por
Michael T. Klare [*]
Michael T. Klare |
Algumas destas pressões podem
diminuir nos meses pela frente, proporcionando alívio temporário no preço da
gasolina. Mas a causa principal dos preços mais elevados – uma mudança
fundamental na estrutura da indústria petrolífera – não pode ser revertida e,
assim, os preços do petróleo estão destinados a permaneceram altos por mais um
longo tempo.
Em termos de energia, estamos
agora entrando num mundo cuja natureza implacável ainda tem de ser plenamente
apreendida. Esta mutação essencial foi provocada pelo desaparecimento do
petróleo relativamente acessível e barato – o “petróleo fácil”, na linguagem dos
analistas da indústria. Em outras palavras, a espécie de petróleo que
impulsionou uma expansão vertiginosa da riqueza global ao longo dos últimos 65
anos, bem como a criação de infindáveis comunidades suburbanas orientadas para o
carro. Este petróleo está agora quase acabado.
O mundo ainda dispõe de grandes
reservas de petróleo, mas estas são difíceis de alcançar, difíceis de refinar, a
variedade “petróleo árduo”. A partir de agora, todo barril que consumirmos será
mais custoso para extrair, mais custoso para refinar – e, assim, mais caro na
bomba de gasolina.
Aqueles que afirmam que o mundo
permanece “inundado” de petróleo estão tecnicamente corretos: o planeta ainda
dispõe de vastas reservas. Mas os propagandistas da indústria petrolífera
geralmente deixam de enfatizar que nem todos os reservatórios de petróleo são
semelhantes: alguns estão localizados próximos à superfície ou próximos à costa
e estão contidos em rocha porosa; outros localizados em subsolo profundo, no off shore distante ou presos em
formações rochosas impenetráveis. Os locais anteriores são relativamente fáceis
de explorar e proporcionam um combustível líquido que pode ser prontamente
refinado em novos líquidos utilizáveis; os locais atuais só podem ser explorados
através de técnicas custosas, ambientalmente arriscadas e muitas vezes resultam
num produto que deve ser fortemente processado antes que a refinação possa
sequer começar.
A simples verdade sobre o assunto
é esta: a maior parte das reservas fáceis do mundo já foram esgotadas – exceto
aquelas em países espinhosos como o Iraque. Virtualmente todo o petróleo que
resta está contido em reservas mais difíceis de serem atingidas. Isto inclui o
petróleo do off shore profundo, o
petróleo do Ártico e o petróleo de xisto, juntamente com as “areias betuminosas”
do Canadá – as quais não são compostas de petróleo de modo algum, mas sim de
lama, areia e alcatrão semelhante a betume. As chamadas “reservas não
convencionais” destes tipos podem ser exploradas, mas muitas vezes a preço
desconcertante, não apenas em dólares mas também em danos para o ambiente.
No negócio do petróleo, esta
realidade foi reconhecida primeiramente pelo presidente e CEO da Chevron, David
O'Reilly, numa carta de 2005 publicada em muitos jornais americanos. “Uma coisa
é clara”, escreveu ele, “a era do petróleo fácil está acabada”. Não só muitos
dos campos existentes estavam em declínio, observou ele, como “novas descobertas
de energia estão a ocorrer principalmente em lugares onde os recursos são
difíceis de extrair, fisicamente, economicamente e mesmo politicamente”.
Nova prova desta mutação foi
proporcionada pela Agência Internacional de Energia (IEA) numa revisão de 2010
das perspectivas do petróleo mundial. Na preparação deste relatório a agência
examinou os rendimentos históricos dos maiores campos produtores do mundo – o
“petróleo fácil” sobre o qual o mundo ainda repousa para o grosso da sua energia
de forma esmagadora. Os resultados foram espantosos: esperava-se que aqueles
campos perdessem três quartos da sua capacidade produtiva ao longo dos 25 anos
seguintes, eliminando 52 milhões de barris de petróleo por dia da oferta
mundial, ou cerca de 75% a atual produção mundial. As implicações eram
estarrecedoras: ou descobrir petróleo novo para substituir aqueles 52 milhões de
barris/dia a Era do Petróleo chegará logo a um fim e a economia mundial entraria
em colapso.
