade,
aumenta a doença estrutural da economia, algo como drogados sentindo alívio ao
ingerir mais tóxicos, incrementando sua dependência.
10.
Se, para compensar os déficits na conta corrente, não for suficiente a soma das
entradas líquidas de investimentos diretos estrangeiros, mais a compra líquida
de ações de empresas locais, o balanço de pagamentos só fecha através de
empréstimos e financiamentos: elevando o endividamento externo. Ou a dívida
interna, com os dólares convertidos em reais pelos aplicadores do exterior para
auferir os juros mais altos do mundo.
11.
Tais aplicações podem tomar o rumo de volta a curto prazo, junto com seus
rendimentos mais apreciação cambial, devido: 1) à iminente nova recaída do
colapso financeiro dos bancos no exterior, a despeito de terem sido socorridos
com dezenas de trilhões de dólares e de euros por seus governos, satélites dos
banqueiros; 2) ao efeito combinado disso com a previsível crise das contas
externas, acarretando intensa fuga de capitais.
12.
Isso fará acabar (temporariamente, pois a maioria das pessoas não gosta de
encarar verdades desagradáveis) com muita ilusão acerca dos “êxitos” da economia
brasileira. Esses, no que têm de real, deveram-se à exuberância dos recursos
naturais e à capacidade de trabalho de muitos brasileiros e estrangeiros aqui
radicados. Entretanto, o modelo dependente e entreguista impede o Brasil de
colher os frutos dessas vantagens.
13.
Na realidade, as crises, a estagnação, se não a decadência, no longo prazo, são
consequências necessárias da estrutura econômica caracterizada pela desnacionalização, pela concentração e pela
desindustrialização.
14.
As três foram sendo implantadas segundo o modelo inculcado pelo império
financeiro mundial nas mentes crédulas e/ou corrompidas de pseudo-elites e de
classes médias subordinadas, resultando na deterioração estrutural, que se
agrava continuadamente.
15.
Neste momento, em que o “governo” petista leva adiante mais privatizações, é
perda de tempo dar atenção às críticas do PSDB, que, quando esteve no “comando”
da União Federal, de 1995
a 2002, fez que esta desse enorme salto qualitativo para o
abismo, com privatizações em massa, grandemente danosas para o
Brasil.
16.
Ocioso também gastar tempo com as “justificações” dos petistas, cujos “governos”
de 2003 até hoje (mais de nove anos), além de jamais terem tratado de corrigir o
desastre estrutural intensificado pelos tucanos, vem-lhe adicionando mais
medidas prejudiciais ao interesse nacional.
17.
Conforme listagem formulada por Maria Lucia Fattorelli, coordenadora da
Auditoria Cidadã da Dívida, o governo do PT acumula as seguintes privatizações:
1ª.
Previdência dos servidores públicos (projeto do Executivo, por ser transformado
em Lei no Congresso);
2ª. Jazidas
de petróleo, incluso o pré-sal (cujo marco regulatório foi alterado a gosto do
cartel anglo-americano);
3ª.
Aeroportos mais rentáveis do País;
4ª.
Rodovias;
5ª.
Hospitais universitários;
6ª.
Florestas:
7ª. Saúde,
educação e segurança.
18.
Claro que - à exceção do 1º e do 3º itens supra -, essas áreas já vinham sendo
privatizadas em “governos” anteriores. Entretanto, não há como ignorar que o
Executivo Federal e sua base parlamentar têm dado prosseguimento à radicalização do modelo
entreguista, cuja primeira
oficialização remonta ao golpe de 1954,
resultado de conspiração que resultou na derrubada do Presidente Getúlio
Vargas, urdida e executada por serviços secretos estrangeiros com apoio da 5ª
coluna local,
19.
É verdade que, mesmo enquanto Vargas foi presidente, já eram muito fortes as
pressões e a influência das potências anglo-americanas sobre o Brasil, e ele,
mais cauteloso que ousado e revolucionário, fraquejou em momentos decisivos,
quando a única saída, já em 1952, seria o contra-ataque, inclusive alijando do
Exército os principais oficiais simpáticos àquelas potências ou por elas
cooptados.
20.
Naquele ano, o ministro das Relações Exteriores e o chefe do Estado-Maior das
FFAA negociaram acordo militar com os EUA, sem o conhecimento do ministro da
Guerra, que se demitiu, quando Vargas consentiu com esse acordo. O presidente
começou, então, a perder sua base militar e ser posto na defensiva pelos
artífices da conspiração.
21.
