segunda-feira, 5 de março de 2012

Irã: Obama (afinal) começa a entender


6/3/2012, *M K Bhadrakumar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Os resultados da eleição da 6ª-feira para o Parlamento iraniano, o Majlis, gera um clima político em Teerã que traz bons augúrios para o início de conversações sobre a questão nuclear. O governo dos EUA dá sinais de ter percebido os sinais. O grande problema é se o presidente Barack Obama conseguirá arrastar os dois aliados chaves dos EUA – Arábia Saudita e Israel – na busca de uma solução “permanente” para o impasse EUA-Irã. 

Até aqui, vivemos uma estação de fábulas. A política iraniana desperta grande curiosidade e o período eleitoral torna-se um carnaval de fábulas. Há quatro anos o Corpo dos Guardas Revolucionários Islâmicos (CCRI ) usurpava o poder político e o país tornava-se uma ditadura militar. Esse ano (pelo menos até aqui), é o Supremo Líder aiatolá Ali Khamenei quem está despachando o presidente Mahmoud Ahmedinejad para o exílio político, e o Majlis é a arena na qual poderiam ser contestados. Já ninguém recorda como Khamenei combateu sem armas o desafio dos reformistas em 2009 e preservou a presidência de Ahmedinejad. 

Sim, a política iraniana, como a política em todos os lugares, é complexa. O establishment religioso xiita é historicamente conhecido pelas muitas fissuras. Não há no Irã política de partidos, como é conhecida nas democracias liberais ocidentais. Mas grupos, claques e grupos de interesse realinham-se incessantemente, o que dá grande animação e vitalidade à política iraniana. 

As eleições da 6ª-feira passada não fugiram à regra. Fator a mais, a ser considerado, é o modo como o novo Parlamento recém eleito afetará a estrutura de poder no país – e que impacto terá sobre as políticas – numa conjuntura na qual o Irã está numa encruzilhada, contra o pano de fundo dos muitos levantes que se veem em toda a região. 

Considerados os resultados, a composição do Parlamento iraniano pode mudar para uma direção que talvez altere positivamente o contexto da segurança regional. As facções e claques que podem ser chamadas de “conservadoras” – no contexto iraniano – uniram-se como “Principistas” e disputaram as eleições como grupo identificável; e saíram-se extraordinariamente bem. 

Os Principistas reúnem clérigos e não clérigos que formaram uma “frente unida”. Aproximaram-se e uniram-se pela mesma visão política conservadora que têm sobre a ideologia da revolução iraniana e sobre a absoluta centralidade do velayat-e faqih – o governo xiita.

Solução permanente

O fato de o Parlamento ficar sob maioria dos Principistas dará ainda maior coesão a toda a estrutura de poder, mais do que jamais teve na última década e meia. Mas nada disso altera o papel central do Supremo Líder, que jamais esteve sob discussão – e a instituição não carece de qualquer “fortalecimento” pelo Parlamento. 

Não se deve deixar de considerar tampouco, que a autoridade do presidente e a efetividade de seu poder executivo sempre dependeu de sua capacidade de operar dentro do sistema. 

Os Principistas fortalecem significativamente a estrutura do poder. No que tenha a ver com os interlocutores do Irã, passarão, provavelmente, a ouvir uma voz mais unificada. Feitas as contas portanto, o que interessa à comunidade internacional é que Teerã agora se aproxima como frente política muito mais consolidada, da mesa de negociações sobre a questão nuclear. 

O ocidente, agindo quase que por reflexo, desqualifica e desconsidera eleições no Irã. Mas Obama parece perceber a mudança no centro do poder em Teerã e a consolidação da autoridade, como uma janela de oportunidades.

Parece que não escapou aos olhos de Obama que, no calor das eleições para o Majlis, o Supremo Líder iraniano fez declaração extraordinariamente importante sobre a questão nuclear. Falando para uma plateia de cientistas nucleares iranianos, Khamenei disse:

“O objetivo do alarido que [o ocidente] provoca é nos deter. Eles sabem que não estamos construindo armas nucleares. Já sabem disso. Não tenho qualquer dúvida de que, nos países que se opõem a nós, as organizações encarregadas de construir decisões sabem plena e perfeitamente que nós não estamos à procura de armas nucleares. 
Armas nucleares não nos trazem, de modo algum, qualquer benefício. Além disso, de uma perspectiva ideológica e [velayat-e] faqih, entendemos que desenvolver armas nucleares é procedimento ilegal e proscrito. Usar armas nucleares é, segundo nosso entendimento, grande pecado. Também entendemos que armazenar tais armas é inútil e perigoso. Armas nucleares jamais nos interessarão. Eles sabem disso. Mas insistem em manter a questão como se fosse questão central, para fazer parar o nosso movimento”.[1]

Assim, depois de refletir durante quinze dias sobre as palavras de Khamenei, Obama decidiu tomá-las em consideração. Foi o grande destaque da entrevista de Obama a Jeffrey Goldberg do The Atlantic Monthly, semana passada. 

