7/3/2012, Toby
Matthiesen,
The Middle
East Channel
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Toby
Matthiesen
é
pesquisador associado em Estudos Islâmicos e do Oriente Médio, na Universidade
de Cambridge.
Pelo
menos sete jovens muçulmanos xiitas foram mortos e dezenas de outros foram
feridos por forças de segurança no leste da Arábia Saudita, nos últimos meses.
Embora não haja detalhes dos confrontos, e o Ministério do Interior alegue que
todos foram feridos ou mortos depois de atacarem forças da segurança, em todos
os casos houve protestos de massa depois dos funerais. Esses são só os eventos
mais recentes da luta dos xiitas sauditas, que se arrasta por décadas, e que
ganhou nova urgência no contexto dos levantes regionais de 2011 – mas que
permanece em vasta medida ignorada pela imprensa local dominante e ocidental em
geral.
Hilária e o Rei... |
Essa
resposta repressiva, com ecos retóricos diferentes, se comparada ao que se ouve
sobre o regime sírio de Bashar al-Assad, impõe desafio perigoso à recente
política externa dos sauditas. Os protestos populares na Província do Leste são
tão legítimos quanto os protestos na Síria. Se a Arábia Saudita não responder
àqueles clamores por reformas em casa, como poderá esperar merecer algum crédito
quando se declara defensora da democracia na Síria? A violência na Arábia
Saudita e no Bahrain deu aos regimes iraniano e sírio, assim como aos movimentos
políticos no Líbano e Iraque, um útil trunfo retórico a ser usado contra seus
rivais regionais.
Na
Província do Leste está virtualmente todo o petróleo da Arábia Saudita, além de
uma considerável minoria xiita estimada em entre 1,5 milhão e 2 milhões de
habitantes, cerca de 10% da população da Arábia Saudita. O credo Wahhabi dos
islâmicos sunitas que o Estado abraça na Arábia Saudita desenvolveu hostilidade
especial contra os xiitas. Os cidadãos sauditas xiitas, por sua vez, há muito
tempo protestam contra a discriminação de suas práticas religiosas, nos empregos
públicos e no comércio, e contra a marginalização em
geral.
Por
décadas, grupos de oposição formados por xiitas sauditas, grupos de esquerda e
islamistas, além de centenas de petições assinadas por xiitas notáveis, repetem
as mesmas demandas: fim da discriminação sectária nos empregos públicos e
representação nos principais setores do estado, inclusive no plano ministerial;
mais desenvolvimento para as áreas xiitas; fortalecimento do judiciário xiita; e
fim das prisões de xiitas por razões religiosas e políticas. Nenhuma dessas
demandas, se atendida, comprometeria significativamente a posição da família
real, ou ameaçaria, de qualquer outro modo, a integridade da Arábia Saudita.
Atendidas essas demandas, todo o atual sistema político ganharia solidez, e
seria possível pensar em atrair para o regime a solidariedade, ou no mínimo a
simpatia, de 2 milhões de xiitas que vivem literalmente em cima de todo o
petróleo do reino.
Desde
o ano passado, as demandas passaram a incluir a libertação de nove prisioneiros
políticos xiitas e a retirada do Bahrain das forças sauditas, ou pelo menos, uma
solução negociada para aquele conflito, além de reformas políticas mais gerais
na Arábia Saudita. O governo prometeu aos jovens ativistas que suas dificuldades
seriam examinadas em abril de 2011 e, depois de um pedido de respeitados
clérigos sauditas xiitas, para que suspendessem os protestos, os jovens
concordaram. Mas o governo nada fez do que prometera, e respondeu com mais
repressão depois do verão, embora tenha libertado alguns dos que haviam sido
presos durante os protestos de fevereiro a abril de 2011. A situação, portanto,
permaneceu tensa, e quando quatro xiitas foram mortos em novembro, seus funerais
transformaram-se em protestos contra o regime que reuniram mais de 100 mil
manifestantes.
