sábado, 24 de março de 2012

Tropeço da Frente FMLN nas eleições, em El Salvador


Toda atenção aos que, no Brasil, acham que a “reforma política” seria sempre a salvação da lavoura...

(por sugestão da Rede Tlaxcala de Tradutores)

24/3/2012, S. Seguí, Rebelión
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Eleições em El Salvador
Domingo, 11/3, El Salvador teve eleições legislativas de meio de mandato, que se fazem a cada três anos, para renovação da Assembleia Nacional, única câmara legislativa do país (há eleições presidenciais a cada cinco anos; as próximas estão previstas para 2014). Simultaneamente, se elegeram prefeitos e conselhos municipais em todo o país.

Mauricio Funes
Para surpresa do partido no poder, a Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional, Frente FMLN [Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional], cujo candidato, o independente Mauricio Funes, venceu as eleições presidenciais em 2009, o partido de direita, Aliança Republicana Nacionalista, ARENA [Alianza Republicana Nacionalista] conseguiu aumentar em três votos sua representação na Assembleia Nacional, e a Frente FMLN perdeu um voto, passando de 32 a 31 representantes. O terceiro partido que disputava votos, a Grande Aliança pela Unidade Nacional, GANA [Gran Alianza por la Unidad Nacional], com 11 deputados eleitos, passou a ser a 3ª força política no país.

Nos termos dos Acordos de Paz de 1992, que marcaram o fim de uma guerra civil de 12 anos que fez 70 mil mortos, segundo estimativas, a Frente FMLN abandonou a resistência armada, converteu-se em partido político e integrou-se ao processo eleitoral. 

Desde então, as sucessivas eleições em El Salvador sempre foram contaminadas pela compra de votos, por pressões dos EUA e por fraude generalizada, o que facilitou o avanço da ARENA, direitista.

Nas eleições presidenciais de 2009, por exemplo, houve denúncias comprovadas de que a ARENA introduziu no país caminhões de cidadãos guatemaltecos e hondurenhos portadores de documentos de identidade vencidos ou falsificados, para votar em San Salvador como cidadãos salvadorenhos.

Apesar dos esforços da ARENA, a Frente FMLN venceu aquelas eleições, com Mauricio Funes, jornalista independente muito popular entre os eleitores de centro-esquerda, que posteriormente manteve certa neutralidade política em várias questões.

Naquela ocasião, também o governo norte-americano dos Republicanos de George Bush fez vazar notícias ameaçadoras, sobre emigrados salvadorenhos nos EUA (mais de dois milhões, numa população de menos de sete milhões); os salvadorenhos foram ameaçados com repatriação massiva dos que viviam sem visto de residente e em situação precária nos EUA. As remessas de dinheiro dos emigrados salvadorenhos que vivem fora do país são hoje a base da economia em San Salvador.

O governo de Funes tem mantido boas relações com os EUA, apesar da longa história de intervenção dos norte-americanos em El Salvador. Durante a guerra civil de 1980-1992, Washington treinou e financiou o exército salvadorenho e esquadrões da morte. Nos momentos mais agudos dos confrontos, o montante diário da ajuda militar norte-americana ao governo do presidente José Napoleón Duarte alcançou um milhão de dólares por dia.

Programas sociais instituídos pela Frente FMLN

Nos dois anos de governo de Mauricio Funes, que pouco tem avançado no caminho do que exige sua base eleitoral, de que modifique substancialmente o modelo de economia neoliberal do país, implantaram-se importantes reformas sociais nas áreas da Saúde, Alfabetização e Educação.

Em primeiro lugar, as Equipes Comunitárias de Saúde, ECO [Equipos Comunitarios de Salud], estrutura descentralizada de centros de saúde, que está oferecendo assistência gratuita nas comunidades pobres. Além de assistência especializada de médicos e enfermeiras, muitos dos quais têm de deslocar-se por longas distâncias, todos os dias, para chegar aos ECO, os novos “promotores de saúde rural” daqueles centros fazem visitas domiciliares, com enfoque na assistência preventiva à saúde, saúde reprodutiva e atenção pré-natal.