Naturalmente, como a IEA tornou
claro em 2010, haverá novo petróleo, mas só da variedade difícil que exigirá um
preço de todos nós – e do planeta, também. Para apreender as implicações da
nossa crescente dependência do petróleo difícil, vale a pena dar uma olhadela a
alguns dos mais apavorantes pontos sobre a Terra. Assim, apertem os vossos
cintos de segurança: primeiro estamos a ir para o mar para examinar o
“prometedor” novo mundo do petróleo do século XXI.
Petróleo de águas profundas
As companhias de petróleo têm
pesquisado em áreas off shore há
algum tempo, especialmente no Golfo do México e no Mar Cáspio. Até recentemente,
contudo, tais esforços verificavam-se invariavelmente em águas relativamente
rasas – umas poucas centenas de metros, na maior parte – o que permitia às
companhias utilizar perfuradores convencionais montados sobre colunas extensas.
A perfuração em águas profundas, em profundidades que ultrapassam os
300
metros , é um assunto inteiramente diferente. Ela requer
plataformas de perfuração especializadas, refinadas e imensamente custosas que
podem custar bilhões de dólares para produzir.
Seguindo-se ao referido desastre,
a administração Obama impôs uma proibição temporária à perfuração no offshore profundo. Mal se passaram dois
anos, a perfuração nas águas profundas do Golfo está outra vez em níveis de pré
desastre. O presidente Obama também assinou um acordo com o México que permitia
perfurar na parte mais profunda do Golfo, ao longo da fronteira marítima
estadunidense-mexicana.
Enquanto isso, a perfuração em
águas profundas está ganhando velocidade no mundo inteiro. O Brasil, por
exemplo, movimenta-se para explorar seus campos “pré sal” (assim chamados porque
jazem abaixo de uma camada de sal) nas águas do Oceano Atlântico muito longe da
costa do Rio de Janeiro. Novos campos offshore estão analogamente a ser
desenvolvidos nas águas profundas do Gana, Serra Leoa e Libéria.
Em 2020, diz o analista de energia
John Westwood, estes campos de águas profundas fornecerão 10% do petróleo
mundial, quando eram apenas 1% em 1995. Mas este acréscimo de produção não sairá
barato: a maior parte destes novos campos custará dezenas ou centenas de bilhões
de dólares para desenvolver e só se demonstrará lucrativo desde que o petróleo
continue a ser vendido por US$90 ou mais por barril.
Os campos offshore do Brasil, considerados por
alguns peritos como as mais prometedoras novas descobertas deste século,
demonstrar-se-ão especialmente caras porque jazem sob 2400 metros de água e
4000
metros de areia, rocha e sal. Serão necessários os mais
avançados e custosos equipamentos de perfuração do mundo – alguns deles ainda a
serem desenvolvidos. A Petrobrás, a empresa de energia controlada pelo estado,
já comprometeu US$53 bilhões para o projeto em 2011-2015 e a maior parte do
analistas acredita que isto será apenas um modesto pagamento inicial de um
estarrecedor preço final.
Petróleo ártico
Espera-se que o Ártico proporcione
uma fatia significativa da futura oferta mundial. Até recentemente, a produção
no extremo Norte fora muito limitada. Exceto na área de Prudhoe Bay no Alasca e num certo número
de campos na Sibéria, as grandes companhias tem geralmente evitado a região. Mas
agora, ao verem poucas outras opções, elas estão se preparando para grandes
investidas num Ártico em fusão.
De qualquer perspectiva, o Ártico
é o último lugar para se querer ir a fim de perfurar por petróleo. As
tempestades são frequentes e as temperaturas no Inverno mergulham muito abaixo
do ponto de congelamento. A maior parte do equipamento comum não operará sob
estas condições. São necessários substitutivos especializados (e custosos). As
equipes de trabalho não podem viver na região por muito tempo. A maior parte dos
abastecimentos – comida, combustível, materiais de construção – devem ser
trazidos de milhares de quilômetros a um custo exorbitante.
