6/3/2012, *M K
Bhadrakumar, Asia Times Online
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Os
resultados da eleição da 6ª-feira para o Parlamento iraniano, o Majlis, gera um clima político em
Teerã que traz bons augúrios para o início de conversações sobre a questão
nuclear. O governo dos EUA dá sinais de ter percebido os sinais. O grande
problema é se o presidente Barack Obama conseguirá arrastar os dois aliados
chaves dos EUA – Arábia Saudita e Israel – na busca de uma solução “permanente”
para o impasse EUA-Irã.
Até
aqui, vivemos uma estação de fábulas. A política iraniana desperta grande
curiosidade e o período eleitoral torna-se um carnaval de fábulas. Há quatro
anos o Corpo dos Guardas Revolucionários Islâmicos (CCRI ) usurpava o poder
político e o país tornava-se uma ditadura militar. Esse ano (pelo menos até
aqui), é o Supremo Líder aiatolá Ali Khamenei quem está despachando o presidente
Mahmoud Ahmedinejad para o exílio político, e o Majlis é a arena na qual poderiam ser contestados.
Já ninguém recorda como Khamenei combateu sem armas o desafio dos reformistas em
2009 e preservou a presidência de Ahmedinejad.
Sim,
a política iraniana, como a política em todos os lugares, é complexa. O establishment religioso xiita é historicamente conhecido
pelas muitas fissuras. Não há no Irã política de partidos, como é conhecida nas
democracias liberais ocidentais. Mas grupos, claques e grupos de interesse
realinham-se incessantemente, o que dá grande animação e vitalidade à política
iraniana.
As
eleições da 6ª-feira passada não fugiram à regra. Fator a mais, a ser
considerado, é o modo como o novo Parlamento recém eleito afetará a estrutura de
poder no país – e que impacto terá sobre as políticas – numa conjuntura na qual
o Irã está numa encruzilhada, contra o pano de fundo dos muitos levantes que se
veem em toda a região.
Considerados
os resultados, a composição do Parlamento iraniano pode mudar para uma direção
que talvez altere positivamente o contexto da segurança regional. As facções e
claques que podem ser chamadas de “conservadoras” – no contexto iraniano –
uniram-se como “Principistas” e disputaram as eleições como grupo identificável;
e saíram-se extraordinariamente bem.
Os
Principistas reúnem clérigos e não clérigos que formaram uma “frente unida”.
Aproximaram-se e uniram-se pela mesma visão política conservadora que têm sobre
a ideologia da revolução iraniana e sobre a absoluta centralidade do velayat-e faqih – o governo xiita.
Solução
permanente
O
fato de o Parlamento ficar sob maioria dos Principistas dará ainda maior coesão
a toda a estrutura de poder, mais do que jamais teve na última década e meia.
Mas nada disso altera o papel central do Supremo Líder, que jamais esteve sob
discussão – e a instituição não carece de qualquer “fortalecimento” pelo
Parlamento.
Não
se deve deixar de considerar tampouco, que a autoridade do presidente e a
efetividade de seu poder executivo sempre dependeu de sua capacidade de operar
dentro do sistema.
Os
Principistas fortalecem significativamente a estrutura do poder. No que tenha a
ver com os interlocutores do Irã, passarão, provavelmente, a ouvir uma voz mais
unificada. Feitas as contas portanto, o que interessa à comunidade internacional
é que Teerã agora se aproxima como frente política muito mais consolidada, da
mesa de negociações sobre a questão nuclear.
O
ocidente, agindo quase que por reflexo, desqualifica e desconsidera eleições no
Irã. Mas Obama parece perceber a mudança no centro do poder em Teerã e a
consolidação da autoridade, como uma janela de oportunidades.
Parece
que não escapou aos olhos de Obama que, no calor das eleições para o Majlis, o Supremo Líder iraniano fez
declaração extraordinariamente importante sobre a questão nuclear. Falando para
uma plateia de cientistas nucleares iranianos, Khamenei
disse:
“O
objetivo do alarido que [o ocidente] provoca é nos deter. Eles sabem que não
estamos construindo armas nucleares. Já sabem disso. Não tenho qualquer dúvida
de que, nos países que se opõem a nós, as organizações encarregadas de construir
decisões sabem plena e perfeitamente que nós não estamos à procura de armas
nucleares.
Armas nucleares não nos trazem, de modo algum, qualquer
benefício. Além disso, de uma perspectiva ideológica e [velayat-e] faqih, entendemos que desenvolver
armas nucleares é procedimento ilegal e proscrito. Usar armas nucleares é,
segundo nosso entendimento, grande pecado. Também entendemos que armazenar tais
armas é inútil e perigoso. Armas nucleares jamais nos interessarão. Eles sabem
disso. Mas insistem em manter a questão como se fosse questão central, para
fazer parar o nosso movimento”.[1]
Assim,
depois de refletir durante quinze dias sobre as palavras de Khamenei, Obama
decidiu tomá-las em consideração. Foi o grande destaque da entrevista de Obama a
Jeffrey Goldberg do The Atlantic
Monthly, semana passada.
