segunda-feira, 26 de março de 2012

Quantas violações ainda falta(riam) para que os EUA declarem os crimes de Israel?


18/3/2012, Franklin Lamb, Veracity Voice
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Dr. Franklin Lamb é diretor do grupo “Americans Concerned for Middle East Peace”, Beirut-Washington; é membro da Fundação Sabra Shatila; e militante a favor de direitos humanos para os palestinos, no Líbano. É autor de The Price We Pay: A Quarter-Century of Israel’s Use of American Weapons Against Civilians in Lebanon [O preço que pagamos: 25 anos de uso de armas norte-americanas contra civis no Líbano]. Vive no Líbano. 
Recebe e-mails em fplamb@gmail.com


Dia 6/3/2012, o Serviço de Pesquisas do Congresso dos EUA [orig. US Congressional Research Service, CRS] divulgou relatório ao Congresso dos EUA, sobre uma lei vigente que impõe restrições ao uso de armamento fabricado nos EUA, pelos países que recebem essas armas. Para os que acompanham o assunto, não há grande novidade no relatório do CRS, por mais que Israel continue a violar rotineiramente praticamente todas as leis norte-americanas criadas para regular o modo como são usadas as armas norte-americanas entregues a outros países. [1]

Segundo nos disse um pesquisador do CRS que pediu para não ser identificado, em conversa pelo Skype e, depois, em memorando enviado por e-mail:

“Um estagiário e eu decidimos, quase de brincadeira, contar as violações das leis de uso de armas americanas por Israel, desde a aprovação da Lei AECA [US Arms Export Control Act] , em 1976, até o mês passado [fevereiro de 2012]. Estimamos que tenha havido mais de 2,5 milhões de violações, se se consideram as leis vigentes, a história legislativa e o objetivo do Congresso ao aprovar aquela lei. Para essa estimativa, consideramos todas as violações do Acordo ACEA e da lei de 1961, de Assistência Militar a outros países [orig.Foreign Assistance Act]. Consideraram-se vários tipos de armas, munição US 155 mm, vários tipos de mísseis, bombas, foguetes e, evidentemente, bombas de fragmentação. Por exemplo, se Israel fosse julgada por infringir leis vigentes, a promotoria teria como provar facilmente que as bombas de fragmentação lançadas contra o Líbano em 2006 foram violação “extra”, além das mais de 2 mi de bombas usadas na invasão do Líbano e nas invasões subsequentes (1978, 1993 e 1996). Se se somam também as vezes que Israel usou armas norte-americanas contra Gaza, Cisjordânia e Síria, o número real de violações daquelas leis chegará facilmente a vários milhões. Todas acobertadas pela mais completa impunidade”.

Nos termos da lei norte-americana, o governo dos EUA é obrigado a impor condições muito estritas ao uso contra populações civis, de armas entregues a países estrangeiros pelos EUA. Violações dessas condições podem levar à suspensão de fornecimento de armas norte-americanas ou ao cancelamento de contratos e, em caso extremo, ao cancelamento de toda ajuda militar ao país violador.

A sessão 3(a) da Lei AECA fixa os critérios para que países sejam elegíveis para receber armas norte-americanas e fixa claramente as condições sob as quais aquelas armas podem ser usadas. A sessão 4 da Lei AECA determina que armas norte-americanas podem ser vendidas a nações amigas “para uso exclusivo em atos de autodefesa legítima” e na “segurança interna” e para capacitar alguns países a participar de “medidas coletivas exigidas pela ONU com o objetivo de manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais”.

No caso de que o Presidente do Congresso entenda, nos termos do disposto nas seções acima da Lei AECA, que houve “violação substantiva” de acordo aplicável a venda de armas, o país envolvido naquela compra torna-se automaticamente inelegível para receber qualquer outro tipo de arma norte-americana. O mesmo ato proíbe que os EUA deem aval, garantias em empréstimos ou participem em outros negócios com o país violador, que ficará impedido, até, de receber armas por efeito de compras já feitas ou contratos vigentes.

Os EUA só usaram uma vez essa via, contra Israel.

