quinta-feira, 8 de março de 2012

Pepe Escobar: Entra “Vlad - o Putinator”, para en-lou-que-cer Washington


8/3/2012, Pepe Escobar, Ásia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

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Pepe Escobar
Esqueçam o passado (Saddam, Osama, Gaddafi) e o presente (Assad, Ahmadinejad). Vale a pena apostar uma garrafa de Petrus 1989 (difícil, só, ter de esperar seis anos para beber o prêmio): no futuro próximo, o top bicho-papão de Washington – e também de seus famigerados parceiros na OTAN e penas-mandadas na grande imprensa – será ninguém menos que o presidente russo Vladimir “de-volta-para-o-futuro” Putin. 

Vlad - o "Putinator"
E “que ninguém se engane” (make no mistake, como gosta de dizer o presidente Obama): “Vlad - o Putinator” não está para brincadeiras. Voltou exatamente para onde quer estar, comandante-em-chefe da Rússia, encarregado de todas as questões militares, de política exterior e da segurança nacional. 

As elites anglo-norte-americanas ainda tremem à menção do hoje legendário discurso de Putin em Munique 2007 [1], quando açoitou o então governo George W Bush por sua agenda obsessivamente unipolar imperial “implantada mediante um sistema que nada tem a ver com a democracia” e que “nunca se cansa de saltar sobre as fronteiras nacionais em quase todas as esferas”.

Quer dizer: Washington e seus mamulengos estão avisados. Antes da eleição do domingo passado, Putin até publicou seu mapa do caminho. Na essência: nada de guerra contra a Síria; nada de guerra contra o Irã; nada de “bombardeio humanitário” nem fomentar “revoluções coloridas” – todas essas práticas sinistras reunidas num novo conceito: “instrumentos ilegais de poder soft”. Putin é não-e-não, sobre qualquer Nova Ordem Mundial arquitetada por Washington. O princípio que governa é “o princípio, consagrado na história, da soberania do Estado”. 

Claro. Quando Putin olha para a Líbia, vê, graficamente, as consequências regressivas da “liberação” à moda OTAN, mediante “bombardeio humanitário”: um país fragmentado, controlado por milícias ligadas à al-Qaeda; a atrasada Cirenaica amputada da Tripolitania desenvolvida; e um parente do último rei posto no poder para governar o novo “emirado” – para delícia daqueles democratas-modelos da Casa de Saud. 

Mais essencialmente importante: nada de bases dos EUA cercando a Rússia; nadas de escudo de mísseis de defesa sem compromisso claro, assinado, de que o sistema jamais será usado como arma contra a Rússia; e cooperação cada vez mais próxima entre as potências emergentes do grupo dos BRICSs. 

Grande parte disso tudo já estava implícito no mapa do caminho que Putin publicou em outubro do ano passado – o artigo “A new integration project for Eurasia: The future in the making” [Um novo projeto de integração para a Eurásia: o futuro da humanidade], publicado no jornal Izvestia[2] Foi o ippon de Putin – que adora judô – contra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o neoliberalismo linha-dura. Putin vê uma União Eurasiana como “uma união econômica e monetária moderna” que se estende por toda a Ásia Central. 

Para Putin, a Síria é detalhe importante (se por mais não fosse, porque lá está a base naval russa no porto mediterrâneo de Tartus, que a OTAN adoraria abolir). Mas o cerne da questão é a integração da Eurásia. Os atlanticistas entrarão em surto coletivo, em massa, quando Putin começar a trabalhar aplicadamente para montar “uma poderosa união supranacional que se pode converter em um dos polos do mundo contemporâneo, ao mesmo tempo em que conectará a Europa e a dinâmica região do Pacífico asiático”. 

O mapa do caminho exatamente oposto a esse viria a ser, aparecido depois, a doutrina do Pacífico de Obama e Hillary. Que lhes parece? Super excitante, né-não?

Putin está no jogo do Óleogasodutostão

Putin, praticamente sozinho, comandou o renascimento da Rússia como mega superpotência energética (as exportações de petróleo e gás respondem por 2/3 das exportações russas, metade do orçamento federal e 20% do PIB russo). Deve-se esperar que o óleo-gasodutostão permaneça como questão chave.