Obama
destacou que está buscando uma solução “permanente” para a questão iraniana,
“permanente, no sentido de não temporária”. Disse então que uma solução
permanente só seria possível se o Irã se mostrasse “atento aos seus próprios
interesses”. Em seguida, fez uso brilhante de uma dupla negação, que daria
inveja a qualquer falante do persa, Obama acrescentou:
“Eles [os iranianos] são
sensíveis à opinião do povo, e o atual isolamento lhes cria problemas (...). São
capazes de tomar decisões a partir da necessidade de evitar resultados negativos
da perspectiva deles. Assim, se lhes forem oferecidas opções (...) nada garante
que não tomem melhor decisão.[2]
Obama
admitiu que os EUA terão de fazer alguma espécie de negociação; e que isso é
possível porque lhe parece que os líderes iranianos, afinal de contas, são
capazes de agir racionalmente. Por outro lado, Obama considerou que um ataque
militar contra o Irã seria “desvio” [orig.
distraction] desnecessário.
Porque,
como disse Obama:
“...
o Irã ainda não tem uma arma nuclear e não está em posição de ter arma nuclear,
sem que nós [Washington] saibamos com muita antecedência de qualquer tentativa
de produzir tais armas”.
EUA
“contamos com o apoio de Israel”
Parece
que afinal aparece um presidente na Casa Branca que começa a entender
corretamente o Irã. Finalmente. De difícil, só, que começa agora a surgir o
problema de Obama, vindo de duas frentes. De um lado, a Arábia Saudita, cuja
prioridade regional atualmente não é Irã-EUA, mas derrubar o regime em Damasco,
mediante intervenção ocidental/EUA, porque os sauditas creem que a queda de
Damasco será como espada trespassada no coração do Irã-potência-regional e
enfraquecerá a causa do empoderamento xiita (inclusive na própria Arábia
Saudita).
A
dramática “saída do recinto”, protagonizada pelo ministro das Relações
Exteriores saudita, Saud al-Faisal, durante reunião dos “m “Amigos da Síria” em Túnis, semana passada,
mostra bem as ondas a enfrentar. Mas, isso posto, é preciso não deixar de ver
que os sauditas também entendem muito bem que, ao que tudo indica, Khamenei
acaba de conseguir que não se reproduza aquela espécie de divisionismo que, nos
últimos anos, lançou em confusão e tumulto as políticas iranianas (e os
negociadores iranianos), entre as quais a política nacional nuclear.
Pode-se
prever que não desagradaria tampouco aos sauditas ver em Teerã uma estrutura
coesa de poder. O importante é que, no futuro imediato, Teerã terá de tomar
algumas decisões difíceis; e terá de estar forte, resistente e consistente o
bastante para mostrar flexibilidade.
O
principal problema de Obama não é esse e vem de outro lugar: ele tem de lidar
com o governo israelense do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Netanyahu é
freguês dos mais difíceis, para Obama; mas a imprensa exagera, ao insistir em
que “Bibi” seria o árbitro da re-eleição de Obama; não é.
O
“problema Netanyahu” inclui o fato de que 2012 seja ano de eleições nos EUA,
sim, mas, como Obama sugeriu com sarcasmo:
“...
há um conjunto de atores políticos [na política dos EUA] que gostam de ser
vistos como se tivessem poder para separar, não os EUA e Israel, mas Barack
Obama e o voto dos judeu-norte-americanos que, historicamente, sempre apoiaram
firmemente sua candidatura”.
O
instinto político de Obama não erra. Em 2008, 78% do voto judeu foi de Obama; e
os judeus não avaliam apenas a política em relação a Israel. Além do quê, também
em Israel, a maioria da opinião pública milita contra qualquer tipo de conflito
com o Irã.
Por
isso a mensagem de Obama na entrevista a Goldberg é importante: ao longo da
entrevista, além de dizer que apoia firmemente Israel, Obama repetiu várias
vezes que “os EUA contamos com o apoio de Israel”.
Como
se esperava, Obama fez juras de amor eterno a Israel também no domingo, no Fórum
do AIPAC (American Israel Public
Affairs Committee). Mas disse “meu compromisso” – não dos EUA – com Israel.
E repetiu: “Conto com total apoio de Israel”. Em seguida voltou ao ponto, a
saber, que a atual estratégia de Washington de sanções contra o Irã está
funcionando e que ainda há recursos de diplomacia a serem tentados:
“Creio
firmemente que ainda resta uma oportunidade de sucesso para a diplomacia,
apoiada em pressão”.
No
final de tudo, não há dúvidas de que Obama disse o que quis dizer na mensagem
duradoura que deixou ao público do
AIPAC:
“Já há excesso de perigoso palavreado solto, sobre
guerra”. [3]
Notas
dos tradutores
[1]
29/2/2012,
no
sítio do Aiatolá Khamenei (em várias línguas, mas a
redecastorphoto só conseguiu acessar com o Firefox)
[2] Entrevista concedida a Jeffrey Goldberg em 2/3/2012: “Obama to Iran and Israel: 'As President of the United States, I Don't
Bluff'”.
[3]
Orig. loose talk. Literalmente, “conversa
solta”, sempre no sentido de conversa potencialmente perigosa. Durante a II
Guerra Mundial, circularam nos EUA, entre os soldados norte-americanos vários
Manuais de Conduta, um dos quais levava o título de
Loose Talk Costs Lives
[lit. “Conversa solta custa vidas”]; em
“Loose Lips Sink
Ships”,
por exemplo, vê-se um cartaz em que se lê, no mesmo espírito:
Loose Lips Might Sink Ships [ap. “Lábios soltos podem afundar
navios”].
*MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu,
Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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