sexta-feira, 16 de março de 2012

Obama fala duro sobre a Síria (à China e à Rússia)


16/3/2012, *M K Bhadrakumar, Asia Times Online 
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O artigo publicado pelo Washington Post na 3ª-feira, “An alliance the world can count on” [Uma aliança na qual o mundo pode confiar] [1], assinado em conjunto pelo presidente Barack Obama dos EUA e pelo primeiro-ministro britânico David Cameron [2], imediatamente antes da visita de Cameron aos EUA, anuncia os principais temas a serem discutidos: Afeganistão, Irã e Síria, por mais que seja bem longa a lista de temas possíveis entre os dois: do G-8 e G-20 ao Fundo Global contra AIDS, Tuberculose e Malária, e salvar vidas na Somália.

Cameron e Obaba comem, riem... E assistem basquete...
Assim sendo, do que se trata? A conferência conjunta de Obama-Cameron à imprensa, na 4ª-feira, na Casa Branca permite que se tentem algumas fascinantes incursões no que se deve esperar dos três hotspots da política externa dos EUA no próximo mandato.

Afeganistão

Para Obama, ao contrário do que muitos supõem, as coisas vão muito bem no Afeganistão. Não se pode negar que seja guerra “muito difícil”, mas Obama disse que “também é inegável que nossos soldados obtiveram lá progressos notáveis – que não podemos esquecer jamais: desmantelamos a al-Qaeda; quebramos o impulso da avançada dos Talibã; e estamos treinando as forças afegãs.”

Mesmo descontando a confiança cênica que Obama manifestava aos borbotões para o público norte-americano naquela entrevista, é fato que a estratégia geral que os EUA traçaram para o Afeganistão segue o curso previsto. Significativamente, apesar do recente surto de “antiamericanismo” no Afeganistão, Washington conta com que o pacto estratégico entre Cabul e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) estará assinado antes da reunião de cúpula da OTAN, em maio, em Chicago. A “missão de combate” da OTAN estará concluída em 2014, mas a aliança também se propõe a permanecer no Afeganistão, num “compromisso duradouro”.

Irã

Obama soou reticente, ao dizer que “a janela para resolver diplomaticamente essa questão [nuclear iraniana] está estreitando rapidamente”. Menos metaforicamente, Washington pressiona Teerã para que tome jeito, e rapidamente.

“Faremos todo o possível para resolver isso diplomaticamente, mas, afinal de contas, temos de ter alguém, do outro lado da mesa; um regime que leve a sério a discussão. E espero que o regime iraniano já tenha entendido isso. É o melhor modo de acertarmos tudo”, disse Obama.

Há toda uma complexa história por trás do impasse EUA-Irã; a profunda divisão e a cerrada disputa política dentro do regime iraniano – e a guerra de gangues entre os partidos políticos nos EUA em sucessivos governos norte-americanos – bloquearam até agora a possibilidade de negociações significativas e genuínas; dos dois lados, políticos e grupos de interesse nada fizeram além de distribuir golpes retóricos cada vez mais incendiários ou mais pretensiosos. Deve-se prever que até Cameron tenha recomendado a Obama que pegasse leve, com mais cuidado, quando falasse sobre o Irã.

Síria

As conversas Obama-Cameron parecem ter passado a léguas de distância da Síria. Na conferência de imprensa, os dois líderes deixaram implícito que, independente da cadeia de sucessos que o exército sírio esteja obtendo hoje, reconquistando espaços e expulsando os rebeldes das grandes cidades, os EUA e o Reino Unido de modo algum admitiriam que o presidente Bashar al-Assad esteja se consolidando no poder.

Por outro lado, a máquina de guerra anglo-norte-americana continua a rolar na direção de forçar uma mudança de regime na Síria. De novo, só, que a palavra da moda passou a ser “transição”. Qualquer calibração possível só atingirá a metodologia do processo do golpe para remover Assad do poder.

A preocupação atual é que a missão humanitária siga avante – “em ritmo robusto” –, ao mesmo tempo em que se batem nas cabeças da oposição, umas contra outras, tentando que parem de brigar e cheguem logo a algum tipo (qualquer) de unidade que os qualifique para receberem apoio ocidental maior.

Significativamente, o diretor da Agência Central de Inteligência (Central Intelligence Agency, CIA), David Petraeus, fez visita-surpresa de dois dias a Ankara na 2ª-feira, e manteve reunião de discussão detalhada com o diretor de inteligência da Turquia, Hakan Fidan, sobre “operações mais frutíferas de cooperação nas questões mais prementes da região, nos próximos meses”. E o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, recebeu Petraeus.

