20/3/2012, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
"Moscow's Afghan taunt to Obama"
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
"Moscow's Afghan taunt to Obama"
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
A entrevista exclusiva que
o ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov concedeu ao canal de
televisão TOLONEWS (e que foi ao ar no
domingo à noite) será atentamente analisada em todas as chancelarias do mundo –
tanto em termos do conteúdo quanto em termos da oportunidade. O pensamento dos
russos sobre a situação afegã e multidimensional.
Pode-se dizer que ali se misturam memória e prazer, porque os
EUA estão hoje em situação comparável à que a União Soviética vivia na última
metade dos anos 1980s. A principal diferença é que Moscou não inflige qualquer
dor aos EUA, em retaliação ao que Washington fez para sangrar o Exército
Vermelho durante a Jihad afegã. Mas, ao mesmo tempo, veem-se risinhos bem
humanos em Moscou, ante as voltas que a história dá.
Um traço forte do pensamento estratégico russo é a lógica
gélida, além do realismo e de um pragmatismo que jamais descuida dos interesses
nacionais. E, nesse caso, os EUA estão lutando a guerra dos russos contra o
radicalismo e o terrorismo islamista – não importa se intencionalmente ou contra
vontade. O que interessa à Rússia é erradicar os elementos extremistas
perniciosos que ameaçam a estabilidade da Ásia Central a qual, é claro, é "o
subventre macio" [1], mais vulnerável, da Rússia. Moscou constata
deliciada que o ocidente está tomando conta dessa importante questão, que
economiza muitos recursos russos que, não fossem as coisas como são, teriam de
ser investidos nesse front.
A Rússia sempre calcula os rublos que tenha no bolso –
bolcheviques em discussões incendiárias por fúteis questões ideológicas são
exceção tola na história russa; e, depois deles, a história retomou o curso
sobre o Volga. Assim sendo, se e quando Moscou dará algum apoio ao esforço de
guerra de EUA e OTAN é questão que, compulsivamente, se trata em termos
comerciais.
Diferente do efervescente general Pervez Musharraf, que
concorda espontânea e entusiasticamente com oferecer rotas aéreas pelo espaço
paquistanês, portos e rodovias por terras e mares, para o transporte ad
infinitum de suprimentos para a OTAN, Moscou insiste em cobrar de Bruxelas
gordos impostos de passagem. E, se a OTAN quer helicópteros russos para o
esforço de guerra, não haverá problema algum, desde que Bruxelas pague. A Rússia
já firmou até um contrato de prestação de serviços com a OTAN, para reparos e
manutenção dos helicópteros.
Alguma coisa desse realismo inabalável e sem vacilações
[leninista? NTs] bem deveria ser muito admirado por paquistaneses (e indianos),
admirado e copiado. A Índia, ao que parece, gastou mais de 1 bilhão de dólares
no desenvolvimento da infraestrutura afegã. Mas, como Lavrov diz na entrevista,
a disposição dos russos para reparar, consertar ou reconstruir a estrada (e
túnel) Salaang (vital, como elo de comunicação entre o sul e o norte do
Afeganistão) depende completamente de encontrarem-se outros financiadores para o
projeto; apesar de a estrada e o túnel Salaang terem sido originalmente
construídos pelos soviéticos e de Moscou conservar os desenhos e projetos
daquela deslumbrante maravilha da engenharia. (Sugiro uma caminhada por dentro
do túnel, como fiz uma vez, pelos 2,6km de extensão do túnel Salaang. Há até
dutos de oxigênio, muito necessário naquela altitude de 4.000m.)
Bem obviamente, Moscou lastima que os EUA, que estão sem
dinheiro, tenham resolvido que "chega!" e estejam inclinados a zarpar o mais
rapidamente possível do Afeganistão. Lavrov diz enfaticamente e sem piscar, que
EUA e OTAN têm de cumprir o mandado que o Conselho de Segurança lhes deu, e que
não podem sair de lá enquanto não houver estabilização alguma; e que nada
justifica a retirada dos soldados em prazos definidos por "transição" ao longo
de 2013, ou algum fim de alguma "missão de combate" em 2014. Para quem assista
de longe, é como se Lavrov tivesse traçando o projeto para a OTAN, como se a
Rússia fosse membro da OTAN.