No verão de 1982, questões levantadas por pesquisadores em Beirute e pelo jornalista Jonathan Randal do Washington Post, sobre o uso, por Israel, de armas e equipamentos militares fornecidos pelos EUA no Líbano, em junho e julho daquele ano, levaram o governo Reagan a declarar, dia 15/7/1982, que Israel “teria possivelmente” violado o Acordo de Assistência para Mútua Defesa EUA-Israel [Mutual Defense Assistance Agreement with the United States (TIAS 2675)] de 23/7/1952 e a Lei AECA.

Nos termos do acordo entre EUA e Israel de 1952, “O governo de Israel assegura ao governo dos EUA que tais equipamentos, materiais ou serviços que sejam adquiridos dos EUA (...) são necessários e serão usados exclusivamente para manter a segurança interna, na legítima autodefesa de Israel, ou para permitir que Israel participe na defesa da área na qual está inserida, ou de ações e medidas de segurança coletiva ordenadas pela ONU; e que Israel não empreenderá nenhuma ação de agressão contra qualquer outro estado”. 

Naquela ocasião, todas as preocupações centravam-se na questão de se Israel teria ou não usado bombas de fragmentação fornecidas pelos EUA contra alvos civis, no bombardeio massivo contra a área oeste de Beirute, durante o sítio de quase três meses.

A Comissão de Assuntos Exteriores da Câmara de Deputados dos EUA organizou audiências públicas sobre essa questão, em julho e agosto de 1982. Dia 19/7/1982, o governo Reagan anunciou que passava a proibir novas exportações de bombas de fragmentação para Israel. A proibição foi levantada pelo mesmo governo Reagan em novembro de 1988, sob pressão do lobby pró-Israel sobre a Casa Branca, que ameaçou boicotar a campanha eleitoral de George H. W. Bush, que concorria contra o senador Walter Mondale.

Os fatos desse evento, centrado em eventos ocorridos no Líbano, são instrutivos. 

Durante a guerra do Ramadan de 1973, a primeira-ministra de Israel, Golda Meir, vendo que as forças árabes avançavam sobre Israel, depois da ofensiva síria e egípcia de 6/10, e alertada pelo ministro israelense da Defesa sobre o desastre iminente, ameaçou o presidente Nixon: Israel usaria bombas nucleares, a menos que os EUA viessem em socorro de Israel. A resposta imediata de Nixon foi ordenar embarque imediato, para Israel, por avião, das armas norte-americanas armazenadas para uso na guerra do Vietnã, na base Clark da Força Aérea dos EUA, próxima da Baía Subic, nas Filipinas. O comandante daquela base demitiu-se, depois de responder a Washington que, com os EUA já na defensiva no Vietnã, aquelas armas eram necessárias para os soldados norte-americanos. Entre as armas armazenadas na base Clark havia oito tipos de bombas norte-americanas de fragmentação, inclusive as M-42, M-46,CBU-58 A/B, APAM (BLU) 77/B, MK 20 “Rockeye”, MK 118 e as “Birdies”, que era como os Marines em Beirute referiam-se às M-43 no final de 1982 e 1983.

Durante um encontro no final de junho de 1982 com o primeiro-ministro Begin de Israel, Reagan recebeu um bilhete escrito à mão, de George Shultz. Baseado na informação que tinha em mãos, Reagan disse diretamente a Begin que os EUA tinham informação confiável de que Israel estava usando armas norte-americanas contra civis no Líbano. Nesse ponto da conversa, nas palavras de Reagan, Begin deu sinais de intensa agitação. Tirou os óculos, olhou diretamente para Reagan e apontou-lhe o dedo: “Senhor presidente, Israel nunca usou e nunca usaria armas norte-americanas contra civis, e dizer o contrário é libelo mortal contra todos os judeus, em todo o mundo”. Imediatamente depois do encontro, Reagan disse ao secretário de Defesa Casper Weinberger, como relatam o próprio Weinberger e vários biógrafos de Reagan, que “eu não sei o que significa “libelo mortal”, mas sei que o homem olhou-me diretamente nos olhos e mentiu para mim”. 