Mas o Ártico tem os seus
atrativos: bilhões de barris de petróleo inexplorado. Segundo o U.S. Geological Survey (USGS), a área
Norte do Círculo Ártico, com apenas 6% da superfície do planeta, contém uma
estimativa de 13% do seu petróleo remanescente (e ainda maior fatia do seu gás
natural não desenvolvido) – números com que nenhuma outra região pode competir.
Sobrando poucos lugares para ir,
as grandes empresas de energia agora estão a preparar-se para uma corrida a fim
de explorar as riquezas do Ártico. Neste Verão, espera-se que a Royal Dutch Shell comece furos de teste
em porções dos Mares Beauforte
Chukchi, ao Norte do Alasca (a administração Obama se demorando na concessão
das autorizações finais de operação para estas atividades, mas espera-se a
aprovação). Ao mesmo tempo, a Statoil
e outras firmas planeiam perfurar no Mar de Barents, ao Norte da Noruega.
Com estes cenários energéticos
extremos, o aumento da produção no Ártico impulsionará significativamente os
custos operacionais das companhias de petróleo. A Shell, por exemplo, já gastou
US$4 bilhões só nos preparativos para furos de teste no offshore do Alasca, sem produzir um
único barril de petróleo. O desenvolvimento em plena escala nesta região
ecologicamente frágil, tenazmente contrariado por ambientalista e povos nativos
locais, multiplicará este número muitas vezes mais.
Areias betuminosas e petróleo
pesado
Espera-se que outra fatia
significativa do futuro abastecimento mundial de petróleo venha das areias
betuminosas do Canadá (também chamadas “areias petrolíferas”) e do petróleo
super-pesado da Venezuela. Nada disto é petróleo tal como é normalmente
entendido. Não sendo líquidos nos seu estado natural, eles não podem ser
extraídos pelos materiais de furação tradicionais, mas existem em grande
abundância. Segundo o USGS, as areias betuminosas do Canadá contêm o equivalente
a 1,7 trilhões de barris de petróleo convencional (líquido), ao passo que os
depósitos de petróleo pesado da Venezuela dizem abrigar outro trilhão de
petróleo equivalente – embora nem tudo seja considerado “recuperável” com a
tecnologia existente.
Aqueles que afirmam que a Era do
Petróleo está longe de ultrapassada apontam estas reservas como prova de que o
mundo ainda pode extrair imensas quantidades de combustíveis fósseis
inexplorados. E certamente é concebível que, com a aplicação de tecnologias
avançadas e uma indiferença total para com as consequências ambientais, estes
recursos na verdade serão colhidos. Mas não é petróleo fácil.
Até agora, as areias betuminosas
do Canadá foram obtidas através de um processo análogo à mineração a céu aberto,
utilizando pás monstruosas para arrancar uma mistura de areia e betume do solo.
Mas a maior parte do betume próximo à superfície nas areias betuminosas ricas da
província de Alberta foi exaurida, o que significa que toda extração futura
exigirá um processo muito mais complexo e custoso. Terá de ser injetado vapor
nas concentrações mais profundas para fundir o betume e permitir a sua
recuperação através de bombas maciças. Isto exige um investimento colossal em
infraestrutura e energia, bem como a construção de instalações de tratamento
para todos os resíduos tóxicos resultantes. Segundo o Canadian Energy Research Institute, o
pleno desenvolvimento das areias petrolíferas de Alberta exigiria um
investimento mínimo de US$218 bilhões ao longo dos próximos 25 anos, não
incluindo o custo de construir oleodutos para os Estados Unidos (tal como o
proposto Keystone XL) para processamento em refinarias estadunidenses.
