Tao Wenzhao
é pesquisador do Instituto de Estudos Americanos da Academia Chinesa de Ciências
Sociais.
Tao Wenzhao |
PEQUIM. – O assassinato de 16 civis afegãos dia 11/3, provocou
protestos intensos no Afeganistão, e não apressou só a deterioração das relações
entre EUA e Afeganistão: também pôs sob grave risco toda a estratégia afegã dos
EUA.
O exército dos EUA no Afeganistão gosta de ver-se como força de
libertação, que salvou o país do regime dos Talibã e o pôs na rota rumo à
democracia. Não é como os afegãos veem o exército dos EUA, para eles "exército
de ocupação". Os soldados dos EUA são diferentes dos civis afegãos no estilo de
vida, na religião, na tradição cultural, e os soldados dos EUA não dão sinais de
tomar a iniciativa para entender melhor e aprender a respeitar a cultura
religiosa dos civis afegãos.
Apesar de os EUA tentarem preservar a rotatividade das tropas,
muitos soldados cumprem hoje a quarta, quinta missão no Afeganistão. E, à medida
que a guerra vai-se infiltrando no espírito dos soldados, muitos se sentem cada
dia menos motivados, com inúmeros casos de depressão na tropa. Esse é um dos
fatores que contribuíram para os recentes incidentes, profanação de cadáveres de
soldados Talibã, queima de livros sagrados e de outros materiais de culto
religioso, e o mais recente, o ataque contra população civil desarmada que fez
16 mortos.
Apesar de o presidente Barack Obama, o secretário de Defesa
Leon Panetta e a secretária de Estado Hillary Clinton terem apresentado pedidos
formais de desculpas pelo ataque aos civis, a investigação ainda não começou de
fato; e, pelo que se sabe até agora, o incidente teria resultado da ação de um
único soldado, sargento Robert Bales, já formalmente acusado pelos crimes. O
governo e grupos civis afegãos têm exigido que os EUA entreguem o acusado, para
que seja julgado no Afeganistão. Mas o exército dos EUA no Afeganistão goza dos
privilégios de extraterritorialidade e não é regido por leis afegãs. O
presidente Hamid Karzai acusou os EUA de estarem criando obstáculos à
investigação do atentado.
O assassinato de 16 civis, entre os quais mulheres e crianças,
enfureceu civis afegãos e também enfureceu os Talibã. Manifestações de rua têm
exigido que o governo de Karzai não assine o acordo que autorizaria assessores,
instrutores, especialistas e, talvez, também soldados das Forças Especiais, a
permanecerem no Afeganistão depois de 2014.
Depois da morte de Osama bin Laden, Obama anunciou planos para
que todos os soldados norte-americanos estejam fora do Afeganistão em 2014, dado
que a situação financeira dos EUA não permite gastar ainda mais para manter
soldados no Afeganistão. Dia 1/7, as unidades "de combate" começaram a
retirada.
O governo Obama percebe que o exército dos EUA não pode
derrotar os Talibã, sequer eliminá-los, e tem tentado cooptar alguns combatentes
Talibã, investindo na noção de que há diferença considerável entre soldados
Talibã que combatem por convicções, e gente do povo, que só a miséria empurra
para a luta.
O ataque contra civis tornou impossível qualquer possibilidade
de acordo entre os EUA e os Talibã – que já juraram vingança contra o exército
norte-americano.
A atitude dos Talibã parece bem clara: querem participar do
processo de reconciliação nacional, mas sob a condição de que todas as tropas
estrangeiras deixem o Afeganistão.
Obama reafirmou, para Karzai, os planos para que forças afegãs
assumam o comando das operações de combate, em todo o Afeganistão, até o final
de 2014. A grande questão ainda sem solução é como o governo afegão conseguirá
preservar alguma estabilidade, mínima que seja, por seus próprios meios. Hoje,
as forças afegãs não conseguem garantir a segurança dos cidadãos. Mas quanto
mais tempo os norte-americanos permanecerem no país, mais incidentes trágicos
acontecerão, o que, por sua vez, só aprofundará os sentimentos antiamericanos
entre os civis. A estratégia afegã de Obama já entrou em rota de colisão, com
alto risco de chocar-se contra o penhasco.
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