Obama destacou que está buscando uma solução “permanente” para a questão iraniana, “permanente, no sentido de não temporária”. Disse então que uma solução permanente só seria possível se o Irã se mostrasse “atento aos seus próprios interesses”. Em seguida, fez uso brilhante de uma dupla negação, que daria inveja a qualquer falante do persa, Obama acrescentou:

“Eles [os iranianos] são sensíveis à opinião do povo, e o atual isolamento lhes cria problemas (...). São capazes de tomar decisões a partir da necessidade de evitar resultados negativos da perspectiva deles. Assim, se lhes forem oferecidas opções (...) nada garante que não tomem melhor decisão.[2]

Obama admitiu que os EUA terão de fazer alguma espécie de negociação; e que isso é possível porque lhe parece que os líderes iranianos, afinal de contas, são capazes de agir racionalmente. Por outro lado, Obama considerou que um ataque militar contra o Irã seria “desvio” [orig. distraction] desnecessário.

Porque, como disse Obama:

“... o Irã ainda não tem uma arma nuclear e não está em posição de ter arma nuclear, sem que nós [Washington] saibamos com muita antecedência de qualquer tentativa de produzir tais armas”. 

EUA “contamos com o apoio de Israel”

Parece que afinal aparece um presidente na Casa Branca que começa a entender corretamente o Irã. Finalmente. De difícil, só, que começa agora a surgir o problema de Obama, vindo de duas frentes. De um lado, a Arábia Saudita, cuja prioridade regional atualmente não é Irã-EUA, mas derrubar o regime em Damasco, mediante intervenção ocidental/EUA, porque os sauditas creem que a queda de Damasco será como espada trespassada no coração do Irã-potência-regional e enfraquecerá a causa do empoderamento xiita (inclusive na própria Arábia Saudita). 

A dramática “saída do recinto”, protagonizada pelo ministro das Relações Exteriores saudita, Saud al-Faisal, durante reunião dos “m  “Amigos da Síria” em Túnis, semana passada, mostra bem as ondas a enfrentar. Mas, isso posto, é preciso não deixar de ver que os sauditas também entendem muito bem que, ao que tudo indica, Khamenei acaba de conseguir que não se reproduza aquela espécie de divisionismo que, nos últimos anos, lançou em confusão e tumulto as políticas iranianas (e os negociadores iranianos), entre as quais a política nacional nuclear. 

Pode-se prever que não desagradaria tampouco aos sauditas ver em Teerã uma estrutura coesa de poder. O importante é que, no futuro imediato, Teerã terá de tomar algumas decisões difíceis; e terá de estar forte, resistente e consistente o bastante para mostrar flexibilidade. 

O principal problema de Obama não é esse e vem de outro lugar: ele tem de lidar com o governo israelense do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Netanyahu é freguês dos mais difíceis, para Obama; mas a imprensa exagera, ao insistir em que “Bibi” seria o árbitro da re-eleição de Obama; não é.

O “problema Netanyahu” inclui o fato de que 2012 seja ano de eleições nos EUA, sim, mas, como Obama sugeriu com sarcasmo:

“... há um conjunto de atores políticos [na política dos EUA] que gostam de ser vistos como se tivessem poder para separar, não os EUA e Israel, mas Barack Obama e o voto dos judeu-norte-americanos que, historicamente, sempre apoiaram firmemente sua candidatura”. 

O instinto político de Obama não erra. Em 2008, 78% do voto judeu foi de Obama; e os judeus não avaliam apenas a política em relação a Israel. Além do quê, também em Israel, a maioria da opinião pública milita contra qualquer tipo de conflito com o Irã. 

Por isso a mensagem de Obama na entrevista a Goldberg é importante: ao longo da entrevista, além de dizer que apoia firmemente Israel, Obama repetiu várias vezes que “os EUA contamos com o apoio de Israel”. 

Como se esperava, Obama fez juras de amor eterno a Israel também no domingo, no Fórum do AIPAC (American Israel Public Affairs Committee). Mas disse “meu compromisso” – não dos EUA – com Israel. E repetiu: “Conto com total apoio de Israel”. Em seguida voltou ao ponto, a saber, que a atual estratégia de Washington de sanções contra o Irã está funcionando e que ainda há recursos de diplomacia a serem tentados:

“Creio firmemente que ainda resta uma oportunidade de sucesso para a diplomacia, apoiada em pressão”. 

No final de tudo, não há dúvidas de que Obama disse o que quis dizer na mensagem duradoura que deixou ao público do AIPAC:

“Já há excesso de perigoso palavreado solto, sobre guerra”. [3] 



Notas dos tradutores

[1] 29/2/2012, no sítio do Aiatolá Khamenei (em várias línguas, mas a redecastorphoto só conseguiu acessar com o Firefox) 

[2] Entrevista concedida a Jeffrey Goldberg em 2/3/2012: “Obama to Iran and Israel: 'As President of the United States, I Don't Bluff'”.

[3] Orig. loose talk. Literalmente, “conversa solta”, sempre no sentido de conversa potencialmente perigosa. Durante a II Guerra Mundial, circularam nos EUA, entre os soldados norte-americanos vários Manuais de Conduta, um dos quais levava o título de Loose Talk Costs Lives [lit. “Conversa solta custa vidas”]; em Loose Lips Sink Ships, por exemplo, vê-se um cartaz em que se lê, no mesmo espírito: Loose Lips Might Sink Ships [ap. “Lábios soltos podem afundar navios”].

*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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