A
percepção de discriminação sistemática tem levado alguns xiitas sauditas a
abraçar ideologias revolucionárias, na verdade, há décadas. Embora existam
grupos pró-Irã entre os xiitas do Golfo, não são os mais poderosos entre os
xiitas sauditas, e a maioria já renunciou à luta armada como instrumento
político desde, no mínimo, meados dos anos 1990s. Mas a resposta repressiva do
regime saudita aos protestos, e a política de concessões zero, têm oferecido
campo fértil para novos grupos da oposição. Uma repetição da política xiita
pós-1979, quando centenas de jovens xiitas deixaram o Bahrain e a Província do
Leste da Arábia Saudita, parece possível.
Dado
que os protestos no Bahrain e, sobretudo, em Qatif recebem atenção mínima dos
canais de televisão que pertencem a sauditas do Golfo, como Al
Jazeera
e Al
Arabiya, os sauditas são obrigados a assistir ao canal Al-Alande
televisão, em árabe, patrocinado pelo Irã; à televisão do Hezbollah
libanês,
Al-Manar TV; ao canal iraquiano Ahlul Bait TV ou, cada vez mais, a
outros canais de televisão pró-Assad, para obter informação sobre as regiões
onde vivem.
A
nova guerra fria no Oriente Médio está já convertida em guerra total de
informação, na qual os veículos de mídia ou são a favor da oposição no Bahrain e
em Qatif e a favor do regime de Assad, ou são a favor da oposição na Síria e
contra os chamados protestos sectários dos xiitas no Bahrain e em Qatif.
A situação dos xiitas sauditas na Província do Leste não
é novidade. O Relatório Anual do Departamento de Estado dos EUA ao Congresso
sobre Liberdade Religiosa para a segunda metade de 2010, período imediatamente
anterior à Primavera Árabe, registra prisões arbitrárias, fechamento de
mesquitas e prisão de crentes xiitas. Telegramas diplomáticos dos EUA publicados
por Wikileaks [1]
revelaram
que diplomatas dos EUA, e especialmente o pessoal do consulado em Dhahran,
tinham quantidade gigantesca de informação sobre as comunidades xiitas locais e
escrevem, quase como obcecados, sobre agressões às quais se referem como
inadmissíveis. Mas os problemas específicos dos xiitas sauditas quase nunca
chegavam à pauta de reuniões com funcionários sauditas de alto
nível.
Isso
não se explica exclusivamente pela cerrada aliança que liga os EUA e os
sauditas. Os norte-americanos às vezes partilham as mesmas desconfianças
sauditas contra os xiitas do Golfo, os quais existem em vários dos regimes
aliados aos EUA. A desconfiança deve-se em parte à questão do Irã, mas tem a ver
também com as explosões nas Torres Khobar, um complexo residencial na cidade de
Dhahran, na Província do Leste, onde residiam militares norte-americanos,
incidente no qual morreram 19 militares norte-americanos. Nove xiitas permanecem
presos desde 1996, acusados de pertencerem ao Hezbollah al-Hijaz, por
participação naquele atentado. Foram acusados formalmente nos EUA em 2001, mas,
porque as prioridades da política exterior dos EUA mudaram depois do 11/9,
tornaram-se “esquecidos” – que é como os xiitas sauditas referem-se a eles. Na
acusação, há referências ao envolvimento do Hezbollah libanês e do Irã no
atentado, mas nenhuma prova desse envolvimento foi jamais divulgada. À época,
alguns norte-americanos exigiram ataque de retaliação contra o Irã. Mas depois
do 11/9, todas as acusações centraram-se contra a al-Qaeda como responsável pelo
ataque às Torres Khobar, o que levantou dúvidas quanto à culpa daqueles
prisioneiros xiitas.