O desenvolvimento do petróleo
pesado da Venezuela exigirá investimento numa escala comparável. Acredita-se que
o cinturão do Orenoco, uma concentração especialmente densa de petróleo pesado
adjacente ao Rio Orenoco contenha reservas recuperáveis de 513 bilhões de barris
de petróleo – talvez a maior fonte de petróleo inexplorado do planeta. Mas
converter esta forma de betume semelhante a melaço num combustível líquido
excede em muito a capacidade técnica ou os recursos financeiros da companhia
estatal, Petróleos de Venezuela SA. Consequentemente, ela está agora à procura
de parceiros estrangeiros dispostos a investir os US$10 a 20 bilhões necessários
apenas para construir as instalações fundamentais.
Os custos ocultos
Reservas difíceis como esta
proporcionarão a maior parte do novo petróleo do mundo nos próximos anos. Uma
coisa é clara: mesmo se puderem substituir o petróleo fácil nas nossas vidas, o
custo de tudo o que está relacionado com petróleo – seja a gasolina na bomba,
produtos com base no petróleo, fertilizantes, tudo por toda a parte das nossas
vidas – está em vias de encarecer. Habitue-se a isto. Se as coisas decorrerem
como se planeja atualmente, estaremos pendurados no big oil nas próximas décadas.
E estes são apenas os custos mais
óbvios numa situação em que abundam custos ocultos, especialmente para o
ambiente. Tal como no desastre do Deepwater Horizon, a extração em áreas
do offshore profundo e em outras
localizações geográficas extremas garantirá riscos ambientais sempre maiores.
Afinal de contas, aproximadamente 22 bilhões de litros de petróleo foram
despejados no Golfo do México, graças à negligência da BP, provocando danos
extensos a animais marinhos e ao habitat costeiro.
Recordar que, por mais
catastrófico que fosse, ele ocorreu no Golfo do México, onde podiam ser
mobilizadas forças amplas para a limpeza e a capacidade de recuperação do
ecosistema era relativamente robusta. O Ártico e a Groenlândia representam um
risco diferente, dado a sua distância das capacidades de recuperação
estabelecidas e a extrema vulnerabilidade dos seus ecossistemas. Os esforços
para restaurar tais áreas na sequência de fugas de petróleo maciças custariam
muitas vezes os US$30 a 40 bilhões que a BP pretende pagar pelo danos do Deepwater Horizon e serão muito menos
eficazes.
Além de tudo isto, muitos dos
campos de petróleo difícil mais prometedores estão na Rússia, na bacia do Mar
Cáspio, e em áreas conflituosas da África. Para operar nestas áreas, companhias
de petróleo serão confrontadas não só com os custos previsivelmente altos da
extração como também com custos adicionais envolvendo sistemas locais de suborno
e extorsão, sabotagem por grupos de guerrilha e as consequências de conflitos
civis.
E não esquecer o custo final: Se
todos estes barris de petróleo e substâncias afins do petróleo forem realmente
produzidos a partir dos menos convidativos lugares neste planeta, então nas
próximas décadas continuaremos a queimar combustíveis fósseis maciçamente,
criando sempre mais gases com efeito estufa [1] como se não houvesse amanhã. E aqui
está a triste verdade: se prosseguirmos no caminho do petróleo difícil ao invés
de investirmos maciçamente em energias alternativas, podemos excluir qualquer
esperança de impedir as mais catastróficas consequências de um planeta mais
quente e mais turbulento.
De
modo que, sim, há petróleo não convencional. Mas não, ele não será mais barato,
não importa quanto haja. E, sim, as companhias de petróleo podem obtê-lo, mas
olhando realistamente quem o
desejaria?
Nota dos
tradutores
[1] Um falso problema. A situação
energética mundial já é suficientemente má por si mesma, dispensando
invencionices adicionais como o do mítico aquecimento global. Ver “Acerca da
impostura global”.
Notas dos
Editores
[*] Autor de “The Race for What's Left: The Global Scramble for
the World's Last Resources” (Metropolitan Books).
O
artigo original, em inglês, pode ser lido em: “A
Tough-Oil World”
Esta tradução foi extraída de: Resistir
Esta tradução foi extraída de: Resistir
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