Por que fazer referência ao golpe de 24 de agosto de 1954 como marco do modelo
que gradualmente espatifou o que restava de independência nacional? Porque, 20
dias depois, foram baixados regulamentos, como a Instrução 113 da SUMOC (nas
funções de Banco Central), os quais permitiram que as subsidiárias das
transnacionais importassem máquinas e equipamentos amortizados no exterior, mais
que sucatados após mais de dez anos de uso, e o registrassem como investimento
em moeda estrangeira, com altos valores.
22.
Inaugurava-se assim a política de subsidiar as empresas estrangeiras e de tornar
praticamente impossível a permanência no mercado de empresas brasileiras por
muito tempo. Os subsídios foram sendo, por vezes substituídos e, em geral,
acumulados.
23,
JK não fez revogar quaisquer medidas do governo udeno-militar instalado com o
golpe de 1954 e, ainda por cima, criou vantagens especiais para “incentivar os
investimentos estrangeiros”. Em 1964/66 o czar da economia do presidente militar
eleito pelo Congresso, com a colaboração de JK, após o novo golpe, Roberto
Campos, deu grande impulso ao desbaratamento da indústria de capital
nacional.
24.
Apavorada pelo espantalho do comunismo, grande parte da classe média e dos
militares deixou-se manipular pelo falso maniqueísmo da Guerra Fria, caindo nos
braços do império anglo-americano. Em consequência, a desnacionalização e a
concentração cresceram
vertiginosamente até os dias de hoje.
25.
De fato, nem sequer os dirigentes militares menos alinhados com os EUA, e menos
ainda, os do regime instalado - sob a supervisão dos serviços secretos
estrangeiros, durante e após a transição para a pseudo-democracia - trabalharam
por conter a concentração econômica, nas mãos, cada vez mais, das
transnacionais.
26.
Assim, a estrutura econômica dos anos 90 em diante já era outra bem diferente da
dos anos 50, quando ainda o voto popular não era totalmente teleguiado pelo
dinheiro e pela grande mídia, a serviço dos concentradores, nem existiam redes
de TV. Atualmente, os partidos políticos, quase todos, estão a serviço das
transnacionais ou de bancos estrangeiros e locais.
27.
Até 1964, o voto popular, que favorecia Vargas e seus seguidores, foi frustrado
pelas intervenções a mando do estrangeiro, com a desestabilização de governos
eleitos, apoiada pela grande mídia e fomentada pelas transnacionais e pelos
governos dos países hegemônicos. Ou seja pelas “democracias ocidentais”, as
quais, como hoje está claríssimo, nada tinham de democráticas e, agora,
descambam para o estado policial internamente e para ostensivas e brutais
agressões imperiais no exterior. JK foi o único que, eleito pelo voto popular,
terminou seu mandato. Mas por que? O dito no parágrafo 23 o
explica.
28.
Ao longo dos governos militares, embora tenham sido cassados e afastados muitos
nacionalistas das FFAA, não se cuidara de privatizações, e foram criadas novas
estatais. Entretanto, nem mesmo após o primeiro daqueles governos, claramente
pró-EUA, houve reversão das políticas favorecedoras das transnacionais e
cerceadoras das empresas privadas de capital nacional.
29.
Por isso, os “milagres” de JK e de alguns governos militares (altas taxas de
crescimento do PIB), mostraram-se falsos e redundaram na explosão da dívida
externa, no final dos anos 70, seguida da inadimplência em 1982, ficando o País à mercê dos fraudulentos credores
externos.
30.
Sem lideranças revolucionárias capazes de entender o desastre estrutural da
economia e de lutar por revertê-lo, o Brasil submeteu-se aos famigerados planos
Baker e Brady e ao Consenso de Washington. A Constituição de 1988 foi fraudada
para privilegiar o serviço da dívida, o que levou a pagamentos astronômicos e,
apesar deles, ao crescimento exponencial da dívida
interna.
31.
Seguiram-se privatizações sob o ridículo pretexto de obter recursos para o
pagamento das dívidas, num processo em que o País gastou centenas de bilhões de
reais para alienar patrimônios fantásticos. É isso que está sendo reativado
agora, e não nos admira, pois, se FHC teve por meta destruir o que ficou da Era
Vargas, o PT foi criado para dividir os trabalhadores, com mais um partido, este
pretensamente de resultados, simpático às transnacionais e desprovido de
consciência nacional.
*Adriano
Benayon
é doutor em economia e autor do livro
Globalização versus Desenvolvimento, editora Escrituras
SP.
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