E isso significaria que Moscou, de repente, virou entusiasta da
guerra – como se vê na Índia, a qual mais entusiasmada impossível, com a guerra
liderada pelos EUA? Claro que não. Minha impressão é que Lavrov está
perfeitamente consciente de que Barack Obama sempre decidirá a favor do que
indiquem, exclusivamente, os interesses dos EUA; e, naquela dada situação, o que
interessa aos EUA é livrar-se logo, de algum modo, daquela guerra inútil, que
drena os recursos dos EUA e pesa como um albatroz no pescoço dos EUA, impedindo
que prossiga sua marcha imperial de ataque a todos os recursos globais
comuns.
A questão, portanto, é por que Lavrov disse que a "missão de
combate" tem de continuar. Em minha opinião – de quem observa há muito tempo as
circunvoluções do pensamento de Lavrov –, ele está, exclusivamente, chamando a
atenção de todo o mundo para a contradição fundamental que há nas políticas dos
EUA: de um lado, dizem que já não há necessidade de "missão de combate", e, por
isso, sairão de lá até 2014; mas, simultaneamente, insistem em que é necessário
permanecer lá... nas bases militares, até muito depois de 2014. De fato, a
Rússia já entendeu – e está furiosa com isso – que os EUA estejam convertendo a
guerra do Afeganistão em álibi, no movimento para instalar uma plataforma, da
qual os EUA contam com continuar a perseguir seus ‘alvos’ globais.
É geopolítica, estúpido! De fato, Lavrov não poupa palavras em
oposição ao plano de jogo dos EUA, para instalar bases militares no Afeganistão.
Moscou vê claramente que Obama anseia por conseguir alinhavar algum pacto
estratégico com Karzai antes da reunião de cúpula da OTAN em Chicago. Quer
dizer: Moscou estima que esteja próxima a hora de a onça beber água.
Parte substanciosa da entrevista de Lavrov tem por objeto a
questão da reconciliação nacional no Afeganistão. O pensamento russo, parece,
flui do seguinte modo:
A. Moscou não se oporá à reconciliação com os Talibã como
tal.
B. Mas Moscou quer que a reconciliação seja parte de um
processo intra-afegãos.
C. Moscou desaprova os contatos clandestinos entre EUA e os
Talibã e a total falta de transparência de todo o processo.
D. Por outro lado, Moscou apoia Karzai – e pode-se pressupor
que esteja sendo encorajada pela decidida disposição do presidente afegão de
cuidar da própria vida e encontrar caminho próprio.
E. A coisa toda deve andar na direção de um acordo inclusivo,
que acomode os vários grupos afegãos.
F. Gente de fora deve ter participação mínima, como meros
facilitadores.
Interessante, Lavrov não fez qualquer crítica, direta ou
indireta, ao Paquistão. Nem defendeu qualquer papel especial para a Rússia nem,
sequer, para a Organização de Cooperação de Xangai. Não parece esperar qualquer
rápida estabilização no Afeganistão.
Sem dúvida, Moscou planeja manter o problema afegão como uma
espécie de referência, no "reset" das relações EUA-Rússia. A Rússia tem algumas
vantagens aqui, e planeja servir-se delas. Exemplo mais recente e espantoso
disso, é a Rússia ter oferecido Ulyanovsk como armazém de passagem para
transporte de suprimentos para a OTAN.
A transcrição integral da entrevista de Lavrov ("Rússia sobre OTAN-EUA no Afeganistão: Entrevista de
Sergei Lavrov", 19/3/2012), pode ser lida (em português, com
vídeo em inglês).
Nota dos tradutores
*MK
Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu,
Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994),
famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.
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