O
sigilo que cerca toda essa questão tem contribuído para aumentar a desconfiança
e as suspeitas contra o estado, de parte das famílias dos prisioneiros e na
comunidade saudita xiita em geral. Os manifestantes sauditas xiitas que tomaram
as ruas esse ano abraçaram a causa dos nove xiitas prisioneiros. Havia cartazes
com seus retratos e nomes em manifestações que pediam sua imediata libertação,
nas quais os familiares dos presos tiveram papel importante. Foram a
contrapartida xiita de uma campanha simultânea, à frente do Ministério do
Interior em Riad, organizada por familiares dos prisioneiros políticos presos
por suspeita de associação com a al-Qaeda. Mas, diferentes desses prisioneiros,
os prisioneiros xiitas não acalentam qualquer esperança de serem “reabilitados”
por qualquer dos vários programas governamentais, fartamente propagandeados, de
des-radicalização. Parece justo exigir, no mínimo, julgamento público, exigência
que tem sido repetidas vezes endossada pelas ONGs Human Rights Watch e Anistia
Internacional. Mas nada semelhante a julgamento aberto parece estar incluído na
agenda da política exterior dos EUA.
O
comportamento da liderança saudita só empurra para a conclusão de que a
repressão contra os xiitas é parte fundamental da legitimidade política dos
sauditas. O estado saudita não quer alterar a posição dos xiitas e usa os
protestos xiitas para intimidar a população sunita, ameaçando-a com o risco de
os iranianos tomarem os campos de petróleo sauditas com a ajuda dos xiitas
locais.
Narrativas
similares têm sido distribuídas pela imprensa do Conselho de Cooperação do Golfo
(CCG) há meses – ao custo de aprofundar cada vez mais a divisão sectária nos
estados do Golfo. A intervenção do CCG no Bahrain fez piorar muito as relações
entre as seitas no Golfo e além dele, as quais chegam hoje a níveis de
confrontação nunca mais vistos desde a Revolução Iraniana. Mas esse declarado
sectarismo saudita já teve repercussões negativas também no Iraque, na Síria, no
Líbano e no Kuwait. O Bahrain parece já condenado a anos de conflito sectário;
as relações comunitárias já estão completamente rompidas; e o estado está
desenvolvendo uma campanha que, para os ativistas xiitas, é “limpeza
étnica”.
Em
vez de alienar completamente os xiitas, a Arábia Saudita e o Bahrain teriam de
negociar com eles um contrato social. Não o fazer levará a muitos anos de
instabilidade, com resultados imprevisíveis. E nada garante que outros sauditas
não sejam cooptados e estimulados pelos protestos dos xiitas, como já se viu
acontecer em recente declaração-manifesto de liberais sauditas de todo o reino,
denunciando a violência sectária contra os xiitas, em
Qatif.
O
ocidente teria de pressionar seus aliados, sobretudo a Arábia Saudita e o
Bahrain, para que, de uma vez por todas, parem de matar e prender seus cidadãos
xiitas, sempre os acusando de serem agentes a serviço do Irã e traidores. A
alienação dos jovens xiitas cria perfeito caldo de cultura para que brote outro
movimento xiita de oposição no Golfo, e reforça a posição relativa do regime
iraniano. Mesmo sem qualquer ajuda externa aos manifestantes xiitas locais, a
área está madura para uma volta à política tensa de relações sectárias dos anos
1980s.
Em
seu próprio interesse e no interesse dos estados do Golfo, os EUA deveriam
empenhar-se na direção de uma real reconciliação entre os xiitas do Bahrain e da
Arábia Saudita e seus respectivos governos. Sem isso, o sectarismo acabará por
dominar o Golfo, com prejuízo para todos.
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Nota
dos tradutores
[1] Leia em: “WikiLeaks:
Saudi crackdown on Shiites has echoes in Bahrain ”
E o cara vê o ocidente como progressista para resolver a situção? Ou ele acha que ocidente tem que resolver a situação para não sair perdendo ao longo prazo.
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