13/3/2012, Tony
Norman, Pittsburgh
Post-Gazette
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Tony Norman |
No
distrito de Panjwai, no Afeganistão, há um homem que poderia trocar histórias de
vida com Jó, do Velho Testamento e, provavelmente, superaria Jó, se não na dor,
com certeza na justa raiva.
Quando
Nazim Shah voltou para casa, de uma viagem à cidade de Kandahar, ali próxima,
encontrou toda a família morta. Toda a família de Nazim Shah, afegão, foi
assassinada a sangue frio por um soldado do exército dos
EUA.
No
domingo, um sargento do Exército dos EUA cuja identidade permanece em segredo,
veterano de várias missões no Iraque e então em missão no Afeganistão, saiu sem
autorização de sua base militar e andou na direção de um vilarejo próximo, de
madrugada, antes do raiar do sol. O que se sabe é que o sargento, de 38 anos e
pai de dois filhos, entrou em várias casas do vilarejo e matou a sangue frio, a
tiros, quem viu pela frente, gente que, a maioria, ainda
dormia.
Foram
16 civis desarmados, que morreram dormindo ou acordaram para morrer, num
pesadelo além de qualquer compreensão. Foi um massacre, tão selvagem, desumano,
horrendo como todos os massacres, por mais que, hoje, na armadilha do duplifalar
da guerra, já haja quem fale e escreva, até, sobre massacres
“humanitários”.
“Morreram
todos. Toda a minha família” – disse Nazim Shah a um repórter do jornal The
Independent
de Londres. “Nos vingaremos desses assassinos norte-americanos de
mulheres e crianças. Não haverá paz nem descanso, até que essas mortes sejam
vingadas.” Foi grito no qual ecoam tons de tragédias milenares, velhas como as
escrituras de tantas religiões em todo o mundo. Foi desgraça tão intolerável,
inadmissível e inaceitável no século 21, quanto nos tempos de
Jó.
Porque
nove das 16 vítimas eram crianças entre 6 e 9 anos, a indignação, o horror, a
justa raiva só aumentam. As crianças foram tratadas como inimigo armado, como
combatentes inimigos armados, no tempo ao mesmo tempo curto e infindável em que
aquele sargento dedicou-se a matá-las. As mulheres foram mortas com tiro de
execução, na testa. A mesma morte à qual o sargento dos EUA condenou também os
homens desarmados.
Além
dos 16 civis assassinados, há cinco sobreviventes feridos, que estão sendo
tratados em unidades hospitalares norte-americanas. Se sobreviverem, serão
testemunhas valiosas sobre o que aconteceu, quando um soldado dos EUA, cujo nome
continua a ser protegido, decidiu matar afegãos desarmados, como se fosse herói
de
videogame com munição infinita.
Alexandre, O Grande, comandava o militar macedônio que pela primeira vez tentou ocupar
aquela terra que resiste há séculos contra qualquer ocupação, com ferocidade que
nada parece abater. As terras do Afeganistão podem ser invadidas, podem até ser
governadas, mas os afegãos nunca se deixaram conquistar
completamente.
Depois
foram os britânicos, depois os soviéticos, humilhados por combatentes da
resistência afegã que jamais deixaram de resistir e não envergonhariam seus
ancestrais do século 7º, nem depois que passaram a receber armas e dinheiro de
espiões norte-americanos.
É
mais que hora de os EUA admitirem, para um público de cidadãos escandalosamente
indiferentes, que jamais conquistaremos corações e mentes afegãs em número
suficiente que dê alguma (qualquer) justificativa para uma década de guerra e
ocupação na qual, afinal, fomos derrotados.
A
única razão admissível para que os EUA permanecessem no Afeganistão desapareceu
com o assassinato de Osama bin Laden. A saúde mental dos soldados dos EUA,
envolvidos numa guerra sem sentido nem rumo, deteriora-se a olhos vistos. A taxa
de suicídios entre soldados que são repetidas vezes recrutados para mais e mais
missões no Afeganistão já está entre as maiores da
história.
Segundo
pesquisa distribuída pela rede ABC/Washington Post, 60% dos
norte-americanos são firmemente contra a guerra. Nenhum norte-americano
mentalmente sadio quer matar ou morrer pelo regime de Karzai, dos mais corruptos
do mundo; tampouco há quem responda coerentemente à pergunta sobre por quê os
EUA continuam no Afeganistão. Orgulho nacional nunca teve nem terá algo a ver
com “coerência”.
Recentemente, jovens norte-americanos responderam a uma
campanha emocional, de propaganda viciosa e simplória pela internet [1],
que visava a chamar a atenção do mundo para o nome de um senhor-da-guerra
africano e cruel, Joseph Kony, líder de um bando de açougueiros conhecidos como
“Exército da Libertação do Senhor”. O homem aterroriza a África Central há uma
década. Se alguém merece ser demonizado, sim, é
ele.
Mesmo
assim, é difícil entender por que a imaginação da juventude nos EUA deixou-se
tão rapidamente mobilizar por campanha (vídeo abaixo) contra um assassino africano, mas,
simultaneamente, não se mobiliza nem dá sinais de indignação contra o que os EUA
continuam a fazer no Iraque e no Afeganistão – duas guerras que, sim, muito mais
que as guerras africanas, têm potencial direto para minar o futuro de uma
geração, no mínimo, de jovens norte-americanos.
Não
me surpreenderia se algum publicitário ou propagandista afegão esperto decidisse
recriar a propaganda de “Kony 2012” e pusesse nas telas do Afeganistão
outro vídeo de propaganda, no qual o presidente Barack Obama aparecesse como “O
Kony do Afeganistão”.
Do
ponto de vista dos afegãos civis, que sofrem o brutal dano colateral da presença
em seu território de soldados assassinos ensandecidos, a diferença entre os
conceitos de “ajuda humanitária” à moda Obama ou de luta-terror à moda Kony é,
no máximo, firula acadêmica.
Para
todas as vítimas de violências idênticas, a vida é brutal, difícil e, em todos
os casos, curta.
Nota
dos tradutores
[1]
No
Brasil-2012, infelizmente, também o sempre lamentável mau “jornalismo” da rede
Globo de televisão tomou como se fosse notícia aquele vídeo de propaganda viral
que prega a militarização do conflito africano e a intervenção militar dos EUA
em Uganda -- e disseminou o vídeo viral (acima), com comentários “sérios” sobre o viral,
para todos os veículos do grupo. Quem duvide encontrará a comprovação de que o
“jornalismo” da Globo tratou o viral como notícia, por exemplo, no
Jornal da
Globo, em matéria
que mobilizou até a correspondente da rede em Nova York, dia 9/3/2012 e que pode ser
vista em:
“Vídeo
na web mostra guerrilheiro que sequestrou mais de 30 mil
crianças”.
Assista a seguir o viral completo:
Comentário enviado por e-mail e postado por Castor
ResponderExcluirOs gringos, que já operam há décadas em Marrocos e, desde os anos-90, em Djibúti, não veem hora de estabelecer, num ou noutro, o Comando Africano do USARAF, que ora opera à distância, em Frankfurt. Não aceitam a presença chinesa na África, muito menos russa, que começa a crescer. O projeto sofreu atraso, face à Primavera Árabe e à perda de fieis aliados, como Mubárak e Zine el-Ábdine Ben Áli. A ação de Kony em Uganda pode servir de bom pretexto para o Pentágono instalar-se por lá.
Abraços do
ArnaC