A sugestão original do secretário de Estado George Schultz a Reagan, de que Israel estava usando dois tipos (as M-42 e as CBU-58) de bombas de fragmentação norte-americanas foi logo transformada e divulgou-se a “explicação” segundo a qual Israel, de fato, usara todos os oito tipos de bombas de fragmentação norte-americanas que Nixon enviara a Golda Meir, em outubro de 1973.

Mas no final de julho de 1982, apresentaram-se provas de que Israel usara os oito tipos de bombas norte-americanas de fragmentação, numa assembleia do Pentágono e outros altos oficiais, no prédio da Indian Head Ordnance, no rio Potomac, ao sul de Maryland, segundo depoimento da falecida jornalista americana Janet Lee Stevens. Ali se expuseram provas materiais ainda preservadas, inclusive fotos e bombas de fragmentação, algumas das quais ainda cheias de minol, elemento altamente explosivo, que carreguei pessoalmente na minha mala; todo esse material foi recolhido pela jornalista Janet e sua equipe de pesquisa (na qual trabalhavam combatentes palestinos enviados por Yassir Arafat e Khalil al Wazir (Abu Jihad), alguns combatentes Marabatoun, vários homens da milícia Amal e eu, para ajudar na tarefa de recolher provas).

O lobby EUA-Israel, não por acaso, considera absolutamente inócuas as leis norte-americanas sobre controle do uso de armas norte-americanas. As proibições contra Israel usar armas norte-americanas contra civis jamais foram consideradas, e como tudo indica jamais serão consideradas, dentre outros motivos porque o governo israelense mantém a ocupação de praticamente todo o governo dos EUA.

O valor antigamente tão prezado de todos os cidadãos norte-americanos, de viverem em nação erguida sobre leis humanitárias, e a confiança de que o interesse da segurança nacional dos EUA seria defendido por política externa que brotasse da convicção de que todas as nações são iguais e merecem idêntico respeito, foram sacrificados, para retardar o mais possível o inevitável colapso da empresa colonial de apartheid que Israel tentou implantar na Palestina.

A genuflexão de Obama (“nosso apoio é incondicional”) ante Israel aumenta os riscos que pesam contra os EUA, os quais, hoje, já ameaçam com armas norte-americanas todo e qualquer país, no Oriente Médio, e além dele, que sequer considerem a possibilidade de confrontar a aspiração sionista de dominação regional.

É mais que hora de os cidadãos norte-americanos retomarem para eles mesmos o próprio país e voltarem a se integrar à comunidade das nações, em atitude de mútuo respeito por todos os países e por todos os povos, sem permitir que os EUA continuem comprometidos em alianças espúrias com seja quem for.



Nota dos tradutores
[1] O relatório “U.S. Defense Articles and Services Supplied to Foreign Recipients: Restrictions on Their Use”, assinado por Richard F. Grimmett, especialista em segurança internacional, distribuído dia 6/3/2012, de apenas 7 laudas, e que parece ser documento burocrático, que não avança além de “possíveis violações” ocorridas até 1985.
Sobre Israel, lê-se lá, em 2012:

“Em duas ocasiões surgiram questões sobre uso impróprio que Israel teria dado a armamento produzido nos EUA, mas o presidente (governo Reagan) concluiu expressamente que não houvera qualquer violação do acordo sobre uso de armas: dia 1/10/1985, Israel usou aviões que lhe foram fornecidos pelos EUA para bombardear o quartel-general da OLP na Tunísia; o governo Reagan declarou logo depois que o ataque israelense fora “expressão compreensível da necessidade de autodefesa”, embora “não se possam desconsiderar os efeitos do bombardeio propriamente dito”. E dia 14/6/1976, depois da missão israelense de resgate no aeroporto do Entebbe, Uganda, o Departamento de Estado dos EUA declarou oficialmente que o uso pelos israelenses de equipamento militar fornecido pelos EUA naquela operação acontecera conforme os termos de acordo vigente desde 1952 entre EUA e Israel” (p. 6).

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