A Turquia é ator-chave em qualquer tipo ou formato de plano de jogo que os EUA tenham sobre a Síria, e é absolutamente imperativo que Washington esteja sintonizada na mesma frequência de onda que os turcos, não só no plano político e diplomático, como também no plano operacional.

Um aspecto que preocupa Ankara é que a crise síria respingue sobre o problema turco com os curdos. Petraeus, ao que se sabe, discutiu um fortalecimento nos mecanismos de partilha de informações de inteligência entre EUA e Turquia, já existentes desde 2007.

As reuniões de Petraeus em Ankara também indicam a determinação de Washington de não descuidar da agenda de mudança de regime (“transição”) na Síria. Obama passou a ser pressionado a atentar às sensibilidades sauditas, com Riad manifestando seu desprazer – mais recentemente, com ao ministro alemão das Relações Estrangeiras, que visitou a capital – com a hesitação dos EUA em armarem a oposição síria.

Os sauditas ameaçaram que, com os sem os EUA, Riad tem planos de continuar a fornecer armas e outros tipos de ajuda à oposição síria. Obama disse, na conferência de imprensa, na 4ª-feira: “Vou repetir: Assad deixará o poder. Não é questão de “se”, mas de “quando”. E para estarmos preparados para esse dia, continuaremos a apoiar planos de uma transição para apoiar as legítimas aspirações do povo sírio”.

Deixou implícito que os EUA apoiam a missão em que Kofi Annan, enviado da ONU e da Liga Árabe, está bastante focado – a saber, “construir o processo de transição” em Damasco.

Obama deixou de registrar uma palavra de cordialidade gentil sobre os incansáveis esforços dos russos para iniciar um diálogo sírio. O ministro russo das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, alinhavou um plano de cinco pontos, depois de conversações no Cairo durante o fim de semana, com a Liga Árabe, que Pequim rapidamente endossou como “fórmula [com] significado realista e positivo para uma resolução política da questão síria”.

O plano de 5 pontos sugere:

1. Fim da violência dos dois lados;
2. Implantação de um mecanismo imparcial de monitoramento;
3. Nenhuma interferência externa;
4. Livre acesso a missões de socorro humanitário para todos os sírios;
5. Forte apoio à missão do ex-secretário geral da ONU Kofi Annan, para lançar um diálogo político entre o governo sírio e todos os grupos da oposição, como determinam os termos de referência endossados pelo secretário-geral da ONU Ban Ki-moon e a Liga Árabe.

Washington e Londres teriam uma proposta simples e direta a apresentar a Moscou e Pequim: alinhem-se e incorporem-se ao mesmo objetivo dos demais membros do P-5, “inclusive na aprovação de uma nova resolução do Conselho de Segurança da ONU”. De fato, Cameron não perdeu a oportunidade de isolar a Rússia (ao lamentar que Moscou realmente não esteja vendo seus próprios interesses de longo prazo em relação à Síria).

Por seu lado, Obama enfatizou que resta muito trabalho de campo ainda por fazer – uma intervenção de tipo “líbio” não funcionará na Síria; considerar todos os detalhes operacionais antes de agir em campo (“Temos planos militares para tudo. É parte do trabalho deles.”); encorajar maior unidade entre os grupos da oposição síria; manter o ritmo da campanha diplomática contra o regime sírio; esperar os resultados do trabalho de Kofi para que se implante uma “transição”; e, claro, manter forte a pressão sobre Moscou, para que entregue Assad ao próprio destino.

A conclusão necessária é que Washington e Londres avaliaram que o tempo trabalha a seu favor; que, cada dia mais, Rússia e China começarão a sentir o custo do isolamento internacional.



Notas dos tradutores
[1]  12/3/2012, Washington Post, em: “An alliance the world can count on
[2] Ano passado, dia 24/5/2011, a mesma dupla assinou outro artigo, quando da visita de Obama a Londres, e publicado, daquela vez, no Times de Londres, que pode ser lido em: “Op-Ed:President Obama and UK Prime Minister David Cameron.
Daquela vez, Obama e Cameron dedicaram-se a pontificar sobre a Líbia: Cameron declarou que “Gaddafi must go”; e Obama, que “as forças de oposição líbia é que devem derrubar o ditador; que os EUA têm pouco a fazer na Líbia”. De maio de 2011 a março de 2012, a única coisa que realmente mudou é que Rússia e China não se empenharam diretamente a favor de Gaddafi, como se empenham diretamente hoje, a favor de Assad.

*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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