E estará mais centrado no gás; embora nada menos que 30% das reservas globais de gás estejam na Rússia, a produção de gás natural liquefeito [orig. liquid natural gas (LNG)] corresponde a menos de 5% da demanda do mercado global. A Rússia ainda não está nem entre os dez principais produtores. 

Putin sabe que a Rússia precisará de toneladas de investimentos estrangeiros no Ártico e sobretudo na Ásia – para manter a produção de petróleo acima de 10 milhões de barris/dia. E precisa acertar um negócio complexo, amplo, de trilhão de dólares, com a China, para os campos de gás da Sibéria Oriental; a parte do petróleo já está encaminhada com o oleoduto ESPO (East Siberian Pacific Ocean – Sibéria Oriental-Oceano Pacífico). Putin sabe que, para a China – em termos de segurança energética –, esse negócio é contragolpe vital contra a sombria, sinistra “deriva” [orig. pivoting] dos EUA na direção da Ásia. 

Putin também fará de tudo para consolidar o óleogasoduto South Stream, que pode acabar custando espantosos $22 bilhões (o acordo dos acionistas já está assinado entre Rússia, Alemanha, França e Itália. South Stream é gás russo entregue pelo subsolo do Mar Negro ao sul da União Europeia, através de Bulgária, Sérvia, Hungria e Eslováquia). Se o óleogasoduto South Stream sair, o seu rival, Projeto Nabucco, estará sob xeque-mate: será grande vitória dos russos contra a pressão de Washington e dos burocratas de Bruxelas.

Tudo está ainda em disputa nessa crucial intersecção entre geopolítica hardcore e o Óleo-gasodutostão. Mais uma vez, Putin enfrentará outro mapa do caminho criado em Washington – o não exatamente muito bem sucedido projeto Nova Rota da Seda [orig. New Silk Road] (ver 3/11/2011, “EUA: sem lugar no Afeganistão depois de 2014”).

E há ainda o coringa do baralho – a Organização de Cooperação de Xangai [orig. Shanghai Cooperation Organization (SCO)]. Putin quererá que o Paquistão torne-se membro pleno, tanto quanto a China tem interesse em incorporar o Irã. As repercussões serão tectônicas – com Rússia, China, Paquistão e Irã coordenando não só a própria integração econômica, mas também a segurança mútua dentro de uma SCO fortalecida, cuja palavra-de-ordem é “sem alinhamento, sem confrontação e sem interferência nos assuntos internos de outros países”. 

Putin vê que com a Rússia, a Ásia Central e o Irã controlando nada menos que 50% das reservas mundiais de gás; e com Irã e Paquistão como membros virtuais da SCO, o nome do jogo passará a ser “integração asiática” – se não “integração euroasiática”. A Organização de Cooperação de Xangai cresce como uma usina econômica/de segurança, enquanto, paralelamente, o Óleo-gasodutostão acelera a plena integração da Organização de Cooperação de Xangai como contrafrente da OTAN. Os próprios atores regionais decidirão o que lhes parecer mais interessante: isso, construído ali mesmo, ou alguma Nova Rota da Seda inventada em Washington.

Make no mistake. Por trás da incansável demonização de Putin e das inumeráveis tentativas para deslegitimar as eleições presidenciais da Rússia, o que há é grupos muito poderosos e muito furiosos das elites de Washington e anglo-norte-americanas em geral.

Todos esses sabem que Putin será negociador ultra duro em todas as frentes. Sabem que Moscou trabalhará em coordenação cada dia mais próxima com a China; que farão de tudo para que não haja bases permanentes da OTAN no Afeganistão; que lutarão pela autonomia estratégica do Paquistão; que se oporão ao sistema de mísseis de defesa; que impedirão a guerra contra o Irã. 

E o demônio da “outra possibilidade”; e não poderia haver oponente mais formidável no cenário mundial, contra os planos de Washington – chamem-nos “Oriente Médio Expandido”, “Nova Rota da Seda”, “Doutrina da Dominação de Pleno Espectro” ou “Século Pacífico-Americano”.

Ladies and gentlemen, haverá turbulência à frente.



Notas dos tradutores
[1] Vladimir Putin: “Discurso à 43ª Conferência sobre Políticas de Segurança”, Munich, Alemanha, 2/10/2007 (em inglês) 
[2] 4/10/2011, artigo de Vladimir Putin: “A new integration project for Eurasia: The future in the making”  (em inglês).

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