Além disso, a “Lei dos Medicamentos”, recentemente aprovada, destinada a baratear o preço de vários medicamentos básicos, tornando-os acessíveis a todos, contribuirá também para melhorar sensivelmente a saúde geral.

No Ensino, o programa “Pacote Escolar” [Paquete Escolar] e o “Programa de Alimentação e Saúde Escolar [Programa de Alimentación y Salud Escolar] são iniciativas que pela primeira vez asseguram assistência regular e permanente a estudantes da escola primária, com uniformes, sapatos e material escolar para os alunos mais pobres e alimentação nas escolas.

Esses programas sociais, somados às reformas na agricultura, com emissão de títulos de propriedade para os agricultores e acesso a sementes e fertilizantes distribuídos gratuitamente, testemunham o cumprimento de uma plataforma do grupo parlamentar da Frente FMLN, de que “se encaminha para um desenvolvimento equilibrado”.

Enquanto o governo da Frente FMLN tem-se concentrado nas reformas sociais, a direita aplicou todo seu empenho numa reforma político-eleitoral, fundamentalmente na introdução do sistema de listas fechadas e desbloqueadas (podem-se escolher candidatos de diferentes partidos[1]). Pelo número de votos nos partidos, calcula-se o coeficiente eleitoral e o número de assentos de cada partido; pelo número de votos (em um ou em vários nomes) dentro de cada lista, decide-se quem é eleito. A complexidade do procedimento prejudicou a base eleitoral da Frente FMLN, que enfrentou sérias dificuldades para expressar suas escolhas.

Nos municípios, fracasso relativo 

Mesmo assim, embora os resultados das eleições parlamentares possam ser considerados de “empate técnico”, e a queda no número de votos para a Frente FMLN possa explicar-se pela crise econômica generalizada, sentiu-se, nas eleições municipais, algo bem próximo de uma derrota da esquerda, que perdeu alguns municípios importantes, muitos na Grande San Salvador (Mejicanos, Apopa, San Martín, Soyapango), embora tenha vencido em outras prefeituras. de importante força simbólica (Nejapa, Suchitoto), mas por pequena diferença.

Próximo encontro, em 2014

Embora não se possa falar de fracasso eleitoral, a Frente FMLN recebeu um claro sinal de alerta nas eleições de domingo, que deixam perguntas importantes a serem respondidas pela militância em todo o país.

Será preciso analisar em profundidade as tendências dessa votação, as consequências da aplicação das reformas eleitorais, a abstenção, sobretudo em locais que tradicionalmente votam com a Frente FMLN e as denúncias de fraude ou tentativa de fraude, como intimidação de eleitores e compra de votos. Tudo isso, devidamente analisado, permitirá que se compreenda mais amplamente por que a Frente FMLN perdeu força no Poder Legislativo. E há ainda outros aspectos dos resultados eleitorais a serem analisados nas semanas vindouras.

Depois da eleição presidencial de 2009, a aliança ARENA dividiu-se, nascendo daí a aliança GANA, que se apresentou como alternativa moderada à Frente FMLN e à ARENA. A GANA conseguiu 11 dos 84 assentos à Assembleia Nacional (a ARENA, 33; e a Frente FMLN, 31) e parece que soube conquistar alguns dos “eleitores indecisos” com cujos votos a Frente FMLN contava. Assim, apesar da divisão, a ARENA e seus recursos aparentemente inesgotáveis a serviço da vitória eleitoral continuam a ser fator de muito peso no tabuleiro político salvadorenho. A Frente FMLN também se mantém como ator de muito peso; e, menos importante, a aliança GANA. Os demais partidos, continuam a ser muito acentuadamente minoritários.





Nota dos tradutores
[1] Sobre isso, pelo menos para entender melhor o processo, ver 22/3/2012, Carlos G. Romero, “Reforma electoral. ¿Quién puso la foto allí?”, La Prensa Gráfica, San Salvador.

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